EFEMÉRIDE

Lançado por Ariano Suassuna há 50 anos, Movimento Armorial continua influente

Movimento lançado por Ariano Suassuna há 50 anos, no Recife, criou arte erudita com base na cultura popular

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 18/10/2020 às 2:00
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SONORO Ariano Suassuna com o Quinteto Armorial, que colocou em prática os ideias do movimento na música - FOTO: DIVULGAÇÃO
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Há 50 anos, em 18 de outubro de 1970, Ariano Suassuna apresentava ao Recife o Movimento Armorial, resultado de décadas de pesquisas e de formulação de um pensamento que ia buscar na tradição popular nordestina elementos para criar um cultura erudita com DNA brasileiro. Naquela noite, foi realizado um concerto da Orquestra Armorial de Câmara e uma exposição de artes plásticas, com participação de artistas como Francisco Brennand, Manoel Arruda e Gilvan Samico, na Igreja de São Pedro dos Clérigos.

Ainda que só tenha sido oficializado no hoje icônico evento, o Movimento Armorial já ganhava corpo no projeto do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco, onde Ariano atuava. A nomeclatura transformava a palavra, até então apenas um substantivo que designa o livro onde estão registrados brasões, em um adjetivo, evocando, também, uma certa mística em torno de seu significado.

"Ariano falava que a arte amorial precedeu o movimento. Ele já vinha desenvolvendo esse pensamento há muito tempo, desde quando era estudante na Faculdade de Direito. Ao deflagrar o movimento, ele queria apenas reunir artistas que pensavam como ele, que faziam da cultura popular uma fonte de pesquisa, para que pudessem juntos discutir e se apoiar", explica Carlos Newton Jr, professor, pesquisador e especialista na obra do artista paraibano.

O objetivo era valorizar a cultura popular para que as pessoas passassem a admirar essas manifestações com outro olhar, entendendo a importância do romanceiro popular nordestino, da xilogravura etc. Ariano não tinha dimensão do impacto que o Armorial causaria."

Essa proposta intelectual e estética foi defendida pelo escritor até a sua morte, em 2014, e ganhou adeptos em várias linguagens artísticas, como música, teatro, dança, artes visuais e literatura. Ao longo das décadas, foi ganhando novos adeptos e, segundo Carlos Newton, continua pulsante nas criações de artistas e intelectuais que desenvolvem pesquisas a partir desse imaginário cultural popular celebrado por Ariano.

 

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Xilogravura de Gilvan Samico (1928-2013) - REPRODUÇÃO
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Alfabeto Armorial, criado por Ariano Suassuna - DIVULGAÇÃO
RODRIGO LOBO/ ACERVO JC IMAGEM
Ariano Suassuna faleceu aos 87 anos em 2014, no Recife - RODRIGO LOBO/ ACERVO JC IMAGEM
LEO MOTTA/ JC IMAGEM
Ricardo Gouveia de Melo, Manuel Dantas Suassuna e Carlos Newton Júnior trabalham nas edições póstumas de Ariano Suassuna - LEO MOTTA/ JC IMAGEM
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Capa do livro O Sedutor do Sertão, escrito em 1966 por Ariano Suassuna e que nunca havia sido publicado - DIVULGAÇÃO

"Ele estabeleceu uma poética, um caminho, e todo mundo que ainda segue conscientemente esses princípios, os reavalia, com eles experimenta, está fomentando o Movimento Armorial", enfatiza o pesquisador. "A arte armorial desafia os estereótipos que o Brasil ainda mantém sobre o Nordeste. É uma arte erudita feita a partir da cultura popular; não é comercial. Mescla os elementos das culturas originárias, ibérica e africanas para construir uma arte brasileira."

Para o artista visual Manuel Dantas Suassuna, filho de Ariano e de Zélia de Andrade Lima Suassuna, seu pai desejava que o Brasil fosse armorial. Com isso, não sonhava com uma cultura única, mas com a valorização da diversidade de cada região do país.

"Na visão dele, era preciso se aprofundar no Brasil, olhar para tudo que essa terra e seu povo produz, que é muito rico, com tantas manifestações como a literatura de cordel, a xilogravura, a música de viola, rabeca, pífano, que são elementos celebrados pelo armorial. Cada canto tem suas particularidades e, ao invés de querer uniformizar, a gente deveria celebrar o que faz cada lugar único. O que papai fez foi acender a centelha para essa importância de se olhar para o Brasil e valorizar nossa cultura", conta.

Dantas, cujo trabalho é fortemente influenciado pelos princípios armoriais, enxerga como um dos grandes legados do movimento as Ilumiaras, que seriam tanto espaços físicos (entre eles a Jaúna, na Fazenda Carnaúba, em Taperóa, a partir das indicações do próprio Ariano) quanto simbólicos de celebração à arte e a cultura.

"Esses lugares celebram o pensamento que Ariano fomentou e eram lugares sagrados para ele. Então, acredito que depois do encantamento de papai, estes são os principais símbolos do armorial agora. Acredito que estamos na fase das Ilumiaras e o que elas representam enquanto possibilidades de criação e de reflexão para a cultura", enfatiza.

Comemorações virtuais

O Interculturalidades, evento promovido pela Universidade Federal Fluminense, encerra hoje sua 10ª edição, que foi voltada para o cinquentenário do Movimento Armorial.

Às 16h, será transmitido no canal do YouTube do Centro de Artes UFF uma conversa em homenagem aos 65 anos do Auto da Compadecida, com participação de Matheus Nachtergaele e do diretor Amir Haddad e mediação de Inez Viana.

As atividades realizadas ao longo do evento, que este ano foi completamente digital, estão disponíveis no YouTube.

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