Chacina de Camaragibe: após nova denúncia, 12 PMs viram réus por crime de tortura

Os mesmos militares são réus pelo triplo homicídio duplamente qualificado dos irmãos de Alex da Silva Barbosa, suspeito de matar dois policiais

Publicado em 06/08/2024 às 10:43

Doze policiais militares que respondem processo na Justiça pelo crime de triplo homicídio duplamente qualificado dos irmãos do vigilante Alex da Silva Barbosa, suspeito de matar dois PMs durante uma troca de tiros em Camaragibe, no Grande Recife, agora viraram réus em um novo processo criminal. O grupo responderá pelo crime de tortura na Vara da Justiça Militar.

O caso ficou conhecido nacionalmente como a Chacina de Camaragibe. Na nova denúncia, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE ) apontou que os militares "causaram sofrimento físico e mental" a uma cunhada de Alex e ao motorista de aplicativo que a levava para casa, no bairro de Tabatinga, para que eles repassassem informações sobre o paradeiro do vigilante.

Os nomes das vítimas, ambas sobreviventes, serão preservados. 

A tortura aconteceu na madrugada de 15 de setembro de 2023, horas após as mortes do soldado Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos, e do cabo Rodolfo José da Silva, 38, que foram para Tabatinga verificar a denúncia de que Alex estaria em cima de uma laje realizando disparos de arma de fogo.

Quando os policiais chegaram ao local, houve troca de tiros com o vigilante, que teria feito Ana Letícia Carias da Silva, de 19 anos, de escudo humano. Os dois PMs morreram, e Alex conseguiu fugir. Além de Ana (que morreu semanas depois no IMIP), o primo dela, de 14 anos, foi baleado, mas sobreviveu.

A partir daí, começou a "operação vingança", como o MPPE classificou. 

MPPE DETALHA TORTURA

A coluna Segurança teve acesso à íntegra da denúncia do MPPE. O documento destacou que a cunhada de Alex estava chegando em casa, com as duas filhas de 10 e 11 anos, quando cinco militares, usando um carro sem placas, fizeram a abordagem ao veículo de aplicativo. 

"Por acreditarem que esta era a parente de Alex que possivelmente daria 'o cavalo' (fuga) a ele, fizeram-na descer do veículo, onde ficaram sozinhas as duas crianças no seu interior", revelou a denúncia do MPPE.

A investigação apontou que estavam no carro sem placas o soldado Paulo Henrique Ferreira Dias, a soldado Leilane Barbosa Albuquerque, o soldado Emanuel de Souza Rocha Júnior, o cabo Dorival Alves Cabral Filho e o cabo Fábio Júnior de Oliveira Borba. Atualmente, os cinco estão presos preventivamente.

O 1º tenente João Thiago Aureliano Pedrosa Soares também teria se juntado ao grupo no momento da tortura. 

"Todos fortemente armados, passaram a torturar psicologicamente a referida mulher, causando-lhe forte sofrimento psíquico, através de coações e ameaças, a fim de obter informações relativas a Amerson (Juliano da Silva, irmão de Alex), seu esposo, no intuito de fazer com que este se dirigisse até o local, levando consigo o seu irmão Alex, quando então seria efetivado o plano de uma emboscada para matá-los", pontuou a denúncia. 

O motorista de aplicativo, sem qualquer relação com o caso, também teria sido torturado física e psicologicamente pelo soldado Diego Galdino Gomes e pelo 3º sargento Cesar Augusto da Silva Roseno. 

Já a cabo Janecleia Izabel Barbosa da Silva e o 2º sargento Eduardo de Araújo Silva permaneceram um pouco mais abaixo da residência da cunhada de Alex, "próximo às viaturas Voyage, prestando apoio cobertura à ação dos demais (policiais)", disse o MPPE. 

A denúncia detalhou que os tenentes-coronéis Fábio Roberto Rufino da Silva, na época comandante do 20° Batalhão da PM, e Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco (que ocupava o segundo posto de comando da inteligência da PM), participaram de uma reunião nas proximidades da Faculdade de Odontologia de Pernambuco (FOP) para discutir como seria a caçada ao Alex.

Os oficiais teriam acompanhado, em tempo real, por meio de mensagens de aplicativo, o desenrolar das perseguições, torturas e mortes de familiares do vigilante.

"Os denunciados Marcos Túlio e Fábio Rufino, participaram intensamente das trocas de mensagens entre os policiais, em que eram passadas informações a respeito dos familiares de Alex, bem como dele próprio", descreveu o MPPE. 

Como a tortura não faz parte do rol de crimes contra a vida, ou seja, não é julgado pelo tribunal do júri, os militares vão responder por esta acusação na Vara de Justiça Militar. 

Em entrevista exclusiva ao JC, em março deste ano, Fábio Rufino negou todas as acusações atribuídas a ele. "Eu não passei nenhuma mensagem, nem informação a respeito do que tinha acontecido. Eu entrei em contato só com diretor integrado metropolitano", declarou. 

MORTES DE IRMÃOS DE ALEX FORAM TRANSMITIDAS PELA INTERNET

REPRODUÇÃO
Ágata Ayanne da Silva, 30, Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25,foram mortos por policiais militares - REPRODUÇÃO

Após as torturas, os policiais seguiram com a caçada a Alex. Na mesma madrugada, foram executados a tiros três irmãos dele, identificados como Ágata Ayanne da Silva, 30, Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25.

Ágata chegou a transmitir ao vivo, por meio do Instagram, o crime. Ela e Amerson morreram na hora. Apuynã faleceu após ser socorrido e encaminhado para o Hospital da Restauração, no Recife.

Pela manhã, por volta das 9h, os corpos da mãe de Alex, Maria José Pereira da Silva, e da esposa dele, Maria Nathalia Campelo do Nascimento, foram achados num canavial na cidade de Paudalho, Mata Norte do Estado. Duas horas depois, Alex foi morto em Tabatinga.

A investigação referente às mortes dos irmãos de Alex foi concluída em março. Os 12 policiais militares citados pelo MPPE como participantes da tortura, viraram pelos pelo triplo homicídio duplamente qualificado. O processo está na 1ª Vara Criminal de Camaragibe, ainda sem previsão de audiência de instrução e julgamento. 

Além dos cinco PMs que estão presos, os outros sete estão afastados das funções públicas por ordem judicial

OUTRAS INVESTIGAÇÕES DA CHACINA DE CAMARAGIBE

A investigação referente às mortes da mãe e da esposa de Alex ainda não foi concluída.

O inquérito que apura o assassinato dos PMs, que resultou na chacina dos parentes do vigilante, também está em andamento, sem prazo de conclusão. Recentemente, houve uma reprodução simulada, mas o resultado não foi divulgado. 

No mês passado, a Justiça arquivou o inquérito relacionado à morte de Alex. Segundo o inquérito, depois do crime contra os dois PMs, Alex permaneceu foragido até a manhã do dia seguinte, quando foi encontrado por militares novamente no bairro de Tabatinga.

Houve um confronto, com troca de tiros, e o vigilante acabou baleado e morto. Para os investigadores, houve a legítima defesa.

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