IMPUNIDADE

CASO SERRAMBI 20 ANOS: Silêncio e dor pela impunidade marcam vidas de parentes de Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão

Durante toda a investigação, pais das adolescentes dividiram opiniões sobre a culpa ou não dos irmãos kombeiros, que acabaram absolvidos em júri popular

Raphael Guerra
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Raphael Guerra
Publicado em 25/04/2023 às 7:30 | Atualizado em 27/04/2023 às 10:08
REPRODUÇÃO
Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão tinham 16 anos quando sumiram e foram encontradas mortas em Ipojuca - FOTO: REPRODUÇÃO

Os 20 anos do Caso Serrambi, que serão completados no próximo dia 3 de maio de 2023, são um triste marco para as famílias das adolescentes Maria Eduarda Dourado e Tarsila de Gusmão. Não só pela dor da saudade, mas pela impunidade do crime, que irá prescrever.

Na verdade, desde o final de 2018, quando o processo transitou em julgado e os kombeiros Marcelo e Valfrido Lira ficaram livres da Justiça, parentes perderam a esperança de que houvesse alguma punição pelas mortes das adolescentes, cujos corpos foram encontrados no distrito de Camela, em Ipojuca, Litoral Sul de Pernambuco.

O pai de Tarsila, o comerciante José Vieira de Melo, que, junto a um grupo de amigos de motocross, conseguiu encontrar os restos mortais das garotas, sempre acreditou nas investigações da polícia e externava que a opinião de que os kombeiros eram os culpados pelo crime. Ele foi procurado pelo JC, mas, desta vez, preferiu o silêncio.

A mãe de Tarsila, Alza Gusmão, vive nos Estados Unidos há mais de uma década. Decidiu sair do País para tentar diminuir as lembranças e amenizar a dor da falta da única filha

O pai de Maria Eduarda Dourado, o empresário Antônio Dourado, faleceu de infarto em outubro de 2012.

A reportagem não conseguiu contato nem informações sobre a mãe de Maria Eduarda, Regina Lacerda. Um detalhe, que talvez poucos lembrem, é que, durante as investigações até o júri popular, ela dizia não acreditar na acusação de que os kombeiros haviam estuprado e assassinado Maria Eduarda e Tarsila.

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O advogado Bruno Lacerda, contratado pela família de Tarsila na época, atuou como assistente de acusação no júri popular e nos recursos especiais apresentados em instâncias superiores.

Em entrevista ao JC, o jurista destacou que respeita a decisão judicial, mas reafirmou que todas as provas apontaram para os kombeiros como autores do crime.

GABRIEL FERREIRA/JC IMAGEM
Advogado Bruno Lacerda - GABRIEL FERREIRA/JC IMAGEM

JC - Quais são as provas que o senhor considera mais relevantes para apontar os kombeiros como culpados pelo crime?

BRUNO LACERDA - Por profundo respeito à decisão judicial transitada em julgado de absolvição dos acusados, eu devo me limitar a indicar quais os meus elementos de convicção, à época, da acusação. Porque jamais iria acusar quem quer que fosse se não houvesse uma convicção plena, à época, da responsabilidade dos denunciados.

Posso dizer que o convencimento emergiu de três inquéritos que foram instaurados Dois da Polícia Civil e um pela Polícia Federal. Todos os inquéritos convergiam no entendimento da responsabilidade dos kombeiros.

Posso enumerar alguns fatos: o primeiro de as vítimas terem sido vistas com vida até por volta de 18h30, do dia 3 de maio de 2003, ocasião em que foram avistadas por uma testemunha ingressando na kombi identificada como sendo a kombi do Marcelo. Ela chegou a visualizar o Valfrido na posição do cobrador.

Além disso, elementos foram encontrados tanto no local em que as vítimas foram encontradas no canavial, como vestígios de lâmina de barbear, de fios de nylon, de invólucros de bombons.

Esse mesmo material foi encontrado posteriormente na kombi do Marcelo. Além disso, os óculos de Tarsila, óculos extremamente assemelhados, foram encontrados no porta-luvas da kombi de Valfrido posteriormente.

Além disso, os álibis dos acusados não se viram provados, inúmeras contradições nos depoimentos deles. Uma profusão de fatos que levavam ao convencimento de que eles eram os responsáveis por esse fato que abalou a sociedade, a opinião pública, à época.

JC - Ao longo desses 20 anos, surgiram várias hipóteses do que poderia ter acontecido em relação ao desaparecimento e mortes das adolescentes. Na visão do senhor, algo faltou ser esclarecido?

BRUNO - Há muitos factoides que permearam esse caso e que não se viram confirmados após as investigações. Especialmente quanto à questão de uma festividade que teria ocorrido na residência onde elas estavam hospedadas.

É preciso que se esclareça que essa festividade ocorreu na sexta-feira, dia 2 de maio. Então elas foram vistas com vida, inclusive por registro fotográfico andando na praia no dia 3. E foram vistas com vida até às 18h30.

Portanto é um argumento lógico: se elas foram vistas com vida até o sábado, às 18h30, obviamente que essa questão aventada de uma possível overdose, no dia anterior, se dissolve completamente.

JC - Houve pedido desaforamento do Júri de Ipojuca para um outro município?

BRUNO - Sim. Na época, o Ministério Público chegou a formular o requerimento, mas o Tribunal de Justiça entendeu, com base nas informações prestadas pela juíza, que havia condições de realização do júri na própria comarca de Ipojuca. Por isso, indeferiu o pedido de desaforamento e manteve o julgamento na em Ipojuca.

JC - Como é que o senhor avalia o resultado do júri popular?

BRUNO - Eu recorri até onde foi possível, notadamente em face de um fato que foi flagrado pela mídia à época. Eu não havia presenciado esse fato, mas foi flagrado pela imprensa, foi noticiado e documentado. Juntei aos autos a informação de que, após o resultado do julgamento, alguns jurados chegaram a aplaudir. Uma das juradas que estava sentada no meio da bancada dos jurados se levantou e, se dirigindo ao acusado do Marcelo, disse: "Eu não disse que ia dar certo?".

Portanto, houve um julgamento parcial, já que, tendo sido o score por 4 a 3, foi um voto decisivo dessa jurada. Então nós entendemos que havia causa o suficiente para nulificação (anulação) desse júri por ficar aprovada a falta de isenção, ao menos dessa jurada, flagrada pelos meios de comunicação.

JC - A partir desse resultado do júri popular porque que não foi solicitada uma nova investigação para o caso que acabou impune?

BRUNO - É o sentimento de toda a sociedade de que houve uma impunidade. Eu não posso avançar mais em respeito à decisão judicial transitada em julgado. Agora, penso que não haveria outra linha de investigação, se não a que foi realizada pela Polícia Federal, pelo GOE e pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil de Pernambuco.

Todos os três com trabalhos exemplares e concluindo da mesma forma, com a responsabilização única e exclusiva dos denunciados nesse horroroso delito.
Portanto já está próximo aí da prescrição, com 20 anos, então a gente infelizmente vai ter que conviver com esse fantasma da impunidade.

Thiago Lucas/ Design SJCC
Quem é quem no Caso Serrambi - Thiago Lucas/ Design SJCC

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