VIOLÊNCIA POLICIAL

'Essa pena é um escárnio', diz vereadora sobre punição de PM que a atingiu com spray de pimenta

Liana Cirne afirmou ainda que não reconhece o policial militar apontado pela investigação da SDS como o responsável pela agressão

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Raphael Guerra

Publicado em 11/05/2022 às 22:13
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Em uma longa nota divulgada à imprensa, na noite desta quarta-feira (11), a vereadora do Recife Liana Cirne (PT) comentou a punição estabelecida pela Secretaria de Defesa Social (SDS) ao policial militar que teria usado spray de pimenta para atingi-la no rosto. O caso aconteceu durante uma tentativa de negociação com PMs em meio a um protesto, no Recife, contra o governo Bolsonaro, em 29 de maio de 2021. Conforme publicado em primeira mão pela coluna Ronda JC, o soldado Lucas França da Silva foi punido com 21 dias de detenção.

"É com profunda indignação que recebo a notícia de que o suposto policial militar que teria me agredido com spray de pimenta teve determinada a detenção de meros 21 dias. A decisão causa firme repulsa: punição ou premiação?", questionou a vereadora. 

"Ao longo de mais de duas décadas como professora de direito, formei centenas de policiais. Vi bons e corretos policiais serem punidos por descumprirem comandos ilegais e abusivos. E hoje assisto à premiação daqueles que se afastam da lei e usam a farda que deveriam honrar como escudo para violências e abusos", pontuou. 

"A Corregedoria da Polícia Miliar e o secretário de Defesa Social não consideraram que o fato de um policial militar agredir uma pessoa com spray de pimenta, a poucos centímetros do seu rosto - no caso uma vereadora eleita pelo povo, que estava exercendo não apenas um direito legítimo, mas o dever de advertir sobre o caráter ilegal da perseguição contra manifestantes que tentavam se proteger do ataque com balas de borracha -, tem gravidade suficiente para causar exclusão da Corporação que desonrou. Para a Corregedoria e para o Secretário, 21 dias de detenção disciplinar militar são suficientes para punir alguém que tenha cometido uma conduta ilícita desse porte", disse a parlamentar. 

"NÃO RECONHEÇO"

"Há mais. Desde que prestei depoimento à Corregedoria, afirmei que não reconheço o policial apontado como o responsável por disparar spray de pimenta. No entanto, tal fato foi ignorado, e o soldado que assumiu a culpa foi o "punido". Nunca fui sequer informada dos passos do procedimento. Agora e por ocasião da reconstituição da agressão, só tomei conhecimento dos fatos pela imprensa", destacou Liana Cirne, ainda na nota à imprensa.

"Essa pena administrativa é um escárnio, um acinte a todos cidadãos pernambucanos. Sei muito bem que os policiais responsáveis pela ação criminosa em nada representam a grande maioria, composta por trabalhadores que enfrentam condições precárias para garantir a segurança da população. Essa decisão é uma desonra para todos os que seguem à risca a lei e a disciplina militar", completou. 

ENTENDA O CASO

A vereadora do Recife Liana Cirne foi atingida no rosto por spray de pimenta durante uma tentativa de negociação com policiais do Batalhão de Radiopatrulha, em meio a um protesto contra o governo Bolsonaro, na área central do Recife. Após quase um ano, a Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) concluiu o procedimento administrativo disciplinar que apurou o caso.

O episódio aconteceu em 29 de maio de 2021 e teve repercussão nacional por causa da ação violenta da PM contra os manifestantes e pessoas que passavam pelo local do protesto. Na ocasião, Liana se aproximou da viatura policial que estava na Ponte Princesa Isabel. Enquanto falava, a vereadora foi atingida pelo spray de pimenta e chegou a cair no chão. A viatura foi embora do local, sem prestar socorro.

"Chegou-se ao entendimento, de que o grau de reprovabilidade da conduta do Aconselhado, não teve força, nem repercussão suficiente para violar os preceitos da ética e os valores militares a ponto de justificar a sua exclusão a bem da disciplina", informa portaria assinada pelo secretário de Defesa Social, Humberto Freire.

Além da esfera administrativa, o caso também foi investigado pela Polícia Civil. O inquérito foi concluído há meses, mas não foi revelado pela SDS sob o argumento de que a investigação está sob segredo de justiça.

Outros dois procedimentos administrativos também foram concluídos e revelados nesta quarta-feira (11).

"Na portaria nº 2841, referente à apuração de uma denúncia de utilização de 'gás pimenta' contra manifestante na Avenida Conde da Boa Vista, decidiu-se pela absolvição do policial militar envolvido, por insuficiência de provas para individualizar a conduta do investigado. Já na portaria nº 2839, que trata de uma possível omissão de socorro, houve absolvição. Considerou-se que a equipe do policial investigado estava realizando a condução de um suspeito para a Central de Plantões da Capital, não tendo sido comprovada a omissão. Em todos os processos, as partes tiveram direito à ampla defesa e ao contraditório", informou a SDS à coluna Ronda JC.

Outros quatro procedimentos estão em andamento na Corregedoria da SDS. Não foi dado prazo para a conclusão e publicação de possíveis penalidades aos policiais.

Ao todo, 16 policiais (três oficiais e 13 praças) foram identificados e afastados das atividades nas ruas no começo de junho do ano passado. A SDS não informou quantos deles já voltaram às atividades.

INDICIAMENTOS

HUGO MUNIZ/DIVULGAÇÃO
INQUÉRITO Daniel Campelo também ficou cego. Caso segue em apuração - HUGO MUNIZ/DIVULGAÇÃO

Em abril deste ano, a Polícia Civil de Pernambuco confirmou que indiciou criminalmente o policial militar do Batalhão de Choque que atirou no adesivador Daniel Campelo da Silva, de 51 anos. A vítima passava pela Ponte Duarte Coelho, durante o protesto, quando foi atingida no olho esquerdo e perdeu a visão.

A Polícia Civil informou que o PM foi indiciado pelos crimes de lesão corporal gravíssima e por omissão de socorro. Além disso, outros oito policiais do Batalhão de Radiopatrulha também foram indiciados por omissão de socorro.

Os indiciamentos dos outros PMs ocorreram porque, após ser atingido pelo tiro de bala de elastômero (borracha), Daniel Campelo chegou a pedir ajuda. Mas, como mostraram imagens gravadas, os policiais que estavam na ocorrência não prestaram assistência à vítima. Os nomes dos policiais não foram divulgados pela Polícia Civil.

Em caso de condenação, a pena para o crime de omissão de socorro é de um a seis meses de detenção, que pode ser convertida em multa arbitrada pela Justiça. Já para o crime de lesão corporal gravíssima, a pena pode chegar a oito anos de prisão.

Além de Daniel Campelo, que só passava perto do protesto, o arrumador de contêineres Jonas Correia de França, de 29 anos, foi atingido na Ponte Princesa Isabel.

O terceiro sargento do Batalhão de Choque Reinaldo Belmiro Lins, acusado de disparar o tiro de elastômero, foi indiciado e, atualmente, responde na Justiça pelo crime de lesão corporal grave, com o agravante de o crime ter sido cometido por um militar.

A pena, em caso de condenação, pode chegar a cinco anos de prisão. O processo ainda está em fase de audiências de instrução e julgamento para ouvida de testemunhas.

QUEM DEU A ORDEM PARA ATIRAR?

Três dias após a ação desastrosa da PM, o então comandante geral da corporação, Vanildo Maranhão, foi exonerado. No seu lugar, ficou o coronel José Roberto Santana. A saída de Maranhão se deu em meio aos depoimentos que apontaram ele como o responsável por dar a ordem de ação dos policiais contra os manifestantes, mesmo com o ato ocorrendo de forma pacífica, conforme documento revelado em primeira mão pela coluna Ronda JC.

Vanildo nunca veio a público dar sua versão sobre o caso. Ele foi transferido para a reserva remunerada.

Dias depois, o delegado federal Antônio de Pádua, até então secretário estadual de Defesa Social, também foi exonerado do cargo. Humberto Freire, até então secretário adjunto, assumiu a titularidade da pasta.

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