MEMÓRIA

Livro 7, de Tarcísio Pereira, foi retrato de um Recife plural, afetuoso e cultural

Amigos e frequentadores partilham histórias de quando Tarcísio Pereira, falecido na última segunda-feira (25) fez de uma livraria parte elementar da história cultural da cidade

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Nathália Pereira

Publicado em 31/01/2021 às 7:30 | Atualizado em 12/02/2021 às 13:13
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Quem fizer a experiência de buscar pelo nome de Tarcísio Pereira em plataformas de amizade virtual, vai se deparar com dezenas de declarações emocionadas ao pai da Livro 7. Muitas são relatos íntimos, de pessoas que partilharam com ele uma convivência de anos. Outras, confissões de longa admiração a distância ao editor e livreiro, falecido na última segunda-feira após complicações causadas pela covid-19. Todas, no entanto, comungam do sentimento de gratidão pelo homem que por 30 anos fixou no centro do Recife um espaço plural, afetuoso e eternizado como parte elementar da vida cultural da cidade.

Até pouco tempo antes de adoecer, Tarcísio se manteve ativo nas redes de comunicação digital. No perfil @tarcisiopereira.7, no Instagram, encabeçou dez lives comemorativas, nas quais convidou amigos, colegas e companheiros dos tempos de Livro 7 para relembrar histórias que tiveram sua antiga casa-paixão - que teria feito 50 anos em 2020 - como cenário. Lailson de Holanda, Cida Pedrosa, Suely Pereira e Raimundo Carrero entre eles.

Paulo Caldas, parceiro até o final da vida, foi o último entrevistado, na transmissão feita em oito de outubro. Por telefone, o escritor falou ao JC sobre a emoção de Tarcísio ao ler Nos Arredores da Livro 7, crônica em que Caldas relata detalhes do que viu e ouviu entre calçadas e corredores da livraria do fim dos anos 1970 ao início dos 2000:

"(...) o caráter empreendedor do Mister 7 foi além da prática das vendas com bom atendimento e ele transformou a livraria no lugar de eventos literários, promovendo lançamentos de livros de um tanto de notáveis; Gilberto Freyre, Miguel Arraes, Sidney Sheldon quanto de neófitos, numa média de dois eventos por semana. Naquele clima, de forma espontânea, foi criada a Calçademia da Livro 7. Esperto, Tarcísio colocou dois bancos de jardim na calçada e o resultado foram reuniões informais para a troca de livros, comentários sobre o mundo da literatura, a vida dos outros, poetas mostrando versos, lorotas (...)", diz em parte do texto.

"Certa vez, já tarde da noite, chegou um repórter da TV Manchete querendo entrevistar um escritor. Tarcísio disse a um funcionário chamado Da Vinci: 'Vai aí no bar e traz um escritor'. Fui, dei a entrevista, mostrei livros. Minha primeira entrevista para televisão, e foi por causa dele", recorda Paulo Caldas, aos risos.

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ENTUSIASTA

Ser contemporâneo da Livro 7 significava saber existir ali um ponto de apoio — físico e humano. Para o jornalista, ator e pesquisador em artes cênicas Leidson Ferraz, Tarcísio e seu xodó foram uma espécie de impulso principal para um adolescente petrolinense recém-chegado ao Recife e cheio de vontade de fazer teatro.

"Eu tinha 16 anos, fazia aula de teatro amador na escola e, em 1989, decidi montar uma versão de O Bem-Amado (Dias Gomes, 1962). Para isso, precisava de uma faixa, porque no início do texto o prefeito Odorico Paraguaçu faz um discurso em que usa esse tecido com a frase: 'Vote num homem sério e ganhe um cemitério'. Eu não tinha dinheiro para nada, então fui pedindo [a conhecidos] o que era necessário. Lembrei que Tarcísio patrocinava espetáculos, porque via sempre nos programas das peças a marca da Livro 7. Ele me deu a faixa, mas colocou a logomarca da livraria junto", se diverte Leidson. "Veja como ele era sensível, não patrocinava apenas o que lhe daria grande visibilidade. Foi um homem da área da cultura que apoiou muito as artes cênicas e a dança aqui".

Outro patrimônio da cultura local, o satírico Papa-Figo, jornal que Manoel Bione, Ral e José Teles publicaram a partir de 1984, foi mais um que contou com a forcinha de Tarcísio Pereira, patrocinador da publicação.

"Tem uma história muito boa que alguém contou no grupo Amigos da Livro 7. Um adolescente pobre ia todo dia à livraria para ler Guerra e Paz, de [Liev] Tolstói, depois deixava um papel marcando a página. Tarcísio viu e deu ordem para não venderem o livro. Ia doar ao garoto quando ele terminasse [a leitura], só que não o viu no dia em que ele terminou. Dizem que Tarcísio nunca vendeu o livro", narra José Teles. "Tarcísio dava livros, tenho alguns que me deu. Um deles é a história das big bands, uma maçaroca de umas 400 páginas", revela o crítico de música.

GERAÇÕES

Na vida do secretário de Cultura do Estado, Gilberto Freyre Neto, as recordações têm caráter familiar. "Diz muito respeito às visitas de quando meu pai, meu avô e os amigos deles lançavam livros, isso nos anos 1980, 1990... os fins de tarde em que eles compartilhavam daquele ambiente de muito boa convivência. Me impactou de forma marcante a quantidade gigante de livros de que dispunha, mesmo eu tendo nascido e convivido com meu avô e sua biblioteca vasta. Tudo ali tinha um relacionamento muito qualitativo. Tenho uma saudade enorme, a Livro 7 nos deixou uma carência grande, foi extremamente revolucionária", confessa à reportagem.

"O legado de Tarcísio está hoje nas grandes redes de livrarias, que a partir da Livro 7 estabeleceram o mesmo modelo", aponta Freyre Neto.

Foram tantos os causos que Tarcísio Pereira planejava um livro de memórias sobre as décadas em que a livraria era o seu dia a dia. Já entre as inúmeras mensagens de homenagem, a escrita pelo cineasta Kleber Mendonça Filho em sua conta no Twitter condensa bem a comoção deixada pela partida do Senhor Sete: "Tem gente que tem a capacidade de melhorar uma cidade. Tarcísio fez isso. Uma livraria gigante, que juntava e impactava as pessoas. Viva a Livro 7".

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