MÚSICA

Baco Exu do Blues lança álbum e reflete: 'Criaram um amor que não foi feito para os negros'

Após emplacar dois álbuns de sucesso, rapper baiano retornou a Salvador e gravou "Quantas Vezes Você já foi Amado?", que versa sobre amor e afeto - ou a falta eles - na perspectiva de um homem negro

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Emannuel Bento

Publicado em 31/01/2022 às 20:29 | Atualizado em 02/02/2022 às 9:49
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"Talvez cantar sobre amor seja mais revolucionário", versa o rapper baiano Baco Exu do Blues em seu novo álbum de estúdio, lançado na última sexta-feira (28). Em "Quantas Vezes Você Já Foi Amado?", o artista usa do tema mais universal da música popular, o amor (ou a falta dele), para dar continuidade ao seu projeto musical que mescla rap, R&B, MPB e outros ritmos populares.

Baco sentiu o sabor do sucesso desde que ganhou os holofotes do rap brasileiro com a canção "Sulicidio", parceria com Diomedes Chinaski produzida por Mazili, ambos pernambucanos, para criticar rappers do Sudeste. Ele soube surfar na crista da onda, lançando dois álbuns que romperam o nicho do rap: "Esú" (2017), de influências religiosas, e "Bluesman" (2018), onde o ritmo norte-americano vira sinônimo para a prosperidade negra.

Após a euforia, chegou a calma. Na pandemia, o artista voltou para a terra natal, Salvador, e produziu o "Quantas Vezes Você Já Foi Amado?". Esse momento de volta às raízes, combinado à reflexão e autoconhecimento, resultou num álbum que retoma as sonoridades dos álbuns anteriores para falar de sentimentos e afetos - ou da ausência deles. Produzido por Marcelo Delamare, o disco traz beats de JLZ, Dactes e Nansy Silvvz.

WILLMORE/DIVULGAÇÃO
RAP Capa do álbum "Quantas vezes você já foi amado?", de Baco Exu do Blues - WILLMORE/DIVULGAÇÃO
WILLMORE/DIVULGAÇÃO
RAP Contracapa do álbum "Quantas vezes você já foi amado?", de Baco Exu do Blues - WILLMORE/DIVULGAÇÃO

Nessa obra, os flertes mais diretos com cânones da MPB são ampliados - tem samples de Gal Costa em "Lágrimas Negras", composição de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, gravada por ela em 1974; e de Vinicius de Moraes, em "Tempo de Amor (Samba do Veloso)", música do Poetinha com Baden Powell, gravada em 1966. Ainda traz trechos de Batatinha e Originais do Samba, além de áudios de personalidades da música da Bahia, como Ravi Lobo, do Rap Nova Era, JF e Polêmico, da Banda O Metrô, e o ator Leandro Ramos.

"Acho que o 'Quantas Vezes Você Já Foi Amado?' traz um Baco amadurecido, que não estava tão preocupado em falar de sentimentos imediatistas. Esse Baco conseguiu pensar, refletir e isso fez toda a diferença para mim, tanto no âmbito pessoal quanto no âmbito profissional. Me entender de uma forma bastante mais ampla, me deu força para chegar nesse disco", diz Diogo Moncorvo (nome de batismo do artista), em entrevista ao JC.

"A volta para Salvador teve uma influência porque eu precisava voltar para casa. Eu precisava do meu lar, do lugar onde consigo entender as pessoas, eu digo entender de fato", continua. "O reflexo disso é que consegui trabalhar melhor, compor. Acho que consegui pensar antes de falar. Eu consegui entender de onde vieram esses sentimentos, pude fazer uma análise muito forte."

Roncca/@roncca
Baco Exu do Blues - Roncca/@roncca

Nas composições, Baco fala sobre as nuances de como receber e dar afeto sendo um homem preto, especialmente na faixa introdutória, "Sinto Tanta Raiva", em que afirma: "Eu sinto tanta raiva que amar parece errado". A "solidão do homem negro", muitas vezes menos discutida - e tema do filme vencedor do Oscar "Moonlight" (2016) -, conta com o adicional de uma certa cultura da masculinidade que ensina os homens a não expressarem seus sentimentos.

Baco, no entanto, afirma que contou mais sobre a sua própria história. "Eu não quis abordar tanto uma questão de gênero. É uma pauta da falta do afeto ou do amor que todos nós negros passamos. Claro que não somos todos iguais, como um ‘bloquinho’ ou um grupo que sente as coisas da mesma forma", diz.

"Mas também acho que existe uma questão cultural muito forte: a ideia de onde vem o amor e quem foi que deu significado a isso. Quem representou o amor por muito tempo, quem fez ele ser válido ao longo da história, foram as pessoas brancas. Parece que esse amor que criaram não foi feito para negros, e isso é um pouco assustador. Por isso que questiono: quantas vezes você foi amado?'."

Essa figura branca que construiu a ideia de amor pode até ser exemplificada no próprio Vinicius de Moraes - "presente" no álbum - ou nos grandes nomes da historiografia da MPB. Apesar desses constantes flertes, Baco quer ser referenciado pelos feitos no rap. "Se o 'popular' for popular de sons do povo, eu gostaria dessa rotulação. Se o 'popular' for da MPB como gênero musical, não sei… Finquei raízes pela cultura hip hop. Eu faço música pro povo, então o 'popular' nesse sentido mais mais sentido.”

Baco, como sempre, não deixa de lado o seu jeito mais sacana, como em "Mulheres Grandes". O feat. com Glória Groove, "Samba in Paris", que já é a música mais ouvida do álbum no YouTube, é uma R&B envolvente. Ele explica que as parcerias surgiram de forma bastante orgânica. "Eram pessoas que admiro, talentosíssimas. A Gal, a Glória e todos os outros são artistas que eu queria ter a oportunidade de trabalhar junto de alguma forma, concluindo no resultado que está aí."

Antes do "QVVJFA?", o lançamento previsto do artista era o álbum "Bacanal", conforme ventilado para a imprensa. O álbum foi adiado. "O 'Bacanal' tem um peso maior, é bem doido e traz questões mais fortes. Já esse foi um impacto do momento, como uma preparação para esse próximo, que trará questões ainda mais profundas." Baco vai entrar em turnê com o novo projeto no Rap Festival, previsto para ser realizado entre 12 e 13 de fevereiro. As demais datas dependem do andamento da pandemia.

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