COLUNA JC SAÚDE E BEM-ESTAR

Nos hospitais públicos de Pernambuco, o cenário é de descaso, corredores superlotados, macas no chão, famílias e pacientes angustiados

Crise sanitária decorrente da pandemia de covid-19 agravou problemas da saúde pública que já são de muitos anos, de responsabilidade de muitos e sucessivos governos

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Cinthya Leite

Publicado em 30/04/2022 às 8:04 | Atualizado em 02/05/2022 às 17:56
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Entra ano e sai ano, entram e saem governantes, mas nada muda. Lamentavelmente a gente já mostrou os fatos e já contou as mesmas histórias milhares de vezes. E o enredo se repete mais uma vez: os hospitais públicos estão degradados e superlotados, com piso arrancado e tetos infiltrados.

filas de espera que parecem ser intermináveis para realização de cirurgias e, em muitos casos, famílias não conseguem informações sobre o quadro de parentes internados.

Na manhã da última terça-feira (26), por exemplo, o relato de familiares, em frente ao Hospital da Restauração (HR), no Derby, área central do Recife, era de que estava desaparecido um dos pacientes, que havia sido transferido de Surubim (Agreste de Pernambuco) para a unidade de saúde, no domingo (24), após sofrer um sinistro de trânsito com moto.

"Perderam meu irmão. Já rodei o hospital todo, falei com assistente social, e nada de encontrá-lo. Estou sem notícias. Só Deus sabe onde jogaram ele", contou Givanilda Cunha da Silva, 27 anos, que está desempregada.

Depois de passar por muita angústia, ela descobriu que o irmão estava no bloco cirúrgico. "Teve que operar porque a bacia deslocou. Só tiveram paciência para procurar meu irmão porque viram vocês, repórteres. Depois que vocês chegaram, rapidinho encontraram", disse ao JC. Na sexta-feira (29), o irmão de Givanilda já estava com programação de alta hospitalar. "Mas ele sofreu muito."

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No Hospital da Restauração, famílias de todas as regiões do Estado aguardam notícias de parentes internados - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Inaugurado há 52 anos, o HR recebe pessoas de todo o Estado de Pernambuco. É a maior emergência pública do Norte e Nordeste do Brasil, além de ser referência no atendimento de casos de queimaduras graves, intoxicação, agressões, acidentes de trânsito e neurocirurgia. Mas infelizmente, além do descaso, os pacientes e acompanhantes relatam superlotação, demora no atendimento e na realização de exames no HR

"Meu irmão está com um tumor na nuca muito profundo. Espera fazer uma biópsia há muito tempo, mas a informação que temos é que tem uma máquina quebrada. Ele está internado faz 50 dias. Só faz piorar. Não anda mais nem movimenta", relata a agricultora Ana Cláudia da Silva, 38 anos, moradora de Barra da Guabiraba, município do Agreste de Pernambuco.

Na última terça-feira (26), após acompanhar o irmão por quase dois meses no hospital e presenciar a precariedade do hospital, ela voltou para casa e foi substituída pela irmã. "Lá dentro (do hospital) está muito ruim. O atendimento merecia melhorar muito."

A dona de casa Santina da Conceição, 67 anos, veio de Cachoeirinha, no Agreste do Estado, onde mora, para ter notícias do irmão, que teve um acidente vascular cerebral (AVC). "Saí de casa às 2h da manhã. Da última vez que vim, na semana passada, encontrei meu irmão descoberto, gelado de tanto frio. Queria deixar um cobertor para ele, mas não permitiram. E ele estava de fralda com muito xixi. Não sei como cuidam", lamentou Santina. 

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Crise sanitária decorrente da pandemia de covid-19 agravou problemas da saúde pública que já são de muitos anos, de responsabilidade de muitos e sucessivos governos - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Insegurança no Hospital da Restauração 

Outro ponto preocupante é que o HR tem vivenciado ainda dias de insegurança. Recentemente funcionários têm denunciado roubos dentro da unidade. Há pouco mais de um mês, trabalhadores relataram que um homem entrou facilmente nas salas e quartos de repouso do hospital para roubar objetos e dinheiro das equipes de saúde.   

Questionada sobre a situações relatadas no HR, a Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES) responde, em nota, que "o serviço social é o elo entre acompanhantes e/ou família com os pacientes internados no hospital. Os acompanhantes de usuários internados nos leitos de enfermaria recebem informações diretamente da equipe médica. Nos locais em que não é permitida a presença do acompanhante, como a unidade de trauma, UTI (unidade de terapia intensiva) e sala de recuperação, os familiares contam com horários definidos pelo serviço social para que as informações sobre a evolução clínica sejam repassadas".

A pasta acrescenta que, quando não é possível a presença de familiares, o serviço social também disponibiliza número telefônico para que a família possa ter informações. Em relação à higiene corporal e demais cuidados com os pacientes, a SES informou que a "equipe multiprofissional segue o protocolo recomendado de acordo com o quadro clínico, com todas as ações realizadas de forma contínua". 

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No Hospital da Restauração, há filas de espera que parecem ser intermináveis para realização de cirurgias e, em muitos casos, famílias não conseguem informações sobre o quadro de parentes internados - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Caos na emergência do Hospital Agamenon Magalhães

Já no Hospital Agamenon Magalhães (HAM), em Casa Amarela, Zona Norte do Recife, acompanhantes de pacientes contam que o caos segue na emergência. "Há muitas macas pelo chão, uma colada na outra, com pacientes esperando muito tempo para atendimento. Minha sogra passou uma semana na emergência, e vimos tudo isso. Hoje, com quase dois meses de hospital depois de ter passado pelas pontes de safena e mamária, ela já está numa sala mais tranquila", disse o ambulante de praia Paulo da Costa, 31 anos. 

Na calçada em frente ao HAM, vendedores das barracas de lanches contam que baratas e ratos são frequentes na entrada do hospital, especialmente em dias de chuva e à noite. "Quem vê por fora pensa que lá dentro é tudo bem calminho. Mas é muita sujeira. Escutamos de tudo", contou uma das comerciantes. 

Sobre o cenário do Agamenon Magalhães, a gestão do serviço garante, através da SES, que não há macas no chão. "Os pacientes que chegam ao serviço em ambulâncias são transportados, no momento da admissão, nas macas baixas utilizadas nos veículos. Após a acomodação no setor, são realocados para os leitos."

A direção do HAM informa ainda que a dedetização para prevenção de pragas nas dependências do serviço é feita periodicamente, assim como a limpeza diária de todos os setores da unidade. "Vale reforçar que a unidade conta com a colaboração de toda a comunidade hospitalar, inclusive dos comerciantes que trabalham no entorno do serviço, para o manejo adequado dos alimentos e descarte correto do lixo produzido", acrescenta, em nota, a SES. 

Precariedade no Hospital Barão de Lucena

As queixas dos pacientes também passam pelo Hospital Barão de Lucena (HBL), no bairro da Iputinga, Zona Oeste da cidade. Unidade de alta complexidade com foco em atendimento materno-infantil, o HBL oferece pré-natal de alto risco e recebe gestantes de várias cidades do Estado.

A auxiliar de serviços gerais Jitaniely Silva Lima, 26 anos, é moradora de São Joaquim do Monte, e foi ao HBL na terça-feira (26) para uma consulta de retorno, após passar por um internamento em fevereiro para tratar o hipertireoidismo. "A estrutura, a limpeza e a alimentação oferecida pelo hospital precisam melhorar muito. A comida não presta mesmo."

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As queixas dos pacientes também passam pelo Hospital Barão de Lucena - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

No ano passado, Jitaniely conta que havia sido atendida no HBL várias vezes, entre agosto e setembro, durante uma gestação de alto risco, pelo fato de ter desenvolvido diabetes gestacional. "O atendimento foi muito ruim. Lembro que cheguei com muita dor, os batimentos cardíacos do bebê diminuindo, e a médica mandou eu voltar para casa. A ambulância já tinha ido embora. Não tinha como voltar" recorda. Ela relata ainda que viu mulheres darem à luz os bebês sem receberem assistência. "Além disso, a sala de parto é muito suja."

A direção do HBL, através da SES, informou à reportagem do JC que o projeto de reforma do bloco obstétrico já está em andamento e deve ser licitado em breve. "Equipes atuam diariamente na higienização de todos os setores, em regime de plantão 24 horas por dia, principalmente nas dependências do centro obstétrico (COB). A unidade também reforça a importância da conscientização e colaboração de todos que frequentam o local para manter, aliado às ações de limpeza já promovidas pela equipe do hospital, as áreas bem preservadas."

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AGAMENON MAGALHÃES Familiares dizem que é comum doentes ficarem muito tempo esperando atendimento - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Pandemia agravou o que já deixava a desejar 

Na visão do presidente do Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), Walber Steffano, a crise sanitária decorrente da pandemia de covid-19 agravou problemas da saúde pública que já são de muitos anos, de responsabilidade de muitos e sucessivos governos. "Somado a isso, houve uma piora de capacidade estrutural imensa nos serviços. Vemos os corredores ocupados com pacientes, que também chegam a ficar em macas na entrada dos bancos localizados dentro dos hospitais. Há unidades, como o Hospital Otávio de Freitas (Zona Oeste do Recife), em que os pacientes chegaram a ficar em macas do lado de fora, de tão superlotada que estava a unidade", destaca Walber. 

O depoimento do médico revela que o panorama é de uma demanda que cresce numa velocidade maior do que a capacidade dos governantes de reorganizarem os serviços num momento já fragilizado pela pandemia. "Não podemos nos acostumar com essa situação. Temos levado a público todos esses problemas, tentamos diálogos com as autoridades, os diretores de hospitais e os gestores, além de denunciar aos órgãos competentes, como o Ministério Público de Pernambuco. Os governantes precisam fazer o que a população merece", frisa Walber. 

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Panorama é de uma demanda que cresce numa velocidade maior do que a capacidade dos governantes de reorganizarem os serviços num momento já fragilizado pela pandemia - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

A Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES) ainda informa que "tem atuado permanentemente para qualificar a assistência prestada à população nas unidades de saúde ligadas à rede estadual, mas reconhece a grande demanda nas emergências, provocada sobretudo pela demanda reprimida provocada pela pandemia da covid-19 e a falta de resolutividade nos serviços municipais". A SES reforça que os hospitais estaduais não recusam atendimento nem deixam de garantir "assistência a todos os pacientes".

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