Um álbum que vai além do clássico

Publicado em 25/07/2021 às 10:00
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O que pode transformar um álbum num verdadeiro clássico? Há muitas respostas para essa questão. Há em quem diga que só tempo responde. Mas ele só poderá dar essa resposta diante de uma obra consistente, verdadeira, corrosiva, elétrica, atemporal, intensa. Cabeça Dinossauro é tudo isso. E me atrevo a dizer que vai além. Foi uma obra que marcou a vida das pessoas porque elas se identificaram com todo o seu conteúdo.

Não eram canções apenas para balançar o esqueleto, chacoalhar a cabeça e posar de roqueiro. Havia veneno dos bons para mexer com o 'establishment', sair da rotina letárgica que nos fazia engolir a realidade de um País que ainda estava doente pela ditadura. Era preciso dar "Porrada nos caras que não fazem nada". E os Titãs deram. Um porrada que ecoa os nossos ouvidos 35 anos depois.

O rock nacional viveu sua época de ouro nos anos 80. O boom foi gigante. As gravadoras estavam ávidas pelas novidades e pelos sucessos. Mas quando o mar já estava calmo, os Titãs lançaram no mercado um meteoro que não foi passageiro. Eclodiu na mente das pessoas um sentimento que estava quieto no subconsciente. Foi, sim, um divisor de águas na carreira da banda. Mas também foi na música brasileira.

Os Titãs não tiveram o menor pudor em mexer em instituições sagradas da sociedade. "Polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia", berrava Sérgio Brito em Polícia. "Eu não gosto de padre, eu não gosto de madre, eu não gosto de frei. Eu não gosto de Bispo, eu não gosto de Cristo, eu não digo amém", disparava Nando Reis em Igreja. Em meio a tantas canções pasteurizadas nas rádios, esses versos foram corrosivos.

Assim como Estado Violência, que não tinha dó do sistema penitenciário e governamental; Família, fazendo uma sátira à relação das pessoas nas suas casas, e Dívidas, contando a saga de um cidadão comum destruído pela realidade de um Brasil falido. Cabeça Dinossauro foi o retrato fiel de uma realidade difícil que vivíamos e não enxergávamos. Fazia total sentido o disco encerrar com a faixa hipnótica O quê?, de Arnaldo Antunes. Afinal, "O que não pode ser que não é?".

Palmas para os titânicos Charles Gavin, Paulo Milkos, Sérgio Britto, Nando Reis, Marcelo Fromer, Toni Belotto, Arnaldo Antunes e Branco Mello que já chamavam a atenção pela formação da banda. Um octeto fazendo sucesso era (e ainda é) algo raro. E não se tratava do caso de uma banda em que dois estavam à frente e os outros seguiam o rumo. Eram todos cabeças pensantes que amavam o ofício, respeitavam os seus espaços, que sabiam o que queriam, que depositaram toda energia num trabalho que elevaram os Titãs ao pelotão de cima da música brasileira.

Cabeça Dinossauro foi a síntese dessa postura. Pois eles foram verdadeiros, eles mesmos. Sem firulas e nem fingimentos. Sinto falta de uma obra assim no rock nacional: eterna, pulsante e que nos faça cantarolar versos tão duros quanto reais: "Porque aqui na face da Terra só bichos escrotos é o que vai ter". Visionários! (M.C.)

Marcelo Cavalcante, jornalista do SJCC apaixonado por rock in roll

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