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120 armas vendidas a criminosos por policiais eram da Guarda Municipal de Ipojuca, no Grande Recife

Ausência de fiscalização adequada em órgão vinculado à Polícia Civil resultou no desvio de centenas de armas e milhares de munições

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Raphael Guerra

Publicado em 13/09/2021 às 6:30 | Atualizado em 27/09/2021 às 22:07
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A ausência de fiscalização adequada para evitar o desvio de armas de fogo da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), vinculada à Polícia Civil de Pernambuco, na área central do Recife, prejudicou também o trabalho da Guarda Municipal do município de Ipojuca, na Região Metropolitana. Das 326 armas desviadas da unidade policial (sumiço descoberto em janeiro deste ano), 120 pertenciam à corporação - como revelam documentos obtidos pela coluna Ronda JC. A pedido do secretário de Defesa Social do município, Osvaldo Morais, o armamento - composto por pistolas .40 de fabricação da marca Taurus - foi guardado na Core porque acreditava-se que seria mais seguro, enquanto os guardas de Ipojuca ainda não estivessem aptos a usá-lo.

A situação se torna ainda mais grave porque parte dessas pistolas que seriam usadas pela Guarda Municipal teria sido comprada justamente por uma perigosa facção que tem uma célula em Ipojuca e também atua em municípios vizinhos, praticando homicídios e tráfico de drogas - de acordo com as investigações.

As 120 pistolas haviam sido doadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), em maio de 2020, ao efetivo da Guarda Municipal de Ipojuca, que contava com pouco mais de 400 membros. Como explicou a prefeitura, na época, o armamento, que é o mesmo utilizado pela Polícia Militar, seria destinado ao reforço da segurança da população e do patrimônio - o que inclui também o monitoramento de famosas praias localizadas na cidade, como Porto de Galinhas e Muro Alto.

De acordo com a Prefeitura de Ipojuca, caso as armas fossem compradas pelo município, o custo das 120 unidades seria superior a R$ 500 mil. Interceptações telefônicas apontaram que algumas dessas armas, desviadas da Core, foram comercializadas para facções criminosas por valores que variavam de R$ 6,3 mil a 6,5 mil, cada uma.

Os guardas municipais de Ipojuca não chegaram a usar as armas. Somente em agosto de 2020, a gestão formalizou a solicitação de convênio com a Polícia Federal para treinamento e autorização do uso do armamento nas ruas, como determina a lei. Já em janeiro, descobriu-se que as pistolas haviam sido furtadas da Core. E o prejuízo só vem à tona oito meses depois.

A coluna entrou em contato com a assessoria de imprensa da Polícia Civil de Pernambuco para saber quais medidas de segurança foram adotadas após a descoberta do desvio de armas na Core. Por meio de nota, a assessoria informou apenas que “há informações que não podem ser repassadas por questão de segurança, como previsto por determinação da Secretaria de Defesa Social, no Termo de Classificação de Informações - número 5”.

DENÚNCIA NO MPPE

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Operação Reverso da Polícia civil no GOE. - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Até agora, 20 pessoas - incluindo cinco policiais civis (presos em agosto) - foram denunciadas pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) à Justiça por crimes como organização criminosa, comércio ilegal de armas de fogo, peculato, lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva.

COMO AGIRAM OS POLICIAIS, SEGUNDO INQUÉRITO

1 - José Maria Sampaio Filho (comissário da Polícia Civil)

Foi reconhecido por uma testemunha por ter, em três momentos, “repassado grande quantidade de munição comercializada, que se destinou a uma facção criminosa. Numa operação da polícia, em agosto, para cumprir mandados de prisão contra os investigados, o policial foi flagrado na posse irregular de uma arma de fogo calibre 9mm sem registro.

2 - Cleido Graf Gonçalves Torreiro (comissário da Polícia Civil)

Apontado pelos investigadores como “o grande mentor/articulador” de todo o esquema de desvio de armas, munições e acessórios. Detinha acesso irrestrito à armaria da Core. “Sem qualquer justificativa, frequentava aos sábados e domingos a armaria. Manipulava planilhas com a inserção e supressão de dados. Utilizava intermediários na comercialização”, pontuou relatório da Polícia Civil ao MPPE. Ainda teria adquirido casa de veraneio e automóvel em nomes das filhas.

3 - Josemar Alves dos Santos (comissário da Polícia Civil)

Investigação apontou que ele auxiliava Cleidio no desvio das armas, munições e acessórios, manipulando as informações em planilhas no setor administrativo.

4 - Edson Pereira da Silva (comissário da Polícia Civil)

Segundo as investigações, “faltou com dever funcional realizando pesquisas no sistema integrado da Polícia Civil para integrantes da organização criminosa, justamente de um desafeto que eles estavam procurando para matar”.

5 - Carlos Fernandes Nascimento (agente administrativo da Polícia Civil)

“Fez contatos, intermediou, despachou e arrecadou dinheiro da venda de munições, armas e carregadores desviados da Core”, descreve o inquérito. Ele faleceu 17 dias após ser preso.

DEFESA DOS RÉUS

O advogado Diego Roberto Albuquerque, responsável pela defesa de Cleido Graf, apontado como o suposto mentor do esquema, informou à coluna que o policial civil tem mais de 30 anos na corporação. E que a inocência dele será provada. “Ele tem 70 anos, tem comorbidade e está no Cotel. Nem a segunda dose da vacina contra a covid-19, tomou ainda. Entramos com liminar, que foi negada na Justiça. Agora, vamos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que ele responda ao processo em liberdade”, afirmou.

A advogada Aliadja Larissa Leão, responsável pela defesa de Carlos Fernandes Nascimento, pontuou que, no dia da prisão, em 12 de agosto, ele estava com o quadro de saúde delicado. Segundo ela, houve pedidos de prisão domiciliar, porém, após 17 dias no Cotel, ele faleceu. “Estou peticionando o pedido da extinção da punibilidade”, disse a defesa.

A coluna não conseguiu contato com as defesas dos outros acusados, mas o espaço segue aberto.

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