Trânsito, transportes e mobilidade urbana, com Roberta Soares

Mobilidade

Por Roberta Soares e equipe
CENTRO DO RECIFE

NOVO TRÂNSITO DO CENTRO DO RECIFE: plano começa a ser analisado sob a ótica do TRANSPORTE PÚBLICO

Uma das críticas feitas ao plano é que ele não demonstra dar protagonismo ao transporte público

Cadastrado por

Roberta Soares

Publicado em 20/09/2023 às 13:00 | Atualizado em 25/09/2023 às 10:55
- BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

O novo plano de circulação do Centro do Recife projetado pela prefeitura para conectar os bairros de Afogados a São José e Santo Antônio, além do Bairro do Recife, começou, enfim, a ser analisado sob a ótica do transporte público.

O projeto chegou recentemente ao Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM) e está sob análise técnica para ver qual protagonismo a gestão municipal reservou aos ônibus. O órgão confirmou que recebeu o plano, que está analisando e que “acredita que a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) terá sensibilidade de priorizar o passageiro do transporte público”.

Vale ressaltar que o serviço ofertado pelos ônibus responde pelo deslocamento de mais de 80% dos clientes que vão ao Centro em busca de compras e serviços, segundo dados da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL).

De forma geral, o projeto prevê a conexão do bairro de Afogados com o Centro da cidade, tendo a Avenida Sul e a Avenida Dantas Barreto como principais corredores viários de entrada e saída do tráfego de veículos.

Pelas informações que a Coluna Mobilidade teve acesso, inclusive, a impressão é de que o projeto foi elaborado tendo como foco a circulação dos carros. E, não, a circulação de pedestres e ciclistas, além do transporte público, por exemplo.

Os coletivos, ao contrário, parecem que perdem espaço com a transformação do corredor central e bidirecional de ônibus da Avenida Sul em uma faixa exclusiva apenas no sentido Afogados-Centro.

PROJETO APOSTA NA CIRCULAÇÃO DE CARROS PARA ATRAIR MOVIMENTO

Plano da nova circulação no Centro do Recife - REPRODUÇÃO
Plano da nova circulação no Centro do Recife foi elaborado com recursos de ação mitigadora - REPRODUÇÃO
Plano da nova circulação no Centro do Recife - REPRODUÇÃO
Plano da nova circulação no Centro do Recife - REPRODUÇÃO

Pelo projeto, a impressão é de que a estratégia da gestão municipal é facilitar o acesso de veículos para estimular o movimento na área central da cidade e, assim, promover a recuperação econômica da região.
O plano de circulação foi elaborado pela Metrics Mobilidade (que trabalha com a prefeitura há muitos anos) e financiado pelo Grupo Moura Dubeux como uma das ações mitigadoras do Projeto Novo Recife, localizado no Cais José Estelita, na mesma região.

 

A proposta, inclusive, dialoga diretamente com o Novo Recife e os projetos do Hotel Marina e do Centro de Convenções que estão sendo erguidos no Cais de Santa Rita. Originalmente, a circulação teria sido pensada a partir de um desejo e pedido pessoal do prefeito João Campos (PSB) de pedestrianizar a Avenida Guararapes, numa estratégia de valorizar os imóveis do entorno.

O JC tentou conversar com a Prefeitura do Recife a partir do desenho do projeto, mas não conseguiu. Nem com a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) nem com a Secretaria de Mobilidade, assim como com a coordenação do Programa Recentro. Embora o projeto venha sendo apresentado a entidades e representantes da sociedade civil.

Sendo assim, a Coluna Mobilidade mais uma vez lamenta a falta de diálogo da gestão do prefeito João Campos (PSB) e pondera aos leitores que a nova circulação do Centro está sendo detalhada de acordo com a interpretação do projeto e opiniões de pessoas que estavam presentes na apresentação e fizeram questionamentos formais.

AVENIDA DANTAS BARRETO E AVENIDA SUL SERÃO OS GRANDES EIXOS VIÁRIOS

A conexão Sul/Centro será pela Avenida Sul, que será totalmente requalificada e ganhará um protagonismo merecido. Perderia o corredor de ônibus bidirecional e ganharia uma faixa exclusiva no sentido Imbiribeira-Centro - REPRODUÇÃO

A proposta principal, como já dito, é fazer uma conexão do bairro de Afogados com o Centro (bairros de São José, Santo Antônio e Bairro do Recife). A conexão Sul/Centro será pela Avenida Sul, que será totalmente requalificada e ganhará um protagonismo merecido.

Perderia o corredor de ônibus bidirecional - há muitos anos totalmente degradado, vale ressaltar, mas importante para as linhas que circulam no trecho - e ganharia uma faixa exclusiva no sentido Imbiribeira-Centro. Seriam três faixas no sentido Imbiribeira-Centro e duas faixas no sentido Centro-Imbiribeira.

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Também está prevista a construção de uma ciclovia bidirecional, que seguirá por toda a Avenida Dantas Barreto até se conectar com o equipamento implantado na no Cais de Santa Rita. A avenida será transformada em um grande corredor viário, com a circulação de veículos Centro-Sul pela pista oeste e Sul-Centro pela pista leste.

O corredor que começaria na Avenida Sul, em paralelo à Rua Imperial, seguirá pela Avenida Dantas Barreto e Avenida Nossa Senhora do Carmo, dando acesso ao Bairro do Recife por essa rota.
A Avenida Dantas Barreto terá a pista central com três faixas de rolamento e uma para carga e descarga. E as duas pistas locais teriam uma faixa de circulação e outra de estacionamento, além da ciclovia.
A Dantas Barreto teria conexões requalificadas com as Ruas do Peixoto, São João, Passo da Pátria e Tobias Barreto

NOVA ALÇA NO VIADUTO DAS CINCO PONTAS

Embora a demolição do Viaduto das Cinco Pontas seja uma das ações de mitigação do Projeto Novo Recife já conhecida, o novo projeto de circulação no Centro do Recife prevê a construção de uma alça ao elevado.

Essa alça cairá na Praça Frei Caneca, em São José (ao lado do Forte das Cinco Pontas), e será opção para quem quer chegar ao Centro pelo Cais José Estelita sem fazer o retorno nos armazéns do Cais de Santa Rita.

Outro aspecto colocado é que ficou evidente a adequação da nova circulação para beneficiar diretamente os automóveis que querem chegar aos projetos Novo Recife, Hotel-Marina e Cecon - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

A Praça das Cinco Pontas, na mesma região, será unificada e funcionará como uma grande rotatória para os veículos fazerem as conexões com a nova circulação. A Praça Sergio Loreto terá o mesmo papel na conexão da Rua Imperial com a Avenida Dantas Barreto.

CIRCULAÇÃO NO CAIS DE SANTA RITA

A intenção clara do projeto é reduzir o volume de tráfego de veículos no Cais José Estelita - que será o quintal do Projeto Novo Recife - e do Cais de Santa Rita, que está recebendo o Hotel-Marina e o Cecon. A proposta é estimular o uso apenas para quem tem como destino os empreendimentos.

Assim, o plano propõe tirar o tráfego no sentido Sul-Centro do Cais de Santa Rita e transformar a Rua Cais de Santa Rita (onde fica o Sesc) numa avenida com três faixas de rolamento. Para isso, diversas vagas de Zona Azul seriam retiradas da via.

A Rua de Santa Rita, que hoje tem dois sentidos e é a principal via de entrada e saída do Centro no sentido da Zona Sul do Recife, teria um único sentido - Centro-Sul. E o Mercado de Santa Rita e o Terminal de Santa Rita ficariam no meio dessa via e da avenida implantada na Rua Cais de Santa Rita.

CRÍTICAS FEITAS À PROPOSTA

O fato de o plano não ter sido discutido antecipadamente com o Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM) foi uma das críticas ao projeto feitas por arquitetos e urbanistas ouvidos pelo JC.

“O projeto não parece ser planejado. Resolve apenas problemas pontuais, sem uma visão global da circulação de acesso ao Centro. Parece não ter sido pensado de forma global e ser fragmentado. Não foi discutido com a sociedade e com as pessoas que usam a região, por exemplo. Veio de goela a baixo e todo fragmentado”, analisa o arquiteto urbanista, professor universitário e engenheiro de tráfego e especialista em acessibilidade, Anderson Aragão.

Plano da nova circulação no Centro do Recife prevê a transformação da Avenida Sul - REPRODUÇÃO

Na visão das entidades e pessoas que já tiveram acesso à proposta, o plano foca no veículo e, não, no pedestre. Transforma o Centro do Recife em uma passagem para os veículos saírem da Zona Sul e chegarem até Olinda, por exemplo. Isso tudo com o subterfúgio de que mais carros circulando trariam um movimento que daria vida ao Centro do Recife.

Outro aspecto colocado é que ficou evidente a adequação da nova circulação para beneficiar diretamente os automóveis que querem chegar aos projetos Novo Recife, Hotel-Marina e Cecon. “Rua no centro sem estacionamento não é acesso, é passagem. É uma questão conceitual. Querem atrair veículos para o Centro sem dar opção para estacionamento. Veremos é a destruição de prédios históricos para virarem garagens”, critica um urbanista em reserva ao JC.

CONFIRA o projeto na íntegra:

Projeto de Nova Ciruclação Centro do Recife-Afogados by Roberta Soares on Scribd

As observações feitas na ata da reunião de governança cidadã do Recentro em que o plano foi apresentado pela CTTU, no fim de agosto, e a qual a Coluna Mobilidade teve acesso, deixa muito evidente esse pensamento.

“Ficou evidente que o plano foi feito para promover uma melhor circulação em torno do Hotel-Marina e do Cecon. Esse é o objetivo oculto. Simplesmente estão ignorando a multidão que caminha pelo centro. É um projeto rodoviarista, mais uma vez”, reforça.

“Ao transformar a Rua Cais de Santa Rita numa avenida de três faixas, retirando todas as vagas de Zona Azul e permitindo um tráfego intenso de veículos, eles isolam o comércio que existe em volta e dificultam o acesso dos pedestres. Isso vai prejudicar o comércio. Não se vê um tratamento especial ao ônibus, por exemplo”, segue.

É um plano para viabilizar a passagem dos carros pelo Centro. Para que possam atravessar a cidade. Não consideram as pessoas, o pedestre caminhando no Centro. Vão transformar a Dantas Barreto numa grande avenida que permitirá o motorista sair de Olinda até Boa Viagem por ela. Isso tudo com o subterfúgio de que mais carros circulando trariam um movimento que daria vida ao Centro”, critica.

CAIS DE SANTA RITA SEGREGADO DO CENTRO

Outro alerta feito, agora por um arquiteto, também em reserva, é que o projeto corre um risco muito grande de segregar com tráfego pesado o Mercado e o Terminal de Santa Rita do resto do Centro.
“Vai, inclusive, prejudicar o Hotel-Marina e o Cecon. Os hóspedes e visitantes terão que atravessar duas avenidas pesadas (a Rua de Santa Rita, a Rua Cais de Santa Rita) para chegar ao Mercado de São José, por exemplo”, critica.

A transformação da Avenida Dantas Barreto numa avenida de tráfego intenso é outro ponto. “Conceitualmente, passar avenidas pelo Centro é ruim porque elas só funcionam se o tempo do pedestre for ruim. Caso contrário, não tem sentido. E a CTTU não vai adotar a Zona 30 nelas, sabemos disso”.

Outros questionamentos feitos são em relação à transferência da ciclovia (hoje ciclofaixa) existente em frente ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) para a via local do Palácio do Campo das Princesas, que é interditada quase que diariamente pelo governo do Estado. “Teremos uma ciclofaixa interditada frequentemente para que mais veículos possam circular na via onde existe uma ciclofaixa útil ao ciclista”.

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