Causou estranheza entre parlamentares que se dedicaram a analisar com rigorosa lupa o relatório do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), da iniciativa que leva o pomposo nome de Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, ter aberto mão, de última hora, da criação de agência para fiscalizar as plataformas. Antes, o comunista tinha considerado “inegociável” que a agência estaria com o cordão umbilical ligado ao Poder Executivo. Agora, mudou de ideia. “Resta um tema: qual instituição fiscalizará a lei e eventualmente aplicará sanções”, disse. Que tal a sociedade civil?
O parecer de Orlando Silva estabelece que os provedores têm a responsabilidade de zelar pelo conteúdo publicado: “sendo ágil para prevenir ou reduzir práticas ilícitas no âmbito do seu serviço”. O documento afirma que é preciso combater publicações que “incitem crimes de golpe de Estado, atos de terrorismo, suicídio ou crimes contra a criação e adolescente”. Até aqui, parece consenso.
Mas então, por que a pressa? Por que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), usou do seu poder de convencimento - a imposição - para levar à votação o requerimento que tornou o projeto prioritário. Em regime de urgência. Será votado na próxima semana sem que ocorra o necessário debate nas comissões temáticas, como Ciência, Tecnologia e Inovação e também na de Constituição e Justiça ou numa comissão especialmente criada para essa finalidade. Ora, porque o Executivo quer aproveitar o momento em que discutir “fake news” ficou tão banal como falar dos juros altos, da invasão da Ucrânia pela Rússia e quer submeter à sociedade uma lei autoritária, com vício de origem. Fake news virou tema vulgar.
Orlando Silva retirou “o bode da sala”, mas deixou para ao Poder Executivo a incumbência para regulamentar como vai “funcionar” a moderação de conteúdo na internet para que sejam “identificadas, excluídas ou sinalizadas postagens e contas com conteúdo considerado criminoso.” É preciso racionar que é um grande erro entregar tão importante tarefa a quem já detém o poder.
ISENÇÃO, RIGOR E TRANSPARÊNCIA
“É preciso combater a censura e garantir a liberdade de expressão”, disse à reportagem da Rádio Jornal o deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), ao apresentar projeto de lei como alternativa à iniciativa governista, encampada por Orlando Silva. “Enquanto o ‘PL da Censura’ dá ao governo poder para controlar as redes sociais, criando um ‘Ministério da Verdade’, o nosso texto garante a pluralidade de ideias, a transparência, os direitos aos usuários, resguardado o discurso religioso e político, estabelece proteção às crianças e jovens e diretrizes para o incentivo educação digital, à pesquisa, tecnologia e inovação”, defendeu Mendonça. Tem chance de ir adiante? Poucas, mas não deixa de ser um manifesto contra a falta de diálogo marcante na tramitação do projeto do governo.
É salutar, portanto, que nem o PL de Mendonça Filho nem o relatório de Orlando Silva poderão ignorar que se os irmãos Pavel e Nikolai Durov - donos do aplicativo Telegram - ou Mark Zuckerberg, do WhatsApp - ficarem de beicinho para cumprir uma determinação judicial terão de se reportar ao conteúdo da legislação, desde que necessariamente debatida pela sociedade, pela academia, pelo Congresso Nacional, antes de ser aprovada e sancionada pelo presidente da República. O que não pode é criar a toque de caixa uma lei que vai reger o nosso dia a dia.