FEMINICÍDIO NO TRÂNSITO

FEMINICÍDIO NO TRÂNSITO: ACUSADO diz que NÃO JOGOU O CARRO contra árvore para matar a esposa

Versão apresentada pelo representante farmacêutico Guilherme José Lira dos Santos já era esperada e tenta desqualificar o crime de feminicídio no trânsito para um crime culposo de trânsito, sem intenção

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Roberta Soares

Publicado em 14/04/2023 às 12:00 | Atualizado em 14/04/2023 às 12:12
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O representante farmacêutico Guilherme José Lira dos Santos, acusado de jogar o carro contra uma árvore para matar a esposa no Centro do Recife, em 2018, declarou que tinha uma boa relação com a engenheira Patrícia Cristina Araújo dos Santos, 46 anos. E, como esperado, afirmou que não teve a intenção de provocar a colisão. Que tudo não passou de um sinistro de trânsito culposo (sem intenção)

A afirmação foi feita na noite desta quinta-feira (14/04), durante interrogatório do réu no quinto dia do julgamento realizado na 1ª Vara do Tribunal do Júri da Capital, no Fórum do Recife, na Ilha de Joana Bezerra, área central do Recife. O réu está sendo julgado por homicídio triplamente qualificado.

“Eu e Patricia sempre fomos muito amigos, gostávamos de brincar um com o outro. Isso condiz com o que foi apresentado aqui nos depoimentos das testemunhas”, afirmou em depoimento.

Apesar de as provas técnicas reforçarem a tese da acusação de que o veículo foi jogado contra a árvore porque não havia sinais de frenagem no local do crime, o réu tentou desconstruir a intenção de colidir.

"NÃO É POSSÍVEL RECORDAR DOS DETALHES", DIZ ACUSADO

Afirmou que, ao entrar na Rua Fernandes Vieira, na Boa Vista, Centro do Recife (saindo do prédio da mãe de Patrícia e onde ela estava residindo, na mesma via) e onde aconteceu o sinistro, reproduziu o movimento habitual de virar à direita, e colidiu com a árvore.

REPRODUÇÃO/ACERVO PESSOAL
Patrícia Cristina Araújo Santos morreu na colisão do carro em que estava contra uma árvore. Veículo teria sido jogado intencionalmente pelo marido para matá-la - REPRODUÇÃO/ACERVO PESSOAL

“Em um acidente (sinistro de trânsito. Não se diz mais acidente de trânsito. Entenda) não é possível recordar dos detalhes porque tudo acontece muito rápido. Não recordo de algumas atitudes que tomei ao volante. Não lembro se apertei ou não o freio. Mas lembro que fiz um movimento para tentar livrar o carro da árvore”, afirmou.

A afirmação foi feita depois de Guilherme José Lira ser questionado pela acusação sobre o acionamento dos freios e a ausência de cinto por parte de Patrícia Cristina, que estava no banco do passageiro. Segundo a perícia, a vítima estava sem o cinto no momento da colisão, enquanto oréu tinha o equipamento afivelado.

A ausência de sinais de frenagem do veículo, inclusive, foram ratificadas em depoimento pelos peritos do Instituto de Criminalística de Pernambuco horas antes do interrogatório do réu.

DISCUSSÃO ENTRE CASAL CONFIRMADA PELO RÉU EM DEPOIMENTO

O representante farmacêutico confirmou, inclusive, que na noite da morte de Patrícia, os dois saíram de carro da casa da mãe da vítima e que tiveram uma discussão no interior do veículo por causa do fim do relacionamento.

Sidney Lucena/TV Jornal
Julgamento do caso de feminicídio no trânsito da engenheira de computação Patrícia Cristina Araújo Santos - Sidney Lucena/TV Jornal

A família da vítima sempre contou que pediram para ela não descer para conversar com o marido e que Guilherme já saiu do edifício em alta velocidade. Além disso, disse que a mudança de rota apontada pela perícia instantes antes do ocorrido foi motivada por uma confusão.

DENÚNCIA DE FEMINICÍDIO UTILIZANDO O AUTOMÓVEL

Guilherme José Lira dos Santos foi indiciado e denunciado pelo crime de feminicídio no trânsito. De jogar o carro que dirigia contra uma árvore e matar na hora a mulher e mãe de seus filhos. Patrícia recebeu o impacto de uma tonelada de ferro sobre o corpo.

Não é mais acidente de trânsito. Agora, a definição é outra nas ruas, avenidas e estradas do Brasil

Lições do julgamento da "Tragédia da Tamarineira", colisão provocada por um motorista bêbado que deixou três mortos no Recife

As imagens de um circuito de monitoramento dos edifícios confirmaram a violência: o veículo passando em alta velocidade e chocando-se, brutalmente, contra a árvore. A destruição foi tanta que os bombeiros não conseguiram tirar Patrícia pela porta do passageiro. O corpo foi retirado pela porta traseira. O marido não teve qualquer ferimento.

HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO

As qualificadoras são ter cometido o homícidio por motivo futil; mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido; e VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio).

VEJA imagens da colisão

O julgamento está sendo presidido pela juíza Fernanda Moura de Carvalho, a mesma que atuou em outro caso de sinistro de trânsito de grande repercussão: a Tragédia da Tamarineira.  Pelo MPPE, estão as promotoras Ana Clézia, Dalva Cabral e Helena Martins.

PERÍCIA CONFIRMA QUE NÃO HOUVE FRENAGEM ANTES DA COLISÃO CONTRA A ÁRVORE

O depoimento dos peritos criminais reforçou a tese de que o réu e marido da vítima, jogou propositalmente o carro onde o casal estava contra uma árvore para matar a esposa.

Pelo menos dois dos quatro peritos criminais confirmaram que não havia qualquer marca de frenagem no local do sinistro de trânsito, o que evidencia que não houve a tentativa de frear o veículo, algo comum quando o condutor quer evitar uma colisão, por exemplo.

SIDNEY LUCENA/TV JORNAL
Perícia do Instituto de Criminalística confirmou que não havia qualquer marca de frenagem no local da colisão. E que o veículo também não teve a luz de freio acionada - SIDNEY LUCENA/TV JORNAL

Os peritos criminais Severino José Arruda, que esteve no local do sinistro minutos depois da colisão, e Diego Henrique Leonel de Oliveira Costa, que analisou imagens que flagraram a colisão, prestaram depoimento na quinta, no quarto dia do julgamento.

No depoimento, o perito Diego Costa afirmou, ainda, que as imagens mostram que o carro conduzido por Guilherme José Lira dos Santos não teve a luz de freio acionada antes do choque contra a árvore. Todo o impacto da colisão foi do lado do passageiro, onde estava Patricia Cristina, que morreu na hora devido à violência da batida.

FILHOS DA VÍTIMA SAEM EM DEFESA DO PAI E DIZEM QUE NÃO HOUVE INTENÇÃO DE MATAR

Durante o julgamento, os dois filhos do casal Guilherme José Lira dos Santos e Patrícia Cristina Araújo Santos, jovens de 16 e 19 anos, saíram em defesa do pai, alegando que ele não teve intenção de matar a mãe.

Em entrevista à imprensa antes de prestar depoimento, Pedro Wanderley reforçou que o caso foi um sinistro de trânsito e, não, um feminicídio. Ou seja, que o pai não teria tido a intenção de matar a esposa e que não jogou o veículo em que o casal estava contra uma árvore.

“Eu acredito que meu pai é uma boa pessoa e que foi um acidente. Ele é a melhor pessoa que eu conheci na minha vida. Se eu sou uma pessoa do bem, 100% é por causa dele. Eu já perdi minha mãe e não quero perder meu pai novamente. Por isso estou aqui. Vim para buscá-lo”, afirmou o jovem, vestido com uma camisa na qual estava escrito: “Pela verdadeira verdade”.

Sidney Lucena/TV Jornal
Julgamento do caso de feminicídio no trânsito da engenheira de computação Patrícia Cristina Araújo Santos - Sidney Lucena/TV Jornal

No dia seguinte, a filha do casal também defendeu o pai. Como era de se esperar, o depoimento foi muito emocionante, com a garota chorando bastante, principalmente em dois momentos em que tanto a defesa, quanto o Ministério Público, a questionaram sobre a sua convivência com a mãe.

Em toda sua fala, que durou aproximadamente duas horas, a filha do casal disse acreditar na inocência do pai, que optou por não ficar presente na sessão.

ESTRATÉGIA DA DEFESA É DESQUALIFICAR O CRIME

O depoimento dos filhos da vítima e do réu é uma estratégia da defesa para tentar desqualificar o crime para homicídio culposo no trânsito, o que livraria o representante farmacêutico de continuar preso.

A tese de feminicídio no trânsito é defendida pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE), responsável pela acusação, e foi também o fundamento para a denúncia judicial que levou o representante farmacêutico a ser julgado por um júri popular.

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