Na Rua da Aurora, um dos pontos mais simbólicos do Recife, está localizado o Espaço Poste, sede do grupo de mesmo nome e um dos espaços alternativos mais atuantes da cidade. Com atividades de formação, visibilidade e promoção do movimento negro, a iniciativa tem enfrentado dificuldades por conta da pandemia do coronavírus, que inviabilizou temporariamente ações que garantiriam sua sustentabilidade. Para contornar a situação, o coletivo lançou uma campanha online a fim de arrecadar fundos para a manutenção do espaço.
Fundado por Agrinez Melo, Naná Sodré e Samuel Santos em 2008, o Grupo Poste Soluções Luminosas tem sua pesquisa e ações pautadas por questões afrocentradas. Seus espetáculos, como Ombela e A Receita, são construídos a partir da valorização das subjetividades das pessoas negras e de uma perspectiva histórica antirracista. A abertura do espaço do grupo, em 2014, permitiu a expansão desse projeto a partir de ações agregadoras.
Entre as iniciativas encabeçadas pelo grupo estão o festival Luz Negra - O Negro em Estado de Representação, e a PretAção - Mostra de Mulheres Pretas. Ambas reforçam o compromisso do Poste em criar uma rede agregadora para artistas negros, incentivando também a abertura de outros espaços de representatividade a partir da formação. Para isso, o coletivo mantém a Escola O Poste de Antropologia Teatral.
A atriz e diretora Naná Sodré explica que as dificuldades de manter um espaço independente são muitas e que as perspectivas não são animadoras. A princípio, o grupo contava com as ações que iriam acontecer ainda no primeiro semestre para arrecadar bilheteria e pagar as contas, especialmente o aluguel. O coletivo também teve aprovado no Funcultura um projeto de manutenção do espaço, mas ainda há trâmites burocráticos até que o dinheiro seja liberado.
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A campanha que o grupo lançou na plataforma Catarse busca arrecadar R$ 12 mil, valor que possibilitará a quitação das contas e a manutenção até a reabertura, após a pandemia. As doações podem ser feitas até o dia 11 deste mês e, até o momento, o coletivo conseguiu metade do valor, com apoio de mais de 100 pessoas.
“Enquanto tivermos força, estaremos lá no Espaço Poste, contando com nossos amigos, nossos apoiadores, nossos alunos, com as pessoas que estão nos assentos de poder que têm uma relação com a nossa causa. Se uma porta se fecha, se abre uma janela”, afirma Naná. “A gente tem um movimento de desconstrução (do racismo) ainda em andamento. Mais do que nunca, eu vejo a importância de se ter um espaço afrocentrado e um grupo de teatro preto que trabalha as questões afrobrasileiras, no coração da cidade. Isso é bastante significativo.”
Resistência
Naná conta que o projeto do grupo está intrinsecamente ligado à luta antirracista. Para o Poste, é importante incluir mais artistas negros na cena e também levar seu trabalho para comunidades historicamente excluídas.
“A gente trabalha em rumo a equidade das pessoas pretas. Tem pouco artista negro na cena? Existe um espaço de formação e 90% dos alunos são brancos? Onde estão os negros? Vamos fazer curso para mudar isso”, aponta. “Quando abrimos a convocatória para o Luz Negra, queremos que haja mais gente negra na cena, cada artista com a sua visão, com suas questões, abordando o racismo, as relações dos homens e das mulheres pretas na sociedade etc. É sobre trazer reflexão e tirar o véu que nos invisibiliza. Porque não somos vistos, não somos contados e somos renegados a uma condição em que nossa vida por ser tirada a todo momento e ninguém se importa.”
Enquanto o espaço do grupo permanece fechado, o grupo tem promovido atividades nas redes sociais. Todas as quintas-feiras, há transmissões ao vivo no perfil do grupo no Instagram (@oposteoficial). Os alunos inscritos na Escola de Antropologia Teatral também contarão com aulas remotas.
Planos para a retomada, também, não faltam: a mostra PretAção, que ocorreria em julho, será reagendada, assim como o Luz Negra. O grupo, atualmente, está na fase de pesquisa para construir seu novo espetáculo, cuja temática abordará o sistema escravocrata no Brasil. Entre os projetos de Agrinez, Naná e Samuel também está o desejo de levar Ombela, que é interpretada em português e em umbundu, um dos principais idiomas da Angola, para uma circulação na África.
“Às vezes o antirracismo fica só no discurso. Você falar, mas não provocar nenhuma ação de equidade não adianta nada. É necessário esse caminho pela prática”, reforça Naná Sodré.
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