Transporte público em crise: Metrô do Recife segue sem recursos, perdendo passageiros e com futuro incerto
Apesar da sua importância e papel social, o metrô definha. E, o que é pior, sofre com a indefinição do seu futuro, que caminha para a operação privada
A situação do transporte público é ainda pior quando o recorte é o Metrô do Recife, sistema metropolitano de trens que atende diretamente a quatro municípios, mas indiretamente a toda Região Metropolitana do Recife através da integração com o sistema de ônibus.
Apesar da sua importância e papel social, o metrô definha. E, o que é pior, sofre com a indefinição do seu futuro. A concessão dos serviços à iniciativa privada é praticamente certa - é o que mostra e recomenda os estudos técnicos -, mas como a decisão final é, de fato, política, nada foi definido oficialmente ainda.
E é nesse ritmo de insegurança e poucas condições de operação que o Metrô do Recife segue. O sistema continua sem recursos, com um déficit de custeio de quase 50% do orçamento que recebe. Investimentos começam a chegar, como a conquista - com a ajuda do governo de Pernambuco - de R$ 136 milhões do Novo PAC, mas o ritmo é lento e a quantidade insuficiente.
Na ponta, sofrem os metroviários - que fazem ‘mágica’ para manter o sistema operando e com segurança - e o passageiro, que viu a qualidade do serviço ofertado pelo metrô piorar, enquanto a passagem aumentou quase 200%. As quebras também são constantes. Na última, o sistema ficou com a linha mais importante de toda a rede - a Linha Centro - sem operar totalmente por quatro dias e um dos ramais - o Ramal Jaboatão - parado por uma semana.
“Uso o metrô porque, onde moro, não tem opção melhor para chegar ao meu trabalho, que fica no Centro do Recife. Gasto 30 minutos, se tudo der certo. De ônibus seria muito demorado por causa do trânsito. Já levei 1h30. Mas confesso que todo dia é um risco, pego o metrô sem a certeza de que funcionará bem. Também está muito lotado e quente”, desabafa o pintor Carlos Eduardo Farias, que todos os dias sai da Estação Jaboatão, a última do Ramal Jaboatão da Linha Centro, para o Recife.
DEGRADAÇÃO PROVOCOU SUSPENSÃO DA OPERAÇÃO AOS DOMINGOS
A degradação da infraestrutura do Metrô do Recife chegou a tal ponto que desde agosto o sistema deixou de operar aos domingos - com exceção de datas ou eventos especiais. A explicação divulgada na época foi que a suspensão seria para agilizar a substituição de parte da infraestrutura da via por onde circulam os trens, extremamente comprometida.
Porque o horário da madrugada, quando o sistema suspende a operação diariamente - das 23h às 5h -, seria insuficiente para a execução dos trabalhos. E que a manutenção seria iniciada porque o metrô será beneficiado com os R$ 136 milhões do Novo PAC, liberados para a troca dos dormentes da Linha Sul.
Oficialmente, entretanto, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) destacou, via Lei de Acesso à Informação (LAI,) que a decisão das paradas aos domingos do Metrô do Recife foi uma medida também para reduzir a possibilidade de colisões e descarrilamentos no sistema.
Para se ter ideia do nível de abandono a que chegou o metrô, a previsão de conclusão das obras de requalificação do sistema é de quatro anos. E que ela é necessária, também, para evitar a suspensão da operação comercial da Linha Sul.
“A decisão das paradas aos domingos do Metrô do Recife configura-se como uma medida que visa preservar os componentes do sistema, que se encontra em estado avançado de degradação, reduzindo assim a possibilidade de ocorrência de acidentes graves até a execução das obras de requalificação do sistema (prazo estimado de 4 anos).
“A paralisação aos domingos também reduz o risco da suspensão da operação comercial na linha Sul (trens antigos) até a chegada da nova frota, uma vez que a taxa média de sucateamento é de 2 TUEs a cada 3 anos e o prazo de entrega dos novos trens é de 4 anos”, diz a CBTU.
“A equipe de manutenção do Metrô do Recife tem aproveitado a janela de tempo resultante das paradas aos domingos, nas condições atuais de restrições orçamentárias, para realizar ações corretivas pontuais e não programadas nos itens críticos identificados durante as inspeções”.
A CBTU também afirma que as substituições previstas com os recursos do Novo PAC só terão início em março de 2025. “Até o momento, temos a perspectiva de receber apenas R$ 136 milhões, aprovados no PAC que devem ser liberados até 2027 e que atenderá, parcialmente, a necessidade das obras de requalificação da via permanente, com previsão de início em março de 2025”, explica a CBTU.
Segundo a companhia, a requalificação do sistema, incluindo a aquisição de 20 novos trens, requer a liberação de R$ 3,1 bilhões, a serem liberados no período de 2025 a 2028. E que, por enquanto, não há outra expectativa para o metrô. “Atualmente, não temos nenhum contrato novo em andamento que tenha como objeto ações relacionadas à requalificação do sistema ou aquisição de trens”.
DÉFICIT DE CUSTEIO DO METRÔ DO RECIFE É DE R$ 300 MILHÕES POR ANO
O déficit apenas de custeio (despesas básicas de operação) do Metrô do Recife é de aproximadamente R$ 300 milhões por ano, o que compromete a qualidade e a segurança do serviço.
Sem qualidade, o serviço só perde passageiros. Já foram 400 mil pessoas transportadas por dia, nas duas principais linhas do sistema: Linhas Centro e Sul. Agora, são menos de 200 mil passageiros diários (algo próximo a 160 mil).
A crise econômica aliada ao aumento de mais de 180% no valor da passagem - que subiu de R$ 1,60 para R$ 4,25 num período inferior a dois anos - e as quebras provocadas pelo sucateamento seguem afastando o usuário do sistema.
CONCESSÃO PRIVADA DO METRÔ DO RECIFE É PRATICAMENTE CERTA
O Metrô do Recife será, de fato, concedido à iniciativa privada. Logo e por 30 anos. Essa é a intenção, sim, do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No fim de outubro, o governo federal confirmou que a intenção da gestão é a concessão pública do sistema de transporte sobre trilhos da Região Metropolitana do Recife, que sofre sem recursos mínimos para operação há quase dez anos e, principalmente, nos últimos seis.
A confirmação foi dada pela Casa Civil da Presidência da República, que explicou as metas do projeto de privatização do Metrô do Recife em resposta oficial encaminhada à Coluna Mobilidade. “O projeto do sistema de metrô da Região Metropolitana de Recife/PE tem por principal objetivo a concessão à iniciativa privada da prestação dos serviços de trens de passageiros. Seu escopo abarca a reforma, atualização e modernização da estrutura e equipamentos instalados, assim como a operação dos serviços, em um contrato de parceria de 30 anos”, afirmou a Casa Civil.
O discurso argumentativo do governo federal foi de que a intenção do projeto de concessão pública é qualificar a infraestrutura para que o serviço prestado aos passageiros melhore. Atualmente, o Metrô do Recife tem intervalos de 20 minutos, inclusive nos horários de pico, quando é comum passar dos 10 minutos. O sistema está perigoso, os trens estão velhos, sucateados e a refrigeração não dá mais conta. Ou seja, o usuário do metrô só sofre e ainda paga caro: R$ 4,25, valor maior do que o dos ônibus, de R$ 4,10.
O governo federal também garante que o projeto de concessão pretende manter o valor da passagem. “O objetivo é que os 335 mil pessoas (essa quantia foi informada pela União, mas seriam 200 mil, segundo a CBTU-Recife) que utilizam o sistema de transporte tenham mais qualidade de vida e menos tempo gasto nos seus deslocamentos, com maior segurança e regularidade e manutenção da mesma estrutura tarifária vigente”.
Antes e depois do posicionamento, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, já tinha dado algumas declarações confirmando a futura operação privada do metrô. Em novembro, outro passo na mesma direção: os metroviários conseguiram a assinatura de um acordo especial com o governo que garante a permanência da categoria no serviço público federal por dois anos no caso da concessão pública do sistema.
ARRUMADA NO METRÔ DO RECIFE ANTES DA PRIVATIZAÇÃO
Também de acordo com a Casa Civil, o Metrô do Recife sofrerá melhorias em sua infraestrutura antes de ter a operação privatizada. A Casa Civil não falou em valores, mas confirmou que investimentos serão feitos. A CBTU, entretanto, já tinha informado que seriam necessários R$ 3,1 bilhões para a requalificação do sistema.
“As intervenções previstas na concessão envolvem investimentos para melhorias e maior eficiência operacional, por meio de reforma de estações, compra de trens novos e diversas atualizações tecnológicas, resultando em melhoria da qualidade do serviço prestado à população, mais conforto, acessibilidade, segurança e maior regularidade nas viagens”, explicou.
ESTUDO DE CONCESSÃO FICOU PRONTO E FOI REFEITO PELO BNDES
Um estudo de concessão pública do Metrô do Recife já tinha sido feito entre 2019 e 2022, inclusive com participação e validação do governo de Pernambuco, que tinha o PSB à frente da gestão.
E desde agosto de 2023 está sendo refeito também pelo BNDES com recursos do Novo PAC no valor de R$ 4 milhões. Os novos estudos teriam premissas diferentes da orientação dada na primeira análise realizada também sob coordenação do banco, a partir de 2019, ainda na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O primeiro estudo de concessão pública do Metrô do Recife previa um pacote no valor de R$ 8,4 bilhões em 30 anos. Desse total, R$ 3,8 bilhões seriam aportes públicos para reerguer o sistema e cobrir a diferença entre receita tarifária e despesa de operação.
O processo de estadualização e concessão pública do Metrô do Recife seria iniciado ainda em maio de 2022. A modelagem e os valores chegaram a ser apresentados ao Ministério da Economia no fim de 2021 e já tinham sido validados pela equipe técnica que está à frente dos estudos.
O governo de Pernambuco seria o gestor do futuro contrato de concessão pública do Metrô do Recife. Dos R$ 3,8 bilhões, R$ 3,1 bilhões seriam mobilizados pelo governo federal e R$ 700 milhões pelo governo de Pernambuco. E, dos recursos federais, R$ 1,4 bilhão ficariam guardados para serem utilizados pelo Estado ao longo do contrato de concessão pública.