MÚSICA

Ana Cañas celebra clássicos de Belchior, que completaria 75 anos, em novo disco; ouça as regravações

Sem planejamento comemorativo, o álbum "Ana Cañas canta Belchior" foi lançado nas plataformas de streaming

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Bruno Vinicius

Publicado em 27/10/2021 às 15:07 | Atualizado em 28/10/2021 às 11:27
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Belchior era intensidade. A marca presente no cantor cearense pode ser considerada uma das coisas que fizeram seu trabalho impactar tantas gerações futuras a ele. O sentimento que permeia suas canções é quase atemporal. Mas, ao reeditar o artista que faria 75 anos nessa terça-feira (26), a cantora paulista Ana Cañas escolheu a sutileza para interpretá-lo. Sem planejamento comemorativo, o álbum "Ana Cañas canta Belchior" foi lançado nas plataformas de streaming, na última quinta-feira (21), reunindo 14 canções de um dos maiores artistas da música popular brasileira. 

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O projeto surgiu a partir de uma live despretensiosa de Cañas, em julho de 2020, período em que as transmissões de shows caseiros e intimistas ditavam a música na pandemia da covid-19. Ela queria fazer um repertório autoral, mas a impossibilidade de utilizar algumas das suas canções - que pertenciam às gravadoras -, mudaram a rota e possibilitaram a homenagem a Belchior. Foram duas horas interpretando o artista, gerando comentários de fãs "belchioranos" de todo mundo: teve gente da Rússia, dos Estados Unidos e até do Canadá na live de Ana. Foram mais de meio milhão de visualizações no projeto, que está disponível no canal do YouTube da cantora.

O sucesso da performance de Cañas gerou uma comoção para que ela registrasse o material em estúdio. Os milhares de comentários sobre sua performance desencadearam em um financiamento coletivo para que o disco fosse produzido. Sem recursos para fazê-lo, ela credita o universo pelo trabalho que desenvolveu. "Eu acredito que foi um convite do universo. Eu acredito muito que as coisas têm energia, eu sou muito atenta a essas coisas que a vida traz", conta a artista, que gravou em estúdio sem perder a essência do que ela transmitiu ao vivo. 

"É um desafio maior que fazer um disco autoral. Porque é uma responsabilidade grande você mexer num legado, um legado que não é só do Belchior, mas também de outras cantoras que são cantoras incríveis que eu cresci ouvindo, como a Elis, a Elba e a Vanuza. Tem muitas mulheres incríveis que já gravaram, então eu tinha dois desafios. E ainda tem a particularidade do universo belchiorano, ele tinha muito o intenso, o visceral e muito atual", explica a artista sobre o processo de escolha.

Para o disco, houve a escolha de 14 músicas, que de certa talvez marcam a fase mais popular de Belchior. A abertura do álbum é feita com “Coração Selvagem”, imprimindo uma interpretação sutil e, sobretudo, feminina que acompanha os outros registros do material. “Sujeito de Sorte”, “Paralelas”, “Alucinação”, “Velha Roupa Colorida” e “Como Nossos Pais", famosa na voz de Elis Regina, podem ser ouvidas e, também, vistas na produção audiovisual para as plataformas.

"Curiosamente muita gente me pergunta por que será que as canções do Belchior são tão atuais. O disco "Alucinação", lançado em 1976, foi feito durante a ditadura, quando vigorava o AI-5. E hoje vivemos o momento em que um governo de extrema direita está no poder. Então, acredito que tudo isso entra em constante diálogo com o presente", afirma a cantora sobre a atualização do cantor, morto em 2017 em uma trajetória cheia de dúvidas, aclamação e revisitas à obra.

Para a interpretação, Ana Cañas quis colocar uma feminilidade - uma força que existe na mulher para transformar os escritos de um homem. "Você não consegue passar pelo Belchior como se fosse apenas um entretenimento. Não é possível, ele não permite. Ou você pula num abismo, no abismo da existência, ou você não vai chegar no coração das pessoas. Eu já sentia isso cantando ele ao vivo. Você precisa fazer um salto e repensar coisas sobre a sua vida, ele é de uma dialética muito forte entre a obra e a intérprete. Eu gosto dessa ideia de vozes femininas como um portal para composições masculinas".

Ela reflete sobre isso, enquanto revela suas inspirações e cantoras que ouviu enquanto crescia. "Cresci ouvindo Elis, Gal e Bethânia fazendo isso como ninguém e redirecionando músicas (escritas geralmente por homens) em versões definitivas. Porque mulheres têm um abismo singular, conhecem cerceamento e opressão de forma única e isso é traduzido no canto com uma força peculiar". 

Programa para o Globoplay

Em contrapartida, Ana Cañas também lançou um programa, que estreou no Globoplay nesta segunda-feira (25). Em “Sobrepostas”, também lançado no Canal Brasil, a cantora recebe mulheres (cis e trans) e pessoas não-binárias para conversas sobre sexo, prazer e autoconhecimento. O primeiro episódio teve participação da cantora baiana Luedji Luna.

"Esse programa era para ter sido filmado em 2020, mas por conta da pandemia só foi gravado agora. E acho esse programa muito massa, porque ele coloca uma nova perspectiva da sexualidade feminina e não-binária também. Temos mulheres trans, pretas, gordas, com deficiência física ou que vivem com HIV e temos uma intersecção muito necessária para o feminismo que eu acredito", frisa Ana sobre a nova atração.

 

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