COLUNA JC SAÚDE E BEM-ESTAR

Diretor do HR desabafa e revela motivo de caos no Hospital da Restauração

"Não queríamos, em hipótese alguma, ter doentes nos corredores, que são para passagem; não são para colocar paciente, e temos plena consciência disso. Isso é discutido amplamente com a Secretaria Estadual de Saúde", diz Miguel Arcanjo

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Cinthya Leite

Publicado em 10/05/2022 às 20:02 | Atualizado em 10/05/2022 às 20:17
Entrevista
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Nesta manhã desta terça-feira (10), conversei com o médico Miguel Arcanjo, diretor do Hospital da Restauração (HR), a maior emergência pública do Norte e Nordeste do Brasil. Nesta entrevista, ele desabafa sobre as condições do serviço, com corredores superlotados e macas pelo chão. "Vamos negar atendimento? Não podemos. Isso é inadmissível. Muitas vezes, as pessoas batem naquele que está trabalhando bastante e geralmente nada acontece com quem não trabalha, pois ninguém nem sabe que este poderia contribuir com a sociedade", diz Miguel Arcanjo, que está no 12º ano como diretor do HR. "A sociedade tem que entender que não é culpa direta da nossa instituição ter tantos pacientes. Minha vida é isto, é o HR. Já passei aqui por momentos críticos, mas estamos para ajudar." 

JC - Uma semana após o vazamento de uma tubulação de água e queda de placas de gesso na unidade de trauma, como está o hospital? Com os leitos de retaguarda que estão sendo abertos pelo governo do Estado, tem sido possível desafogar o serviço?

MIGUEL ARCANJO - Está tudo dentro da normalidade. A emergência de neurologia é emergência clínica, a do térreo. É o prédio anexo ao hospital, onde era o antigo ambulatório que foi inaugurado em 2010. Essa emergência recebe doentes neurológicos clínicos e pacientes de hemorragia digestiva, além dos que sofrem acidentes. Estamos hoje com um número de leitos de retaguarda que aumentou bastante; é um contingente próximo de 80 leitos. Isso deu uma desafogada grande. O número de pacientes que chega à emergência clínica continua o mesmo, mas estamos conseguindo transferir bem mais (para os hospitais onde há leitos de retaguarda, como o aberto recentemente no Prado, Zona Oeste do Recife). Já chegamos a ter 100 pacientes nos corredores (na emergência clínica), e hoje temos abaixo de 50. Melhorou bastante. Mas o incidente do cano aconteceu no 1º andar. É onde nós temos a emergência do trauma – que, naquele momento, estava cheia, com bastante pacientes. Por isso, deu mais trabalho para a gente desafogar. O governo do Estado está vendo agora a proposta de colocar como retaguarda em neurocirurgia o antigo Alfa (hospital em Boa Viagem, Zona Sul do Recife), que já está sendo desativado da covid-19. É disso que precisamos para desafogar a nossa emergência do 1º andar.

JC – Então, em Pernambuco, não há vagas de retaguarda em neurocirurgia?

MIGUEL ARCANJO – O Hospital da Restauração não tem leitos de retaguarda para neurocirurgia. Nós somos a única referência em neurocirurgia de Pernambuco; recebemos pacientes de Petrolina até aqui, fora os outros Estados. Como temos um serviço de hemodinâmica que funciona de domingo a domingo, fazendo todos os procedimentos por hemodinâmica, muitos pacientes são encaminhados porque têm aneurisma cerebral, precisam fazer arteriografia e embolização por hemodinâmica. Somos o único centro público que fazemos isso no Estado.

JC – E como está a ocupação hoje da emergência e do trauma?

MIGUEL ARCANJO - A nossa emergência clínica tem capacidade instalada teoricamente de 110 pacientes. Hoje (terça-feira, dia 10) tínhamos quase 160, um aumento de 50%. Já na unidade de trauma, temos previsão de 120 pacientes, e atualmente estamos beirando os 200 pacientes. Isso é uma coisa corrente. A emergência clínica melhorou substancialmente, mas precisa melhorar ainda. Então, estamos trabalhando para aprimorar os leitos de retaguarda, que estão sendo qualificados. O hospital do Prado, que está recebendo nossos pacientes, está agora com 40 leitos. Mas ele tem capacidade para duplicar o número de leitos. Mas é preciso qualificar o hospital, que estava desativado. Nossos pacientes (da neurocirurgia do HR) são muito complexos e, por isso, ainda não podem ir para lá. O Hospital do Tricentenário (em Olinda) tem nos ajudado bastante. Sobre esses leitos de retaguarda, à medida em que se amplia o número e principalmente se melhora a qualidade do leito, passa-se a ter uma restrição menor (para receber os pacientes) porque conseguimos transferir os doentes. E em relação à neurocirurgia, é premente, público e notório que precisamos de leitos de retaguarda.

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Problemas estruturais são vistos, inclusive, na parte externa do Hospital da Restauração (HR) - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

JC – Qual o volume de procedimentos cirúrgicos realizados no HR?

MIGUEL ARCANJO – Realizamos, aqui no hospital, em torno de 3 mil cirurgias por ano. E fazemos, na hemodinâmica, cerca de 500 procedimentos de neurocirurgia anualmente. Então, dá quase 3,5 mil neurocirurgias por ano. É uma capacidade muito grande: temos quatro salas de neurocirurgia em tempo integral e, mesmo assim, não conseguimos dar vazão à necessidade da sociedade. Nesse quesito, é premente ter um local para desafogar, como foi feito com cirurgia vascular, especialidade em que, no passado, tínhamos 50 pacientes na emergência. Estamos hoje abaixo de 20 pacientes nesse setor e com o fluxo bem célere. A mesma coisa ocorre com a traumatologia. Na vascular, foram abertos vários leitos de retaguarda de porte, que podem receber doentes complexos. Foram abertas vagas no Hospital Barão de Lucena, no Português e no Mestre Vitalino, em Caruaru. Na hora em que se abrem leitos, o HR não fica concentrando tudo. A vascular era HR e Getúlio Vargas. Traumatologia é no HR, Getúlio e Otávio de Freitas. Mas neurocirurgia é só HR.

JC – Na tentativa de resolver a situação da neurocirurgia, como está a articulação com a Secretaria Estadual de Saúde?

MIGUEL ARCANJO – A proposta da secretaria é abrir inicialmente os leitos de retaguarda para neurologia (o que já vem sendo feito), pois o doente da neurocirurgia é o mais complexo para se tratar na medicina. Ele precisa de estrutura. Para se ter ideia, todos os nossos doentes de neurocirurgia que são operados eletivamente têm leitos de UTI reservados. Cada microscópio que temos aqui custou, ao Estado, mais de 500 mil reais. E hoje preço duplicou praticamente. Então, leva um tempo por causa do dinheiro, e tudo tem que ter licitação. A proposta do secretário (André Longo) é abrir os leitos de retaguarda em neurocirurgia o mais rápido possível, e eu espero que, daqui a três meses, isso seja possível.

JC – Qual o volume de leitos de UTI e de enfermaria do HR atualmente?

MIGUEL ARCANJO - Sobre as vagas de UTI, são 30 geral, 20 neurocirúrgica, 17 pediátricas. São 833 leitos no hospital, considerando o total de vagas, contando com aquelas da emergência, que tem pacientes que passam mais de 24 horas na unidade.

JC – Com quase mil leitos, considerando o total de vagas, o HR ainda acumula pacientes nas macas pelos corredores...

MIGUEL ARCANJO – Esse é o maior desafio do HR. Quando conseguirmos abrir leitos de retaguarda, teremos o atendimento à população bem mais tranquilo. Muitos dos pacientes que estão na emergência não deveriam estar mais lá. Eles só devem ficar 24 horas nesse setor, 36 horas no máximo, ser retirado da emergência e ser alocado em outros setores. Além disso, precisamos que outras unidades que não tenham emergência passem a desenvolver um trabalho mais efetivo para poder desafogar a gente. Não é só criar leito de retaguarda. Existem hospitais grandes que poderiam dar uma contribuição maior à sociedade. Mas tudo fica centralizado nestes três grandes: HR, Getúlio Vargas e Otávio de Freitas. Os hospitais metropolitanos têm uma limitação. Só na unidade de trauma do HR, há mais pacientes do que no Miguel Arraes, no Dom Helder e no Pelópidas. Entendemos que a população reclame, está no direito dela. Nós não queríamos, em hipótese alguma, ter doentes nos corredores, que são para passagem; não são para colocar paciente, e temos plena consciência disso. Isso é discutido amplamente com a Secretaria Estadual de Saúde. Nós não compartilhamos com isso (ter pacientes em corredores). Ao mesmo tempo, também não temos o direito ético e moral de negar atendimento à população.

JC – O paciente tem que ser recebido de qualquer forma...

MIGUEL ARCANJO - Existe, na emergência, o chamado ‘’vaga zero’. Mesmo lotada, a unidade tem que atender o paciente, porque é o perfil do serviço. O cidadão tem um AVC (acidente vascular cerebral) isquêmico ou hemorrágico, tem um tumor cerebral, hemorragia digestiva, e nós estamos lotados. Vamos negar atendimento? Não podemos. Isso é inadmissível. Muitas vezes, as pessoas batem naquele que está trabalhando bastante e geralmente nada acontece com quem não trabalha, pois ninguém nem sabe que este poderia contribuir com a sociedade.

JC – Como se resolver, então, o problema de superlotação no HR, com dezenas de macas e pacientes pelos corredores?

MIGUEL ARCANJO – É preciso segurar a entrada e aumentar a saída (de pacientes). E como isso poderia ser feito? Primeiramente, há Hospital Regional do Agreste, em Caruaru (Agreste do Estado), com serviço de neurocirurgia com dois neurocirurgiões por plantão 24 horas, sete dias na semana. Esse hospital infelizmente opera pouquíssimo. Ele precisa fazer número de cirurgia minimamente aceitável. Dessa forma, pode-se descentralizar um bom percentual de pacientes da neurocirurgia e do trauma. Em segundo lugar, é necessário ter um hospital de apoio pra tirar os doentes excedentes de tumor e aneurisma que estão no HR e não têm para onde ir, pois têm que esperar a nossa fila cirúrgica. E terceiro: hospitais universitários devem passar a operar cirurgias de alta complexidade, de todas as magnitudes. O Hospital das Clínicas (HC da UFPE) e o Oswaldo Cruz (HUOC) não operam neurocirurgia. Aliás, o HC até opera, mas pouco. Há muitos caminhos que podem dar uma ajuda muito grande e descentralizar a ação de tudo o que tem vem para o HR. Temos aqui um parque com quatro tomógrafos, uma ressonância, uma hemodinâmica, oito aparelhos de ultrassom, médico radiologista de plantão por 24 horas, todos os dias. Então, qualquer cidadão que chegar aqui, após um acidente grave de carro, por exemplo, é atendido em até 20 minutos. Ele é visto pelo cirurgião geral, pelo cirurgião vascular, pelo traumatologista, pelo neurocirurgião, e é feita tomografia de corpo inteiro, quando há necessidade. Então, o problema do HR, em síntese, não está no HR. O hospital faz a parte dele, e faz muito bem. Claro que sempre precisa de ajuste, como tudo na vida. Mas o problema do HR está na rede, no sistema. A gente procura fazer o melhor. A sociedade tem que entender que não é culpa direta da nossa instituição ter tantos pacientes.
Minha vida é isto, é o HR. Já passei aqui por momentos críticos, mas estamos para ajudar.

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