A produção e a fruição literária podem parecer, à primeira vista, atividades que não necessitam do coletivo para serem realizadas e que, portanto, não foram das mais afetadas pelas restrições sociais resultantes da pandemia no novo coronavírus. É verdade que os autores não precisam estar fisicamente junto a seus editores, designers, revisores ou livreiros para escrever e que a leitura é quase sempre realizada individualmente. Mas tomar essa percepção como verdade seria bastante superficial.
A literatura se faz também, e talvez principalmente, nas feiras, nos lançamentos, nas palestras, nos debates, nos clubes de leitura, nas bibliotecas. Se faz nas ruas, se olharmos para a literatura popular, para a poesia marginal, na troca entre quem escreve e quem lê.
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A impossibilidade de realizar eventos e o meses em que sebos e livrarias passaram fechados afetaram em larga escala a matemática do setor literário. Uma pesquisa realizada pela Nielsen em parceria com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) divulgada esta semana revela que houve uma queda de 12,28% em volume e de 11,7% em faturamento no acumulado deste ano. E, segundo dados colhidos pela Associação Nacional de Livrarias e GfK, o faturamento do varejo de livro no Brasil retraiu 33% no último mês de abril, em comparação com o mesmo mês do ano passado.
Para a poeta Cida Pedrosa é preciso olhar também para os coletivos literários, os autores alternativos e as pequenas editoras independentes, que já não se encontram no circuito comercial. "Essas pessoas estão com extrema dificuldade de se manter sem os eventos. Tome como exemplo a Batalha da Escadaria, os contadores de história, cordelistas", aponta. Cida, que está escrevendo um livro de haicais inspirados no dia a dia da quarentena, teve participações de palestras em feiras literárias de diversos estados brasileiros canceladas nos últimos meses.
Localmente falando, a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) já anunciou que os eventos Fenelivro, Fenagreste, Feira de poesia do Pajeú e Feira da Literatura Infantil (Flitin), todos previstos para o segundo semestre deste ano e que são organizados pela editora, não irão mais acontecer em 2020.
Para Cida Pedrosa, a sanção da lei Aldir Blanc é extremamente positiva. "Teremos dois tipos de auxílios que vão poder beneficiar os autores diretamente e os espaços. Acredito que essa lei quebra certo paradigma da política pública pois o acesso aos recursos costuma ser muito fatiado e agora ele vai ser distribuído de forma federativa para estados e municípios. Todo mundo está tentando se reinventar de forma online, os escritores não vivem só da venda de seus livros, da escrita. Esse auxílio é fundamental."
O coordenador de Literatura da Secult-PE, Roberto Azoubel, também acredita no potencial da aplicação da lei. A respeito de como se dará a ação governamental para promover esse apoio aos escritores e outros trabalhadores do setor literário, ele afirma que decisões ainda estão sendo tomadas.
"Estamos no momento de definição de como será organizado o repasse dos recursos. Temos a orientação para que a terceira forma de repasse, através de editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor, seja elaborada atendendo às sugestões das setoriais artístico-culturais do Conselho Estadual de Cultura. No caso de Literatura, nossa Coordenadoria já vem conversando com os membros da setorial."
A aprovação foi igualmente celebrada pelo escritor e presidente do Conselho Editorial da Cepe, Sidney Rocha, mas com uma interpretação crítica que ela não irá bastar por si só. Para ele, é preciso que haja uma ação mais ampla por parte da sociedade civil.
"Garantir direitos para os trabalhadores e trabalhadoras no Brasil, sempre é motivo de comemoração. Sobretudo para trabalhadoras e trabalhadores da cultura. Especialmente porque esses agentes e trabalhadores terminarão por ser, talvez, os com menos perspectivas de retorno “normal” ao trabalho, quando tudo isso passar. Precisamos das leis, mas elas garantem pouco. Agora é imperativo combater esse desmonte negacionista, essa guerra cultural burra, que atinge não somente as artes, mas nosso modo de vida, da reflexão na ação, do amesquinhamento da inteligência, da civilidade e da identidade brasileiras."
A distribuição dos recursos para estados e municípios se dará:
- como renda emergencial para trabalhadores informais, no valor de R$ 600, pagos em três parcelas mensais;
- como subsídio para ajudar a manter de espaços artísticos e culturais, microempresas e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições organizações culturais comunitárias;
- para editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural e outros instrumentos destinados à manutenção de agentes, espaços, iniciativas, de cursos, de produções, de desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária, de produções audiovisuais, de manifestações culturais, bem como para a realização de atividades artísticas e culturais que possam ser transmitidas pela internet ou disponibilizadas por meio de redes sociais e outras plataformas digitais.
Pela lei sancionada, espaços culturais beneficiados precisarão oferecer atividades gratuitas para compensar os recursos recebidos, atendendo alunos de escolas públicas ou organizando atividades culturais abertas ao público. Bolsonaro vetou, entretanto, um ponto, que estipulava um período máximo de 15 dias para que os recursos começassem a ser distribuídos. O argumento utilizado foi de que era inviável cumprir o prazo.
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