Você sabia que o Recife já teve a maior fábrica de vinis do Brasil?
A partir da valorização do frevo e outros gêneros locais, a Rozenblit se tornou a maior fábrica de vinis na década de 1960
No contexto do mercado fonográfico brasileiro na década de 1950, um frevo pernambucano só era gravado após fazer um concurso e ser levado para alguma gravadora no Rio de Janeiro ou São Paulo. Idealizada por José Rozenblit, um pernambucano de origem judaica, a fábrica Rozenblit foi fundamental para mudar essa rota. O fundador era um autêntico fã do frevo e fez o ritmo voltar a ser escutado dentro e fora de Pernambuco. A ideia, que era inovadora para a época, acabou tornando o negócio na maior fábrica de vinis do Brasil, faturando um quarto da fatia do mercado nos anos 1960. Agora - quase 60 anos após sua fundação e fechando as portas na década de 1980 -, a gravadora retorna com seus principais materiais nas plataformas de streaming.
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A crise atingiu o grupo apenas nos anos 1980, com a chegada de grupos multinacionais ao Brasil, além das perdas de acervos decorrentes das enchentes da década anterior. A fábrica era localizada na Estrada dos Remédios, em Afogados, local atingido anualmente por grandes enchentes na Capital Pernambucana.
Conhecida por exportar o frevo nacionalmente e internacionalmente, a gravadora deu início a um projeto no ano passo, em plena pandemia da covid-19, disponibilizando seus catálogos no Spotify, Deezer, Tidal, Apple Music e YouTube. Segundo Hélio Rozenblit, filho do fundador e condutor do processo, digitalizar o acervo pode democratizar o catálogo de produções do selo.
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Ele relatou, em entrevista ao JC, que o processo não é tão simples quanto se imagina. "São obras importantes demais para a cultura sonora pernambucana para ficarem fora dos ouvidos da gente. Entretanto, é um trabalho muito demorado, temos muitas tapes a serem devidamente analisadas e para restaurar e digitaliza-las leva mais tempo do que se pode imaginar. O projeto nasceu justamente dessa importância, a meta é disponibilizar tudo que for possível, aos poucos chegamos lá", diz Rozenblit.
Boa parte do catálogo da gravadora já pode ser ouvida nas plataformas. "A começar pelo frevo,
temos a grande maioria das composições de Capiba, seja na voz de Paulo Molin, Claudionor Germano e Expedito Baracho, como, também, grande parte das obras de Nelson Ferreira já estão disponíveis para todos, como a famosa compilação em três volumes “50 anos em Sete Notas”, todos os volumes da clássica coleção “Capital do frevo” e etc. Com as novas adições, todos os psicodélicos que estão ao nosso alcance
também estão digitalizados: “Paêbirú”, “Flaviola e o Bando do Sol” e “Rosa de Sangue”. Da bossa temos Carmelia Alves, Claudette Soares, como exemplo. Sem citar o “Grande Liquidação” de Tom Zé e os álbuns de Bobby de Carlo", explicou Hélio.
PIONEIRISMO DA ROZENBLIT
Se hoje há uma discussão sobre a necessidade da descentralização da produção brasileira, hoje ainda focado em São Paulo e Rio de Janeiro, a Rozenblit trouxe um pioneirismo lá trás. E, não apenas se restringiu ao frevo, como também foi essencial para a música psicodélica pernambucana e a produção nas filiais de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
"Com o surgimento de uma gravadora/fábrica local nosso frevo pôde ser concebido tal qual idealizado pelo seu compositor em sua orquestração ideal, além de devidamente distribuído; isso comentando rapidamente sobre somente uma vertente do nosso acervo, sem contar os próprios psicodélicos e tantas outras contribuições que talvez, se não fosse o olhar local, não teria a sua grandeza atual, se, sequer, tivessem sido publicados", enfatizou Hélio Rozenblit.
Embora o mercado seja outro - e a produção musical seja destinada ao streaming -, Hélio aponta que a produção local perdeu o senso de pioneirismo que Pernambuco teve na música nacional. Com exceção do brega-funk, em que ele afirma o local de vanguarda nesse processo.
"Localmente, o que sinto é uma perda da consciência pioneira que sempre tivemos. Temos, sim, movimentos musicais muito interessantes acontecendo na nossa cidade, principalmente os de cunho mais popular, tal qual o passinho, porem sinto que as outras demonstrações musicais fiquem um pouco a desejar, não por ter composições ruins, ou músicos e intérpretes fracos, longe disso, tem gente com muita qualidade, entretanto o que falta aos meus ouvidos é o diferente, o ousado, às vezes fico pensando se não estou a ouvir uma música paulista ou coisa assim", complementa.
Dois novos lançamentos no streaming
"Flaviola e o Bando do Sol", de Flaviola, e "Rosa de Sangue", Lula Côrtes, são as duas novidades que a Rozenblit traz aos seus canais digitais. Ambos discos foram digitalizados pelo próprio engenheiro de som da época, Hélio Rozenblit, que está à frente do processo da gravadora. O material de Faviola foi lançado nesta sexta-feira (22), enquanto o de Lula vai ser distribuído no dia 29 de outubro.