A história se repete. Opositores políticos sem diálogo praticamente em nenhuma esfera, os governos federal e estadual voltam a se enfrentar no campo do turismo. Desta vez, a razão do embate é a pretensão do Ministério do Turismo (MTur), de privatizar os Fortes de Nossa Senhora dos Remédios, em Fernando de Noronha, e Orange, na Ilha de Itamaracá.
Ambos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), os imóveis foram incluídos na quarta-feira (10) no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que prevê transferir à iniciativa privada a gestão de equipamentos nacionais considerados subutilizados. Neste caso, para a implantação de empreendimentos turísticos, a exemplo de hotéis, restaurantes, centros de eventos, entre outros atrativos.
Os fortes pernambucanos farão parte do projeto-piloto do Programa Revive, resultado de uma parceria do Ministério do Turismo com governo de Portugal, onde um programa de concessão de patrimônios históricos já vigora.
Informado sobre a decisão pela Imprensa, o governo do Estado disse que a ideia "não encontra amparo legal", principalmente no que diz respeito ao Forte de Nossa Senhora dos Remédios. "O imóvel é de titularidade do Estado de Pernambuco, conforme reconhecido por parecer da Procuradoria-Geral do Estado", justifica, por meio de nota enviada à coluna.
A gestão Paulo Câmara ressalta que não foi notificada oficialmente sobre qualquer operação de privatização ou arrendamento. "As duas construções fazem parte do Patrimônio Cultural Brasileiro e qualquer alteração em sua finalidade ou modelo de gestão devem obedecer às regras do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)", finaliza a nota.
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Construído pelos portugueses em 1737, sobre as ruínas de um antigo fortim holandês, o Forte dos Remédios passou por uma revitalização recente, intermediada pelo Iphan com recursos de R$ 11 milhões. Atualmente, o órgão é submetido ao Ministério do Turismo.
Na ocasião de vistoria de conclusão das obras, em março deste ano, o governo Bolsonaro já havia protagonizado outra polêmica em Fernando de Noronha, ao anunciar a liberação da ilha para cruzeiros e novos pontos de mergulho e pesca desportiva. A ideia foi veementemente rechaçada pelo governo estadual e por ambientalistas.
ITAMARACÁ
Em Itamaracá, a notícia sobre a possível privatização do Forte Orange também foi recebida com surpresa pelo secretário de Turismo, Bruno Reis. "Chama a atenção a forma como o processo está sendo conduzido, sem diálogo com a gestão da ilha. A solução precisava ser construída em conjunto", afirma, em entrevista à coluna.
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Na ilha, a prefeitura detém a gestão do patrimônio desde junho de 2018, através de um Termo de Cessão Provisória do Iphan, que foi renovado em 23 de janeiro deste ano e tem duração até 15 de julho de 2021.
Bruno Reis destaca que não vê a concessão necessariamente como algo negativo. Segundo ele, a própria secretaria de Turismo estuda, junto com o trade e instituições acadêmicas, uma "solução comercial" para o equipamento, que se reverta para a sua manutenção, cujo custo estimado é de pelo menos R$ 20 mil por mês. Também há o projeto de instalar um museu com peças arqueológicas encontradas em escavações no forte. "Trata-se de um montante com o qual a prefeitura não pode arcar. Hoje utilizamos os funcionários para vigilância e limpeza, mas a médio e longo prazo será preciso mais", diz.
Assim como o Forte dos Remédios, o Forte Orange passou por uma longa obra de restauração que durou oito anos, com investimentos de R$ 11,8 milhões. A requalificação, neste caso, foi viabilizada com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) através do Programa de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur), em uma parceria entre o Iphan e a Secretaria de Turismo de Pernambuco. Somente em 27 de julho de 2018, o forte foi reaberto ao público e por hora não cobra ingresso para visitação.
Questionado pela coluna nesta quinta-feira (11) sobre a falta de interlocução com os representantes locais, o Ministério do Turismo disse que, a partir de agora, os processos de implantação do PPI envolverão a participação do município, com a criação de um Comitê Gestor do Programa, que incluirá as instâncias locais na tomada de decisões sobre os projetos a serem concedidos.
O MTur não respondeu, no entanto, quando os órgãos serão oficialmente notificados e convidados a integrar a iniciativa. Destacou, em contrapartida, que "os imóveis de Pernambuco estão em desuso e subutilizados, atendendo aos critérios estabelecidos pela iniciativa".
O ministério ainda pontuou que, para cada patrimônio, serão realizados estudos de viabilidade e modelagem, além dos levantamentos arquitetônicos e topográficos do imóvel; regularização jurídica e patrimonial; realização de estudos patrimoniais e arquitetônicos destinados à definição dos parâmetros globais de intervenção no patrimônio classificado; e avaliação dos imóveis.
De acordo com o MTur, neste momento, o Comitê Interministerial está em tratativas com o BNDES para contratação dos estudos de viabilidade e modelagem. A estimativa de conclusão dessa etapa está prevista para 2021.
Tempo para uma discussão mais profunda sobre a melhor forma de uso do patrimônio público, que garanta a sua preservação e sustentabilidade, sem excluir o direito da população de ter acesso à sua história.
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