Opinião

O navio encalhado no Canal de Suez, a revolução do contêiner e como isso deve aumentar os preços das suas compras

Com o navio encalhado, mais de 100 embarcações deixam de passar diariamente pelo canal por onde chega a passar 13% do tráfego global

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Guilherme Ravache

Publicado em 26/03/2021 às 10:00 | Atualizado em 26/03/2021 às 10:38
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A recente notícia de que um dos maiores navios de contêiner do mundo encalhou no Canal de Suez surpreendeu o mundo essa semana. Mais chocante ainda foi descobrir que uma indústria que já estava à beira do caos por conta da pandemia de Covid-19 pode enfrentar problemas ainda maiores diante do crescente caos na cadeia de logística global.

Com o navio encalhado, mais de 100 embarcações deixam de passar diariamente pelo canal por onde chega a passar 13% do tráfego global. Já há risco de faltar papel higiênico, peças e toda sorte de produtos ao redor do mundo.

Talvez você estranhe essa semana a coluna falar de logística e contêiner, mas inovação vai muito além das tradicionais empresas de tecnologia. Ao final desse texto você provavelmente concordará comigo que o contêiner foi uma das maiores inovações da humanidade.

No livro The Box: How the Shipping Container Made the World Smaller and the World Economy Bigger (A caixa: como o contêiner de transporte tornou o mundo menor e a economia mundial maior), o autor Marc Levinson narra como o contêiner nasceu.

Em 1956, Malcom McLean, magnata americano que fez fortuna com seus caminhões, carregou o navio Ideal-X com 58 grandes caixas de metal que, cinco dias depois, foram descarregadas em Houston, Texas, em caminhões que os transportaram até seus destinos.

As pessoas há tempos colocavam cargas em vários tipos de caixas para reduzir os custos de manuseio. Mas segundo o autor, esse evento seria o marco do nascimento do contêiner.

O uso do contêiner revolucionou a economia da navegação e, com isso, o fluxo do comércio mundial. Sem o contêiner, não haveria globalização.

A explicação está nos custos. Carregar carga solta em um navio de médio porte custava US$ 5,83 a tonelada em 1956. McLean calculou que carregar o Ideal-X usando o sistema de contêner custava menos de US$ 0,16 a tonelada. De repente, o custo de envio de produtos para outro destino não era mais proibitivamente caro.

Isso também explica porque os navios são cada vez maiores, como o Ever Given, que encalhou no Canal de Suez tem de comprimento praticamente a mesma altura do Empire State Building, e capacidade de carregar até 20 mil contêineres. Quanto mais contêineres, menor o custo do transporte.

À medida que o custo do transporte despencou, o mundo passou a usar mais e mais navios e a cadeia global de distribuição se tornou cada vez mais complexa. Tudo andava em relativa normalidade, apesar de grandes variações no preço do frete, até o início da pandemia.

Com a pandemia, a indústria imaginava que haveria uma crise econômica e redução do consumo. Mas ocorreu justamente o oposto. As pessoas passaram a comprar muito mais online, o que fez aumentar drasticamente a demanda dos contêineres. Para piorar, muitos portos estão operando com medidas de prevenção à Covid-19, o que força à redução de pessoas trabalhando. E quando uma pessoa é contaminada, vários colegas são forçados a entrar em quarentena se isolando por 14 dias (de operadores de guindastes a fiscais e motoristas de caminhão, toda a cadeia é afetada).

Agravando o problema, milhares de contêineres que transportaram máscaras para países da África e da América do Sul no início da pandemia permanecem lá, vazios e não coletados, porque as transportadoras concentraram seus navios em suas rotas mais populares - aquelas que ligam a América do Norte e Europa à Ásia, como aponta reportagem do NY Times. Resumindo, está faltando contêiner no mundo.

Uma alternativa, mesmo sendo em média oito vezes mais cara, seria o transporte aéreo de cargas. Porém, com centenas de voos de passageiros cancelados, a capacidade de enviar cargas caiu drasticamente. Boa parte do transporte de carga aérea acontece no porão dos aviões de passageiros.

Agora, com o Ever Given encalhado, 106 navios deixam de passar por dia pelo Canal de Suez e 200 embarcações aguardam na região. Com milhares de contêineres parados, a crise do transporte global ficará ainda maior. Os preços de transporte marítimo devem subir ainda mais, o que impacta os preços finais dos produtos. Também aumenta o risco de falta de produtos como peças e matérias-primas transportadas em navios.

O Brasil e a Costa do Marfim são os dois únicos produtores de café no mundo que não usam o Canal de Suez para mandar café para a Europa. Portanto, a escassez de café deve aumentar o preço mundialmente, porque o produto começará a faltar na Europa já nas próximas semanas.

Um consolo: o Brasil é o maior fornecedor mundial de celulose. A Suzano responde por cerca de um terço do fornecimento mundial de celulose de fibra curta, o tipo usado para produzir papel higiênico. O risco de ficarmos sem papel higiênico é baixo, uma vez que existem matéria-prima e fábricas locais, mas isso não garante que não haverá aumentos de preços.

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