Ninguém estava preparado para enfrentar a pandemia de covid-19, que nos fez sentir como se estivéssemos em meio a um tsunami, em vários momentos, ao longo destes quase sete meses de confirmação dos primeiros casos da doença em Pernambuco. Os meses iniciais realmente pareceram um maremoto - que, de tão intenso, deixou marcas. E apesar de sentirmos agora uma sensação de calmaria, com a estabilização da curva epidêmica no Estado, não estamos livres de novos tremores, chamados de ondas, se formos usar a linguagem da pandemia. Ainda assim, o governo do Estado anunciou que prevê a consolidação do nosso "novo normal" daqui a 45 dias (9 de novembro), quando as autoridades presumem que todo o território pernambucano terá condições de retomar as atividades corriqueiras, como na era pré-covid, mas de forma muito diferente de como era antes. A questão é que, diante de tantas incertezas trazidas por essa guerra viral imposta pela covid-19, difícil é saber se teremos mesmo um panorama sanitário favorável a uma reabertura total em pouco mais de um mês.
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"O Comitê de Enfrentamento à Covid-19 decidiu anunciar as datas previstas para as próximas etapas, e o critério foi avançar a cada 15 dias, respeitando o histórico de evolução de cada Geres (Regional de Saúde, que congrega municípios) dentro do plano de convivência. Se análises dos dados semanais permitirem esses avanços, teremos algumas Geres entrando na fase 1 a partir de 26 de outubro. E devemos ter todo o Estado nessa fase em 9 de novembro", informou na quarta-feira (23), em entrevista coletiva online, o secretário Estadual de Desenvolvimento Econômico, Bruno Schwambach. "É a etapa 11, a última, chamada de 'novo normal', em que teremos todas as atividades econômicas permitidas a voltar a funcionar." Até lá, serão criados novos protocolos para autorizar a reabertura do serviço público (100% da capacidade), salões de beleza, comércio varejista, serviços médicos, odontológicos, veterinários; serviços de alimentação; feira e polo de confecção; shoppings, centros comerciais e praças de alimentação; museus, cinemas e parques de diversão, como também locais para prática esportiva.
"É muito importante frisar que essa previsão para o 'novo normal' não significa acabar com a pandemia. É uma fase em que teremos flexibilização para que as pessoas voltem às suas atividades com precaução. Não acredito que essa previsão do Estado, com anúncio das datas, tenha sido anunciada de forma precoce. Tudo está sendo estudado com muita cautela", diz a médica infectologista Sylvia Hinricsen, professora titular de Medicina Tropical da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ela destaca que, apesar de estimar uma data para o 'novo normal', o governo deve estar ciente de que é preciso monitorar os indicadores, a cada semana, para avaliar as condições de avanço das etapas de flexibilização. "Se a taxa de transmissão aumentar, as medidas restritivas devem ser retomadas. É isso que tem acontecido em países como a França. Ou seja, o reconfinamento não pode ser descartado. Precisamos observar se, em outras localidades, essas novas ondas geram casos mais graves ou não. Há muitas coisas da qual ainda não sabemos", esclarece Sylvia, que é membro da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Pela pronunciamento de Bruno Schwambach durante a coletiva de imprensa, o governo está ciente de que a previsão para o 'novo normal' pode não ser cumprida, se for necessário dar passos atrás. "Enquanto não tivermos uma vacina ou medicamento eficazes, deveremos aprender a conviver com o novo coronavírus, sempre obedecendo os protocolos de funcionamento nos seus eixos: higiene, distanciamento social, comunicação e monitoramento. Continuaremos a dialoigar com todos os setores produtivos, fazendo ajustes pontuais necessários e possíveis para cada segmento."
Alerta
Para a médica sanitarista Bernadete Perez Coelho, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Pernambuco ainda não tem indicadores que sustentem uma previsão para a nova normalidade, mesmo se seguidos todos os protocolos setoriais. "O Estado não está pronto para essa fase. Ainda existe a insegurança sanitária, por ocasião da pandemia de covid-19. O nosso platô do novo coronavírus ainda é alto: são 30 novos casos e uma morte a cada hora", frisa Bernadete, que é professora da Faculdade de Medicina da UFPE. Ela ressalta que Pernambuco não tem queda na transmissão comunitária do vírus.
"Precisaria ter menos de um caso novo por dia para cada 100 mil habitantes. Além disso, não temos a taxa de contágio desejada, que é de 0.5 (atualmente Pernambuco está em 0.9, segundo grupos de pesquisa)". Ela ainda reforça que a taxa de positividade em testes para covid-19 ainda está muito alta no Estado. "Esse índice deve ser menor do que 5%", diz a sanitarista, em referência ao que preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Segundo a entidade, para a epidemia estar sob controle, uma região deve realizar um alto número de testes e conseguir alcançar uma taxa de positividade de cerca de 5%, mantendo-a por, ao menos, duas semanas. Em Pernambuco, esse índice está em aproximadamente 14%, segundo informações que tem sido divulgadas em coletivas de imprensa pelo governo estadual.
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