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Fiocruz avalia excesso de suicídios no Brasil na primeira onda de covid-19

Estudo também alerta para a possibilidade de efeitos indiretos ainda mais fortes sobre os suicídios a partir de 2021, uma vez que o impacto direto pandêmico (mortes por covid-19) foi ainda mais severo naquele ano

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Cinthya Leite

Publicado em 21/04/2022 às 13:54 | Atualizado em 21/04/2022 às 13:57
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Da Fiocruz Amazônia

Estudo inédito, realizado pela Fiocruz, avaliou o comportamento do suicídio no Brasil em 2020. O epidemiologista Jesem Orellana, do Instituto Leônidas & Maria Deane (Fiocruz Amazônia), e o médico psiquiatra Maximiliano Ponte, da Fiocruz Ceará, mostraram parte dos efeitos indiretos associados à primeira onda da pandemia de covid-19 sobre as mortes por suicídio, com aumento significativo nas regiões Norte e Nordeste, socioeconomicamente mais vulneráveis.

Os resultados apontam que, em homens com 60 anos e mais da região Norte, o excesso de suicídios alcançou 26%. Além disso, nas mulheres de 30 a 59 anos da região Norte, durante dois bimestres consecutivos, também houve o excesso de suicídios. O padrão também foi observado nas mulheres com 60 anos ou mais do Nordeste, com excesso de suicídios de 40%. 

O estudo utilizou dados oficiais de mortalidade do Ministério da Saúde do Brasil. O objetivo da pesquisa foi estimar o excesso de suicídios no Brasil e avaliar padrões dentro e entre as regiões do País. A pandemia de covid-19 já resultou em mais de 6 milhões de mortes diretas em todo o mundo e outras centenas de milhares de mortes indiretas, como o suicídio.

Os autores salientam que países de baixa e média renda como o Brasil, foram severamente atingidos, não só pelos efeitos diretos sobre a mortalidade, mas também por seus efeitos indiretos em outras causas de morte.

No artigo intitulado Excess suicides in Brazil: inequalities according age groups and regions durinf the covid-19 pandemic (Excesso de suicídios no Brasil: desigualdades segundo faixas etárias e regiões durante a pandemia de covid-19), os dois cientistas explicam essa relação e apresentam os resultados inéditos do estudo.

A conclusão foi de que, apesar da diminuição geral (13%) na taxa de suicídios no Brasil no período avaliado, houve um excesso substancial de suicídios em diferentes faixas etárias e sexos das regiões Norte e Nordeste do País.

O trabalho foi aceito para publicação no International Journal of Social Psychiatry, tradicional periódico que abrange pesquisas no campo da psiquiatria social.

Suicídio: um problema de saúde pública 

Jesem Orellana salienta que o suicídio é um problema de saúde pública mundialmente disseminado e que figura como importante causa de morte prematura, especialmente na América Latina. “Por isso, é fundamental conhecer a sua magnitude, distribuição e possíveis razões, visando a sua prevenção”, explica, acrescentando que sua ocorrência pode variar amplamente, dependendo da dinâmica social, econômica, sanitária e de coesão social, especialmente em momentos de forte instabilidade como em guerras ou pandemias.

“Elevadas taxas de suicídios têm sido associadas a fatores biológicos como sexo ou idade, bem como a fatores sociais e transtornos mentais, especialmente ansiedade e depressão”, cita.

Os efeitos da pandemia de covid-19 sobre o suicídio no Brasil podem ser observados a partir de sua ocorrência em excesso nas regiões Norte e Nordeste, contrariando o padrão geral de queda, quando se considera a população como um todo.

“Embora na fase inicial da pandemia, especialistas e cientistas renomados tenham predito forte aumento mundial no número de suicídios devido à grave crise sanitária, de forma geral, houve decréscimo de 13% nos suicídios na população geral do Brasil e entre março e dezembro de 2020. No entanto, em determinadas circunstâncias, observaram-se aumentos”, avalia Orellana.

“Nosso trabalho evidencia a importância de tratar o suicídio para além de um problema de saúde individual, pois trata-se de uma questão com profunda relação com as desigualdades econômicas e de acessos aos serviços sociais e de saúde pública”, explica Maximiliano Ponte.

Idosos

Segundo ele, no caso do estudo, isso ficou evidenciado na medida que os idosos das regiões Norte e Nordeste foram os mais vulneráveis ao excesso de suicídios. “Essas questões têm que ser sempre levantadas em estudos sobre suicídio, particularmente em países em desenvolvimento com grandes desigualdades regionais e econômicas como o Brasil”, afirma.

O psiquiatra comenta que os idosos carregam o duplo fardo de lidarem com fatores de risco tanto em relação à covid-19 quanto à mortalidade por suicídio. “Nessa faixa etária, incidem de forma simultânea dois problemas que acabam atuando conjuntamente: maiores riscos para o suicídio e os maiores riscos para a covid-19, fatores que se retroalimentam”, defende Ponte, lembrando que o Norte e Nordeste tiveram alta mortalidade por covid-19 durante a pandemia, a exemplo do caos vivido em Manaus com a falta de oxigênio.

Para Orellana, os resultados apontam para a necessidade de entendermos a atual crise sanitária de forma mais ampla ou como um fenômeno decorrente da interação entre a covid-19 e os demais desafios sanitários existentes, tal qual uma sindemia, em que a pandemia de covid-19 interage com desafios sanitários conhecidos ou ainda com a deterioração de questões ambientais e socioeconômicas.

“Nosso estudo também alerta para a possibilidade de efeitos indiretos ainda mais fortes sobre os suicídios a partir de 2021, uma vez que o impacto direto pandêmico (mortes por covid-19) foi ainda mais severo em 2021”, justifica.

Orellana destaca ainda: “Além de ter capturado parte dos efeitos indiretos da pandemia de covid-19, em diferentes momentos de 2020, em regiões mais vulneráveis e em certos grupos de idade e sexos, o estudo pode contribuir não apenas ao planejamento de ações voltadas para mitigar os efeitos pandêmicos, mas também para a melhoria dos sistemas de informação sobre mortalidade em regiões vulneráveis e que gerenciaram pobremente a epidemia”.

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