Com proibição de festas no Carnaval, artistas pernambucanos lamentam decisão do Estado
Segundo os artistas, shows e eventos privados foram cancelados de última hora, prejudicando o planejamento financeiro para as festividades
Atualizada às 18h25
Cancelamentos, prejuízo financeiro e estado emocional impactado. São efeitos que ocorreram aos artistas do Carnaval nesses últimos dias, diante das medidas tomadas pelo Governo do Estado sobre as festas privadas que estavam marcadas para o período de Momo. Na última segunda-feira (7), o Estado havia anunciado um arrocho nos protocolos para a realização de festas em Pernambuco, uma decisão que nesta terça-feira (8) foi anulada e substituída por uma total proibição.
Ainda antes da revogação — dos novos protocolos para a proibição —, os artistas já consideravam que o aperto à realização de shows e eventos privados chegara de última hora, prejudicando o planejamento financeiro.
Desde o primeiro protocolo mais restritivo, anunciado no início de janeiro, músicos, produtores e a cadeia criativa tentaram entrar em diálogo com o governo. No dia 13 de janeiro, um movimento chamado Eu Vivo de Eventos, organizado por promotores, músicos, técnicos e outros artistas, fez um protesto no Centro do Recife para conversar com a gestão estadual acerca das regras sanitárias anunciadas na segunda semana do ano. Chegaram a dialogar com alguns representantes do governo e alimentaram a esperança de que, após o dia 31 de janeiro — data em que vigoraria os protocolos de eventos até 3 mil pessoas —, haveria a possibilidade de ampliação das festas.
Dada a imprevisibilidade, alguns artistas mantiveram shows e outros eventos marcados para a época do Carnaval. Nena Queiroga, uma das figuras mais lembradas durante a Festa de Momo, era uma delas. Ela lamenta a impossibilidade de fazer shows no período. "Impactou bastante. Estou perdida e desnorteada, porque a gente tinha esperança de que as coisas fossem revistas. Eu esperava que esse pico [da covid-19] fosse cair e a gente tivesse notícias boas. Pediram pra gente esperar até o dia 15 de fevereiro, mas fomos pegos de surpresa mais uma vez. No ano passado, a gente sentiu e ficou triste coletivamente, sem vacina e com tudo fechado. Nesse ano, estamos vendo tudo funcionando, inclusive o transporte público lotado, e com a gente sem poder trabalhar", disse Nena, que foi uma das artistas recebidas por representantes do governo estadual no mês passado.
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"Nós não queremos auxílio, queremos trabalho. Muitas vezes sou tida como uma artista de Carnaval e em outras épocas do ano não contratam a gente. Eu espero o Carnaval para fazer os melhores shows, dar o meu melhor artisticamente, e não só no aspecto financeiro, mas no emocional também", continua Nena.
De acordo com a cantora, muitos músicos chegaram a vender instrumentos na pandemia e tinham pedido novos emprestados para tocar no Carnaval, pois ficaram dois anos sem realizar eventos. "Nós fomos muito impactados. Pensei em desistir da carreira, porque uma coisa era como no ano passado — uma coisa que paralisou o mundo. Mas agora, com todo mundo tendo dose de reforço e a gente seguindo os protocolos, cobrando cartão de vacinação e os testes, esperava que fosse melhor para a gente."
"Fico muito triste, porque sou uma defensora da nossa cultura. A gente já sofre para manter a chama do frevo acesa, imagina agora. Pelo menos se o governo tivesse uma postura de cuidar dos artistas e da cadeia produtiva... Até os próprios editais não contemplam totalmente a gente, se formos observar bem, porque temos toda uma equipe envolvida por trás para compartilhar os recursos", frisa a artista, que pontua a importância da vacinação e o combate à covid-19.
Para Rominho, vocalista do Som da Terra, a situação é quase a mesma. Ele, que chegava a fazer 18 shows no Carnaval, restava com últimos dois compromissos, que foram desmarcados anteontem ainda no anúncio do que seriam novos protocolos. "Hoje já soube que uma empresa que queria fazer uma folia própria, em que nós iríamos tocar, cancelou pela capacidade de seus empregados", contou o artista, ontem, antes de o Governo do Estado proibir totalmente.
"Tantos outros artistas vão perder", desabafou o cantor e músico, observando que, mesmo reduzidas, a situação já era perto do impraticável, porque seria difícil para o contratante fechar as contas entre o custo do artista e o que seria levantado com a bilheteria de apenas 300 ou 500 pessoas, como definiam as regras derrubadas ontem.
"A gente entende também que a doença está avançando, que de qualquer forma traz prejuízo para quem trabalha nessa época", frisa Rominho, que não depende totalmente da música, mas tem colegas fazendo outras atividades para sobreviver durante a pandemia.
A multi-instrumentista e cantora Bia Villa-Chan aproveitou o cenário para observar que, diferentemente das festas privadas promovidas por empresas, por exemplo — que, sim, representam um mercado para os artistas pernambucanos —, em muitas das prévias e camarotes que vinham vendendo ingressos para shows, faltavam artistas pernambucanos. "Nós não somos prestigiados por essas festas. Então, os artistas pernambucanos, fazedores da cultura — aqueles que, de fato, fazem o Carnaval de Pernambuco —, a gente já não vinha tocando."
Auxílios
Como uma forma de salvaguardar artistas e grupos musicais que trabalham no Carnaval, principal festa popular do Estado, o Governo de Pernambuco anunciou, no dia 27 de janeiro, um investimento de R$ 6,3 milhões em auxílios para a classe. Ao todo, 750 pessoas e agremiações serão atendidas diretamente com os recursos.
O valor deste ano é mais do que o dobro investido no ano passado, quando foram destinados R$ 3 milhões para contemplar 494 artistas ou grupos culturais. Em 2022, o edital prevê um piso de R$ 3 mil e um teto de R$ 30 mil para cada beneficiado, que serão pagos em parcela única. Durante a coletiva que anunciou o auxílio, o presidente da Fundarpe, Marcelo Canuto, explicou que, apesar de beneficiar até 750 artistas e grupos diretamente, há toda uma cadeia criativa impactada pela ajuda.
Já a Prefeitura do Recife lançou, em 14 de janeiro, o Plano Recife AMA Carnaval, que repartirá cerca de R$ 10 milhões entre coletivos, como agremiações e atrações artísticas, que participaram do Carnaval recifense em 2019 e/ou 2020.