IMUNIZAÇÃO

Desinformação e estoque baixo atrapalham vacinação de crianças contra covid-19 no Brasil

Até a última segunda-feira (31), cerca de 1,9 milhão de crianças tinham sido vacinadas no Brasil, o que equivale a apenas 10% do público-alvo.

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Estadão Conteúdo

Publicado em 04/02/2022 às 17:17 | Atualizado em 05/02/2022 às 0:10
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A aplicação de vacinas contra a covid-19 em crianças de 5 a 11 anos avança em ritmo lento no Brasil. Desinformação, planejamento ruim e escassez de imunizantes dificultam o avanço da campanha, iniciada só um mês depois da aprovação das autoridades sanitárias. Levantamento feito pelo Estadão junto aos governos estaduais mostra que, até a última segunda-feira (31), cerca de 1,9 milhão de crianças tinham sido vacinadas no Brasil - o que equivale a 10% do público-alvo.

Em Pernambuco, desde o dia 14 de janeiro, 99.860 meninos e meninas receberam a primeira dose de vacina contra a doença. Isso corresponde a apenas 8,4% da população estimada desse grupo, formado por 1.182.444 de crianças. No Estado, o problema pode ser explicado por falta de estratégias para alcançar as famílias e pelas polêmicas e fake news que infelizmente se disseminaram ao longo de toda a pandemia.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse em mais de uma oportunidade que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem capacidade para vacinar 2,4 milhões de pessoas por dia. Há salas e profissionais suficientes para isso e o número já foi batido diversas vezes durante a campanha de imunização contra a covid-19. Considerando que o Brasil vem aplicando metade disso, cerca de 1,2 milhão de doses por dia, há espaço para vacinar mais de um milhão de crianças diariamente.

No entanto, a média dessas primeiras duas semanas de campanha é de 130 mil vacinas aplicadas por dia no público infantil. Os números foram informados pelos Estados - pode haver defasagem por causa da demora entre a aplicação da vacina e o registro no sistema.

A falta de vacinas é um dos principais motivos para a lentidão na campanha - até a última terça-feira, o governo federal tinha distribuído 8 milhões de doses para imunizar as 20 milhões de crianças brasileiras. Esse foi o fator que fez a campanha infantil começar atrasada no País: as primeiras doses só chegaram na maioria das cidades em 17 de janeiro, um mês após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar o uso da vacina pediátrica da Pfizer.

O contrato do governo com a farmacêutica americana, assinado no fim de novembro, prevê a entrega de 20 milhões de doses da vacina entre os meses de janeiro e março. Isso é suficiente para aplicar as duas doses em apenas metade do público-alvo. No cenário de falta de imunizantes, algumas cidades têm adotado critérios específicos e priorizado crianças mais velhas ou com comorbidades.

Já a Coronavac, vacina contra a covid fabricada no Brasil pelo Instituto Butantan, foi aprovada pela Anvisa para uso em crianças de seis a 11 anos em 20 de janeiro. Isso não transformou o cenário nos Estados, já que a maioria tem baixo estoque do imunizante. As exceções são o Distrito Federal e São Paulo, locais onde há doses suficientes para vacinar todo o público infantil - e que lideram o ranking. O Ministério da Saúde afirmou ter seis milhões de doses em estoque e estima haver mais três milhões com os Estados. Se as projeções estiverem corretas, o total é suficiente para imunizar cerca de 4,5 milhões de crianças. Outras 5,5 milhões ainda não têm vacina garantida.

Nesta semana, o Ministério da Saúde consultou o Butantan sobre a possibilidade de encomendar mais dez milhões de doses da vacina. O instituto diz ter o quantitativo à pronta entrega e afirmou que pode fornecer outras 20 milhões de doses em um prazo de até 25 dias após a assinatura do contrato. O último contrato entre as duas partes encerrou em setembro e não foi renovado pela gestão Bolsonaro. A última grande remessa de Coronavac foi enviada aos Estados e ao Distrito Federal em 16 de setembro.

Além da falta de doses, que já paralisou a vacinação em cidades como o Rio de Janeiro, a desinformação trava a campanha de imunização infantil. A divulgadora científica Ana Arnt, professora do instituto de biologia da Unicamp e coordenadora do Blog de Ciência da universidade, acompanha a disseminação de informações falsas nas redes sociais e diz que a situação tem piorado. "A quantidade de informações erradas e a crueldade delas (fake news) estão muito maiores do que no ano passado", afirma.

Ela diz que a desinformação gerada pelos movimentos antivacina estão muito mais sofisticadas e as reações adversas - raríssimas - são um dos principais focos. Se no ano passado notícias falsas diziam que o imunizante injetaria um chip em você, hoje elas falam que a vacina pode causar miocardite ou mal súbito nas crianças. "O movimento antivacina se alimenta dessa hesitação com crianças desde os anos 2000", afirma.

Arnt também culpa o governo federal pela baixa adesão à campanha de vacinação. Ela afirma que as propagandas do Ministério da Saúde direcionadas ao público infantil colocam um "ponto de interrogação" e "incentivam a hesitação vacinal". As publicações da pasta nas redes sociais dizem que a vacinação de crianças "é uma escolha dos pais e responsáveis" e precisa de autorização.

O órgão não incentiva a vacinação das crianças de maneira direta em seus canais. "É o que a gente chama de incentivar a hesitação vacinal, o que é muito sério e inédito em nosso País", diz a professora.

O médico Guilherme Werneck, doutor em Saúde Pública e Epidemiologia pela Universidade de Harvard (EUA), afirma que tanto a Coronavac quanto a Pfizer foram aplicadas em milhões de crianças de vários países e os efeitos colaterais são raríssimos "O risco que a criança tem de desenvolver um problema pela vacinação é ínfimo em relação ao risco de ser hospitalizada pela covid. O custo benefício é excelente. Não tem nenhum motivo para não vacinar as crianças", diz.

Últimas a serem incluídas no plano de vacinação, as internações e mortes de crianças de cinco a 11 anos vêm crescendo no Brasil. Entre adolescentes e adultos, esses índices estão em queda. Desde o início da pandemia, mais de 11 mil crianças de cinco a 11 anos já foram internadas em razão da covid. O País já soma 591 mortes pela doença nessa faixa etária.

O índice de mortes por covid-19 entre crianças é baixo se comparado ao observado em adultos, mas Werneck ressalta que isso é esperado. "Morrem sempre menos crianças do que adultos. Criança é para estar viva mesmo", pondera.

O epidemiologista critica a desorganização do governo federal em relação à vacinação infantil e diz que estamos tendo problemas parecidos com aqueles enfrentados no início da campanha de imunização, em janeiro de 2021, como falta de preparo e até de vacinas. "Isso reflete o desmantelamento do Programa Nacional de Imunizações (PNI)", afirma.

O PNI teve a nova coordenadora - Samara Carneiro - nomeada após seis meses com o cargo vago. Procurado, o ministério não comentou as críticas sobre a falta de incentivo ou a compra de imunizantes.

PAÍSES VIZINHOS

Em comparação aos países vizinhos que aprovaram o uso de vacinas infantis, o Brasil está atrasado. Até a última sexta-feira, o Chile já tinha vacinado 76,9% das crianças de três a 11 anos. Foram justamente os dados da vacinação no país andino, onde a aplicação da Coronavac em crianças começou em setembro, que embasaram a decisão da Anvisa para liberar o produto na faixa entre cinco e 11 anos no Brasil. Os estudos mostraram a eficácia e a segurança da vacina na campanha chilena.

Na Argentina, 72,3% da população entre cinco e 11 anos de idade tomaram a primeira dose. Uruguai e Colômbia também vacinaram mais que o Brasil.

DIFICULDADES

Em Roraima, menos de 2% das crianças foram vacinadas. A falta de vacinas não é exatamente um problema por lá: há cem mil doses de Coronavac em estoque, o suficiente para começar o esquema vacinal de todas as crianças de seis a 11 anos. O que trava a campanha são as informações falsas, segundo as autoridades. "Tem muita desinformação envolvendo a vacinação infantil. Até os pais que tomaram as três doses estão com medo de vacinar seus filhos", conta Valdirene Oliveira, coordenadora geral de Vigilância em Saúde do Estado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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