Impunidade

6 em cada 10 investigações de assassinatos não estão concluídas em Pernambuco

No primeiro semestre deste ano, 1.962 pessoas foram assassinadas em Pernambuco. Mas somente 39% desses casos foram concluídos e remetidos à Justiça

Raphael Guerra
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Raphael Guerra
Publicado em 28/10/2020 às 15:02
FABIO ROCHA/TV GLOBO
Tuca Almeida participou do The Voice Kids em 2018. Ele foi assassinado em abril de 2020, mas o crime continua sem solução - FOTO: FABIO ROCHA/TV GLOBO

O sonho de Arthur Almeida, de 15 anos, era levar sua voz para o maior número de pessoas. Cantar era uma verdadeira paixão. Tanto que se inscreveu no programa The Voice Kids, da TV Globo, e conseguiu participar da competição musical. Não venceu, mas seguiu a luta para continuar mostrando seu talento para milhares de seguidores nas redes sociais. Porém, em 30 de abril deste ano, o adolescente foi assassinado em um estabelecimento de serviços estéticos no bairro de Candeias, Jaboatão dos Guararapes. O alvo dos criminosos era outro, mas ele entrou para as tristes estatísticas. Às vésperas de completar seis meses desse crime chocante, a Polícia Civil afirmou que o caso ainda está sendo investigado. Ninguém está preso.

Se não basta a perda de um parente, a família ainda convive com a impunidade. No primeiro semestre deste ano, 1.962 pessoas foram assassinadas em Pernambuco. Mas somente 39% dessas investigações foram concluídas e remetidas à Justiça, de acordo com estatísticas da Secretaria Estadual de Planejamento. Na prática, de cada dez mortes violentas, seis seguem sem resposta. Os piores índices estão no Interior do Estado, onde há menos profissionais de segurança e menos recurso para investigação.

Na manhã de ontem, a coluna Ronda JC tentou contato com um delegado que está lotado em um município do Agreste do Estado. Ao atender, o agente disse que ele estava em outra cidade, onde também é titular da delegacia. Na nova tentativa, a reportagem soube que o delegado já estava em um terceiro município, onde também é atua. Ou seja: uma autoridade policial para dar conta de três cidades com crescimento de violência.

Policiais civis, ouvidos em reserva pelo JC, relataram que cerca de 20% do efetivo foi afastado, durante a pandemia, porque fazem parte do grupo de risco.

Em nota, a Secretaria de Defesa Social (SDS) afirmou que “estratégias integradas estão em curso, como o reposicionamento do policiamento ostensivo e especializado, assim como a intensificação de operações de repressão qualificada e investigações focadas em grupos de extermínio e do tráfico de drogas. As polícias trabalham com a diretriz de priorizar a resolução de homicídios e para que nenhum crime violento letal intencional fique impune em Pernambuco”.

Organizações criminosas avançaram

Em nove meses, 52 municípios pernambucanos já ultrapassaram o número de homicídios registrados ao longo de todo o ano de 2019, indicando o enfraquecimento do programa Pacto pela Vida. E o avanço das organizações criminosas no Estado, durante a pandemia do novo coronavírus, pode ter contribuído para este resultado.

De acordo com o promotor de Justiça Frederico Magalhães, coordenador do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de Pernambuco (Gaeco/MPPE), muitos dos homicídios ocorridos na Região Metropolitana, na Mata Norte e na Mata Sul estão associados à criminalidade. “Existe uma guerra pelo domínio do tráfico de drogas entre facções locais. O número de organizações criminosas é muito grande. Há uma disputa pelo poder. Além disso, alguns desses grupos estão associados a outros de fora do Estado”, explicou. Há indícios de que há organizações ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC), conhecida facção de São Paulo. “Alguns se autointitulam integrantes da facção.”

O coordenador do Gaeco afirmou que as organizações conseguiram se espalhar mais rapidamente pelo Estado nos últimos meses, e que há relação com o aumento das mortes em vários municípios pernambucanos. “A pandemia surgiu de forma muito repentina, não estávamos preparados. Ela dificultou o trabalho dos órgãos de fiscalização, o trabalho da polícia. Isso propiciou o crescimento e a difusão dessas facções, que ficaram mais estruturadas e passaram a atuar mais livres para disputar o domínio do tráfico. Ipojuca, Escada, Limoeiro, Casinhas e até o Recife estão entre os mais afetados”, disse.

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