Sob denúncias de tortura, Funase do Cabo de Santo Agostinho tem novo gestor
Entre as denúncias, há informações de que um garoto foi agredido, passou por cirurgia e teve o baço retirado
Em meio às investigações de denúncias de tortura de garotos que cumprem medidas socioeducativas, a unidade da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase) do Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife, está sob novo comando. A então gestora, Tatiane Morais, foi afastada temporariamente por determinação judicial. Quem assumiu, sem alarde, foi o coordenador da Central de Vagas da Funase, Ivan Serrano de Amorim.
A decisão do afastamento da então gestora foi tomada pela Vara Regional da Infância e Juventude do município a pedido do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que apura uma série de denúncias de tortura na unidade.
O caso foi denunciado na coluna Ronda JC, no início de março deste ano, a partir do acesso a um extenso relatório produzido pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), entidade ligada aos direitos humanos. Segundo o documento, os garotos eram obrigados a praticar agressões mútuas. Um deles, inclusive, em um dos atos de violência, chegou a perder o baço em dezembro do ano passado. Além disso, segundo o relatório, há conivência da direção.
O MPPE explicou que, diante dos episódios de violência "ajuizou uma ação civil pública com pedido de tutela de urgência para afastamento da atual diretora da unidade". Os casos de tortura seguem sob análise sigilosa da 1ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania do Cabo de Santo Agostinho.
A pedido do MPPE, a Polícia Civil de Pernambuco também instaurou inquérito para investigar as agressões na unidade. Em nota, a assessoria do órgão informou que as investigações ainda estão em andamento.
Em nota, a Funase informou que "está cumprindo decisão liminar referente ao afastamento provisório da gerente do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) Cabo de Santo Agostinho. A gestora já não exercia suas funções desde o começo de março, quando iniciou um período de férias. No momento, a unidade está sob responsabilidade temporária de um outro coordenador designado pela instituição".
AS DENÚNCIAS
De acordo com as informações apuradas pelo Gajop, a direção mantinha, em cada alojamento, “representantes” responsáveis pela liderança desses locais. Os próprios socioeducandos fazem esse papel. “São conhecidos por todos os adolescentes da unidade como sendo ‘o doido’ e o seu substituto ‘segunda voz’. (Eles) recebem toda cobertura institucional para definir regras próprias, punições, sanções e distribuição de tarefas, legitimando uma outra organização paralela de funcionamento, dentro da unidade. (...) E mais grave, a Diretora comunica antecipadamente quando da ocorrência de Revistas pela Polícia Militar dentro da unidade, possibilitando aos “doidos” se organizarem e definirem o que será encontrado ou não”, informa trecho do relatório, que está sendo apurado pelo MPPE.
O relatório denunciou ainda agressões sofridas pelos socioeducandos. “Em uma dessas situações, ocorrida em Dezembro/2020, um dos socioeducandos foi agredido tão violentamente, que ao ser emergenciado no Hospital Dom Helder, foi identificado lesão no baço, sendo inevitável a cirurgia para retirada do órgão. Ao ser socorrido o adolescente foi ameaçado a não contar o ocorrido, com medo de retaliação o adolescente informou que havia caído durante uma partida de futebol”, diz outro trecho.
No relatório, o Gajop destacou também que os adolescentes usam fios desencapados para cozinhar, o que, claro, gera risco de incêndios. “É comum alguns jovens utilizarem fios desencapados como um tipo de “resistência elétrica” para ferver água e cozinhar alimentos dentro dos alojamentos. Relatam que utilizam este método para poder completar a alimentação que, segundo os adolescentes é de baixa qualidade e pouca quantidade”.
Além do MPPE, o Comitê de Prevenção e Combate à Tortura recebeu o relatório para análise.