Documento revela quem teria dado ordem para dispersar protesto contra Bolsonaro no Recife; confira os detalhes
Comunicação interna descreve, em detalhes, a sucessão de fatos no dia do ato, há uma semana
Reportagem em parceria com Samara Loppes, da TV Jornal
Um documento de comunicação interna da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) descreve, em detalhes, quem deu as ordens e como foi a sequência de ações do Batalhão de Choque contra os manifestantes no ato que fazia críticas ao governo Bolsonaro, na área central do Recife, no último dia 29 de maio. A coluna Ronda JC teve acesso ao documento, que foi destinado ao subcomandante do Batalhão de Choque, major Valdênio Corrêa Gondim Silva. Trata-se de uma das principais provas para a Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS) decifrar, de vez, quem foram os culpados pela ação desastrosa da PM, que acabou deixando dois trabalhadores cegos de um dos olhos. E o que se percebe, logo de início, é que há muitos nomes envolvidos.
O documento, assinado por um oficial da PM, cuja identidade está sendo preservada, descreve que, às 10h20, uma ligação telefônica do comandante do Batalhão de Choque, tenente coronel Bruno Alves Benvindo, informou que, por determinação do coronel Lopes, diretor adjunto da Diresp (Diretoria Integrada Especializada da PM), "os pelotões Alfa e Bravo deveriam ficar a postos para acionamento, pois havia a determinação do comandante-geral da PMPE (Vanildo Maranhão) para fazer deslocamento para a Praça do Derby, entrar em contato com o comandante do policiamento local e realizar a dispersão de uma manifestação de militantes com aproximadamente 300 pessoas, que estavam em flagrante descumprimento ao decreto estadual sobre a covid-19".
O comunicado interno diz que a tropa seguiu até o local. "Ao chegar com a tropa de Choque na praça do Derby, entrei em contato com o major PM Monteiro (o cargo dele não foi descrito), via telefone, onde fui informado por ele que a determinação do comando geral da PMPE era para fazer a dispersão da manifestação", diz outro trecho.
Como parte da manifestação já seguia a caminho da Avenida Conde da Boa Vista, por volta das 10h50, outra ligação do comandante do Batalhão de Choque informou que, a pedido do diretor adjunto da Diresp, os pelotões deveriam se deslocar para a Praça do Diário.
Às 11h10, já no local determinado, a tropa foi posta na Avenida Guararapes.
"Por volta das 11h30, o capitão PM Máximo (oficial de supervisão) chegou ao local e incorporou na Tropa de Choque. Neste momento, recebi uma ligação do major Feitosa, coordenador do Copom (Centro de Operações da PM), me informando que a determinação do comandante geral da PMPE era para que: se os manifestantes avançassem em direção à Praça do Diário, era para a Tropa de Choque realizar a dispersão via CDC, usando os meios dispostos."
O documento segue relatando que os manifestantes chegaram ao local e alguns teriam hostilizado os policiais, chamando-os de "merda" e "fascistas". Dois manifestantes que não acataram a ordem teriam sido detidos. E, segundo relato no documento, alguns jogaram pedras na tropa.
"Diante disto, como já havia a ordem de dispersão por parte do comando geral da PMPE e a Tropa de Choque já estava hostilizada e sofrendo agressões injustificadas, iniciou-se o processo de dispersão (...) com utilização dos materiais de menor potencial ofensivo e com técnicas e táticas de controle de distúrbios civis (CDC)", relata a comunicação interna.
O documento reforça, ao final, outra ligação do coordenador do Copom informando que a ordem do comandante geral da PMPE era dispersar todos os manifestantes. E assim a tropa seguiu avançando até a Rua da Aurora.
Importante destacar, a partir desse relato, que o então comandante geral da PM, Vanildo Maranhão, exonerado três dias após a ação desastrosa, nunca se pronunciou à sociedade sobre o assunto. Oficialmente, o governo estadual disse que ele pediu a exoneração, que foi aceita pelo governador Paulo Câmara.
Outro detalhe apurado pela coluna: o comandante geral da PM não esteve no Centro Integrado de Comando e Controle Regional (CICCR), no sábado passado, acompanhando as câmeras da cidade em tempo real. Mas estavam lá o então secretário de Defesa Social de Pernambuco, Antônio de Pádua (exonerado nessa sexta-feira), e o agora titular da pasta, Humberto Freire. Além deles, diretores da PMPE.
Com a identificação do comandante geral da PM, fica clara a importância do depoimento dele à Corregedoria da SDS para esclarecer os fatos. E informar, inclusive, se ele deu a ordem atendendo a um pedido superior.
Por causa da ação desastrosa da PM, que repercutiu pelo País, o governador Paulo Câmara determinou a investigação do caso e afastamento dos policiais militares envolvidos. Até sexta-feira (04), oficialmente, oito PMs foram afastados - entre eles o responsável por comandar a operação na rua. O PM do Batalhão de Choque que atirou no olho do arrumador de contêiner Jonas Correia de França, 29, também foi identificado e afastado das ruas. Já o PM que fez o mesmo com o adesivador Daniel Campelo da Silva, 51, segue sem identificação. A SDS também não revela os nomes dos militares afastados.
QUEDA DO SECRETÁRIO
Nessa sexta-feira, o delegado federal Antônio de Pádua também entregou o cargo e não é mais o secretário de Defesa Social. O governo de Pernambuco confirmou a exoneração. Pádua está no centro da investigação que busca esclarecer quem deu a ordem para que os policiais militares avançassem e atirassem contra os manifestantes. Pádua nega que tenha dado a ordem e diz também não saber quem foi o responsável. No lugar dele, assume interinamente o também delegado federal Humberto Freire, até então secretário executivo da pasta.
"Os fatos ocorridos foram graves e precisam ser investigados de forma ampla e irrestrita. Minha formação profissional e humanística repudia, de forma veemente, a maneira como aquela ação foi executada. Seis dias depois do episódio, com um novo comandante à frente da PM, com os procedimentos investigatórios instaurados e após prestar contas à Assembleia Legislativa, à OAB e ao Ministério Público, entreguei meu cargo com a certeza do dever cumprido e mantendo nosso compromisso com a transparência e o devido processo legal", afirmou, em nota oficial, Pádua.
Dois dias antes do protesto, o promotor de Justiça Westei Conde chegou a recomendar ao ex-secretário que alertasse a tropa para que fossem evitados excessos praticados pela PM. Em entrevista, na última quinta-feira, Pádua disse ter se colocado à disposição da Corregedoria da SDS para prestar esclarecimentos sobre o ocorrido no último sábado. Mas pontou que assim que soube da ação policial ordenou que fosse interrompida.
Pádua assumiu a SDS em 1º de julho de 2017, após a saída do delegado federal aposentado Angelo Gioia. Na época, exercia o cargo de corregedor geral da SDS. Naquele ano, Pernambuco registrou 5.427 homicídios - maior número da história do Pacto pela Vida. Nos dois anos seguintes, houve redução da violência letal. Mas, em 2020, o ano fechou com 3.759 assassinatos - aumento de 8,4% em relação a 2019.
NOVO SECRETÁRIO
O delegado federal Humberto Freire, secretário executivo de Defesa Social desde julho de 2017, assume a titularidade da pasta. Mas de forma interina, como destacou o governo estadual. Ontem, também tomou posse o novo comandante geral da Polícia Militar de Pernambuco, José Roberto de Santana. O coronel substituiu Vanildo Maranhão, exonerado na terça-feira.
Freire já atuou como chefe de vários departamentos da Polícia Federal em Pernambuco e no Amapá. Em 2013, ele chegou a ser cedido ao Ministério da Justiça para exercer o cargo de coordenador de Execução Operacional da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos.
Como delegado de Polícia Federal, exerceu as funções de chefe da Delegacia de Controle de Segurança Privada na Superintendência da Polícia Federal no Amapá e chefe substituto na Delegacia de Polícia Federal em Imperatriz (MA). Em 2004, veio para a Superintendência da Polícia Federal em Pernambuco, onde chefiou a Delegacia de Repressão a Entorpecentes, a Delegacia de Repressão aos Crimes Contra o Patrimônio, a Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários, a Coordenação Regional de Segurança de Grandes Eventos e a Representação Regional da Interpol.
POLÍCIA MILITAR
José Roberto de Santana tomou posse nessa sexta-feira. Até então, exercia o cargo de diretor de Planejamento Operacional da corporação. O coronel tem 31 anos de serviço à polícia.
"Ao povo pernambucano eu asseguro que a Polícia Militar continuará sendo a instituição confiável que sempre foi. A Polícia Militar continuará sendo dura contra o crime e amiga do povo pernambucano, esse é o nosso compromisso", declarou no discurso de posse. Não foi permitida a presença da imprensa, sob o argumento da pandemia do novo coronavírus.
O subcomandante da PM, André Cavalcante, também foi substituído. No lugar dele, assumiu o coronel Aníbal Rodrigues Lima. Até então, ele era corregedor adjunto da Corregedoria da SDS. Ele tem 30 anos de efetivo serviço.