INVESTIGAÇÃO

Torturas, morte e fugas: cenário é de caos em unidade da Funase em Pernambuco

Em vistoria, adolescentes denunciaram agressões praticadas por agentes socioeducativos. Funase confirmou que 5 profissionais foram demitidos

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Raphael Guerra

Publicado em 03/09/2021 às 6:30
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Denúncias de agressões físicas e verbais contra adolescentes do sexo masculino que cumprem medidas no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Garanhuns, no Agreste de Pernambuco, foram encaminhadas ao Ministério Público para investigação. Em vistoria realizada na última terça-feira (31) após um tumulto na unidade, representantes do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) encontraram um cenário de caos. Além disso, ouviram os relatos de que agentes socioeducativos torturam os garotos. A direção da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase), responsável pelos Cases do Estado, reconheceu o problema. E disse que, nos últimos meses, cinco agentes foram demitidos. 

A coluna Ronda JC teve acesso à íntegra do relatório do Gajop encaminhado ao Ministério Público e à Vara Regional da Infância e Juventude de Garanhuns. "Os problemas estruturais são gravíssimos como: capacidade inadequada por alojamento, insalubridade, pouca ventilação e iluminação natural, necessidade de manutenção em banheiros e alojamentos. A limpeza dos alojamentos/dormitórios é realizada pelos adolescentes, que utilizam cortinas feitas com lençóis nas portas, impedindo a visibilidade do que acontece nos alojamentos pelos profissionais. A unidade tem muros bem elevados, porém sem apoio de segurança externa ou guarita de observação, em razão de estar localizada numa área urbana, recebe um número significativo de arremessos diários, e segundo os profissionais os objetos são: drogas, celulares e artefatos que podem comprometer a segurança de toda a comunidade socioeducativa", diz trecho do relatório.

GAJOP/DIVULGAÇÃO
Situação precária na unidade da Funase de Garanhuns - GAJOP/DIVULGAÇÃO

O documento cita que no dia 30 de junho de 2021, um socioeducando foi eletrocutado dentro das dependências da unidade. "A partir daí uma série de crises tiveram que ser administradas e sem sucesso, com a situação sendo ainda mais agravada. O mês de agosto atingiu seu ápice de crise, com uma sequência inacreditável de fugas e mudança de direção da unidade no último dia 07/08, mesmo assim sem sucesso, porque a sequência de fugas continuou. Registra-se que ocorreram fugas nos dias 02/08, 04/08, 07/08, 10/08, 11/08 e 31/08, contabilizando cerca de 35 adolescentes que fugiram das dependências da unidade."

AGRESSÕES COM BARROTES

"Segundo relatos dos adolescentes e jovens internos, são constantemente agredidos de forma verbal e física por parte de alguns agentes socioeducativos da unidade, vários relataram que alguns agentes usam 'barrotes de quatro lados' para intimidar, ameaçando golpear. Informaram ainda que agentes já mostraram facas como forma de ameaçar, usam palavras de baixo escalão, insultando as mães dos mesmos", relata texto do Gajop.

Dois adolescentes com transtornos mentais graves também foram encontrados na unidade, apontou o relatório. 

Além de investigações da conduta dos agentes, a entidade solicitou à presidência da Funase providências para melhorar as condições dos adolescentes que vivem provisoriamente na unidade de Garanhuns.

O QUE DIZ A FUNASE

Procurada pela coluna Ronda JC, a assessoria da Funase enviou texto rebatendo as denúncias apresentadas pelo Gajop. Segue a resposta abaixo:

1 - visita da instituição ocorreu poucas horas depois de um tumulto registrado no Case/Cenip Garanhuns, momento em que ainda era dada assistência a adolescentes e profissionais feridos e em que o restabelecimento de paredes, grades e outras estruturas avariadas era iniciado. A visualização desse cenário não reflete o estado permanente da unidade e pode ter induzido os participantes da inspeção a fazerem avaliações superestimadas dos problemas estruturais e de eventuais condições insalubres.

2 - A reestruturação dos ambientes de convivência dos adolescentes está em andamento. Antes do evento de crise de 31 de agosto de 2021, esses espaços já haviam sido reformados. Agora, após as recentes avarias, estão ganhando intervenções de uma equipe de oito profissionais de manutenção. As ações incluem também a reposição de concertinas sobre os muros.

3 - O Case/Cenip Garanhuns foi instalado na década de 70 e, portanto, não poderia seguir padrões estruturais que só foram definidos em 2012 pela lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). A Funase licitou, no primeiro semestre de 2021, a elaboração de um novo projeto arquitetônico para readequar as instalações. O plano será entregue até outubro. A fase seguinte será a licitação das obras. Vale dizer que a unidade não está superlotada: tem 101 vagas para 65 socioeducandos. Também não há déficit de pessoal, conforme proporção estabelecida pelo Sinase.

4 - Nos últimos meses, a Corregedoria da Funase produziu relatórios que culminaram na demissão de, pelo menos, cinco profissionais envolvidos em agressões ou facilitação de fugas. Os casos foram remetidos pela instituição ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE). A Funase não tolera tais condutas e trabalha para combatê-las, com punições administrativas e capacitações. A instituição está convicta de que a nova gestão da unidade, iniciada em agosto, reforçará essa luta, apoiando os servidores que desenvolvem boas práticas.

5 - Em junho de 2021, foi registrado o óbito de um interno em virtude de descarga elétrica. A Funase manifesta consternação pelo ocorrido, prestou assistência à família da vítima e buscou dar respostas duras para o caso. Uma apuração interna identificou que o acidente aconteceu devido à manipulação indevida da rede elétrica dentro do alojamento. No início de agosto, os titulares da coordenação-geral e da coordenação operacional da unidade foram substituídos. O caso foi remetido à Polícia Civil e ao MPPE.

6 - O relatório do Gajop menciona a permanência de dois socioeducandos com transtornos mentais na unidade. Vale esclarecer que um deles já teve relatório técnico da Funase encaminhado ao Judiciário, instituição da qual depende uma eventual liberação do cumprimento da medida socioeducativa. O outro é recém-chegado à Funase e já tem estudo de caso em andamento.

7 - A unidade dispõe de uma enfermaria em seu interior, não sendo procedentes as queixas sobre falta de atendimento de saúde aos adolescentes. Em casos que demandam mais atenção, o encaminhamento de pacientes é feito ao Hospital Regional Dom Moura. A Funase tem um plano operativo assinado com o município, o que tem viabilizado ações de vacinação, encaminhamentos aos CAPS e outros atendimentos.

8 - Também não é procedente a informação de que não há acompanhamento da sede da Funase às situações ocorridas em Garanhuns. Na sua rápida visita, de poucos minutos, o Gajop não teve condições de se certificar disso. Em 31 de agosto, data do evento de crise mais recente, por exemplo, a Coordenadoria de Segurança da instituição esteve no local em articulação com a Polícia Militar. Desde julho, um pedido de reforço das rondas no entorno foi solicitado e vem sendo atendido. Além disso, há um plano de ação em andamento desde julho e que prevê cursos profissionalizantes e outras ações técnicas e administrativas no local.

9 - A Funase reconhece os transtornos vivenciados pelos socioeducandos, pelos servidores e pela população do entorno do Case/Cenip Garanhuns em decorrência dos eventos de crise que afetaram as instalações e a realização de seu projeto pedagógico, mas manifesta sua crença nos resultados que serão produzidos em curto prazo por meio das medidas que vem implantando.

 

 

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