Do Estadão Conteúdo
A composição da cúpula da Polícia Federal tem evidenciado a tentativa do governo Luiz Inácio Lula da Silva de tentar afastar da corporação a influência de Jair Bolsonaro (PL).
Algumas das principais diretorias da PF serão ocupadas na atual gestão petista por delegados que estiveram na mira do ex-presidente.
Assinada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, a nomeação de Ricardo Saadi para Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à Corrupção (Dicor) foi publicada nesta terça, 14.
Saadi esteve no centro das suspeitas de que Bolsonaro fez trocas estratégicas na PF para tentar blindar aliados e os filhos de investigações.
O delegado era superintendente do órgão no Rio, mas foi exonerado pelo ex-presidente, que alegou problemas de "produtividade" na unidade regional. A mudança abriu uma crise com o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro
O ex-juiz da Operação Lava Jato, hoje senador pelo União Brasil, deixou o governo acusando Bolsonaro de tentar interferir politicamente na corporação - na eleição do ano passado, ele se reconciliou com o ex-presidente e o apoiou no segundo turno contra Lula.
O caso está em apuração no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma das atribuições da Dicor é investigar políticos e autoridades com prerrogativa de foro.
Outro reabilitado pela Casa Civil de Lula é o delegado Rodrigo Morais Fernandes. Ele foi o responsável pelo inquérito sobre o atentado contra Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. O ex-presidente foi atingido por uma facada durante uma agenda de campanha em Juiz de Fora (MG).
A investigação concluiu que Adélio Bispo, responsável pelo ataque, agiu sozinho e que o crime não teve um mandante. Sem provas, o ex-presidente reiterou diversas vezes a tese de que há "gente grande" por trás do atentado. Fernandes vai assumir a Diretoria de Inteligência Policiais da PF, uma das mais importantes da corporação.
O delegado Rodrigo Teixeira, que era superintendente da PF em Minas Gerais quando aconteceu o atentado, foi indicado para a Diretoria de Polícia Administrativa.
Próximo do atual diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, ele chegou a ser sondado para o cargo de diretor executivo, número dois da corporação, que ainda não foi preenchido.
Teixeira foi exonerado pelo ex-presidente da República e, na época, atribuiu a troca a uma insatisfação da família Bolsonaro com a condução do inquérito sobre a facada.
Em entrevista ao Estadão, ele disse acreditar que o clã queria que a apuração chegasse à conclusão de que Adélio Bispo tinha sido financiado por partidos políticos ou uma organização criminosa.
Ao todo, a PF tem 11 diretorias especializadas. Em dezembro de 2021, o Estadão mostrou que, com a saída da delegada Dominique de Castro Oliveira do escritório da Interpol no País, o governo Bolsonaro já acumulava ao menos duas dezenas de mudanças na Polícia Federal. As razões eram divergências políticas com o governo e com a cúpula da corporação, ou de investigações que desagradaram ao Palácio do Planalto.
Considerada sem precedentes, a série de intervenções levou à geladeira, ou para o "corredor" - termo usado na PF para quem está em estado de fritura pela direção -, experientes quadros policiais.
A reabilitação de delegados que foram alvo no governo passado é interpretado como um recado da gestão Lula para a corporação: de que haverá empenho para reduzir a influência do bolsonarismo na PF.
O próprio presidente Lula tem vocalizado a investida para "desbolsonarizar" o governo. Ontem, durante evento de retomada do programa Minha Casa, Minha Vida, na Bahia, o presidente disse que a tarefa foi dada ao ministro-chefe da Casa Civil.
"Estamos há apenas 40 dias no governo. A gente ainda nem conseguiu montar as equipes que a gente tem que montar porque nós temos que tirar bolsonarista que está lá escondido às pencas", afirmou Lula.
"E a responsabilidade de tirar eles é do Rui Costa. É o Rui Costa que tem que assinar as medidas para tirar aquela gente que está infiltrada no nosso governo", disse o petista.