Por que o forró eletrônico nunca sai de moda?
Vertente criada no Ceará no começo dos anos 1990 atualizou o ritmo para a juventude e deixou clássicos nostálgicos que atravessam gerações
Espaços como o Clube Internacional do Recife receberam, nos anos 1990, os shows das grandes bandas de forró eletrônico - estilizado ou até "romântico". Milhares cantaram as histórias de amor, de desejo e azaração. Hoje, mesmo não tendo mais uma programação fixa de shows, o evento "Forró das Antigas" ainda leva ao Internacional multidões que cantam, com todo o furor, como se o tempo não tivesse passado.
A grande repercussão do falecimento precoce da cantora Paulinha Abelha, vocalista da banda Calcinha Preta, mostrou como as celebridades criadas em torno dessa cena, ainda entre os anos 1990 e 2000, marcaram de alguma forma a mídia nacional. Mastruz com Leite, Limão com Mel, Magníficos, Cavalo de Pau, Cavaleiros do Forró, Desejo de Menina, Forrozão Tropykália são alguns dos grupos que, entre altos e baixos, deixaram hinos.
A vertente teve o seu marco inicial no Ceará, com as bandas do empresário Emanuel Gurgel, cujo maior sucesso foi Mastruz com Leite. Logo, a tendência se espalhou por todo o Nordeste, trazendo uma linguagem estilizada, eletrizante e visual, com shows repletos de brilho, iluminação e teatralização com dançarinos. Na sonoridade, um maior destaque para o órgão eletrônico, que tenta substituir a sanfona, além da guitarra, saxofone, baixo, teclados, bateria e percussão.
O gênero musical vem mostrando, desde então, que a nossa identidade não é estanque. No século 20, o forró foi o grande responsável pela consolidação do Nordeste no imaginário nacional, ao lado da imprensa e da literatura. A brecha que o eletrônico abriu vem trazendo atualizações de acordo com demandas geracionais, estéticas e do mercado. Aviões do Forró, Garota Safa e Saia Rodada, com as carreiras solos de seus vocalistas, também são nomes importantes desse processo.
"As novas gerações trazem novas vestimentas, performances, letras. Tudo isso dentro do aspecto do entretenimento, do lazer e, acima de tudo, do acesso. O fácil acesso que temos hoje faz parte desse consumo", diz Maria Érica de Oliveira Lima, pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará.
"Quando passou o primeiro auge do forró eletrônico, na virada do milênio, naturalmente as bandas envelheceram e algumas passaram por complicações financeiras. No entanto, elas ficaram na memória e no imaginário coletivo. Nos últimos cinco ou seis anos, vemos uma retomada natural, inclusive com programações de shows com vários grupos, os 'forrós das antigas'", continua a pesquisadora.
Muitas vezes essas bandas "das antigas" voltam com novas roupagens, tecnologias e fusões de novos ritmos. "Isso faz parte de uma sociedade que está em transformação, em transição, e vivemos isso em todos os setores. Certa vez me perguntaram se o forró eletrônico iria acabar, mas ele não vai, nem acabou, pois consegue trazer o clássico e as novas roupagens para as novas gerações, para a geração produtiva que está nas plataformas digitais. O ritmo consegue fazer parcerias com o sertanejo universitário, investir em outras linguagens, como vídeos e documentários."
Outro aspecto apontado pela pesquisadora é como o gênero trouxe um Nordeste incluído num processo tecnológico. "Desde o final dos anos 1990, as bandas já não precisavam sair do Nordeste para gravar CD no eixo Rio-São Paulo. O estúdio permanecia em cidades como Fortaleza, Recife ou Aracaju. Isso é bem diferente do cenário dos cantores ligados à MPB dos anos 1970, que precisaram migrar. Esse foi o principal ponto desse forró, que sempre esteve aqui e sempre estará, assim como o axé em Salvador ou o sertanejo em Goiânia".
'A música romântica é infinita'
Em Salgueiro, Sertão de Pernambuco, uma banda de bailes e desfiles do interior foi impactada pela inovação que emanava da capital do Ceará: a Limão com Mel. "A gente se renovou, adotando um repertório um pouco versátil, diversificando. Fazíamos canção de vaquejada, como 'Vaqueiro Ruim Que Dói', mas também tinham as românticas, como 'Um Sonho de Amor', 'Longe de Você', 'Meu Neguinho'", relembra o membro fundador Edson Lima, que deixou o grupo em 2001 para fundar a Gatinha Manhosa, onde também foi empresário.
Edson voltou à Limão recentemente, dividindo vocal com Adma Andrade. "Fomos a primeira banda pernambucana de forró eletrônico a ganhar destaque no cenário nacional. Apesar de eletrônico, sabíamos o que era raiz, o forró autêntico. Invocamos a batida da bateria, com solos de saxofone e guitarra", continua o cantor, que relembra de um grande evento no Recife na década de 1990: um show no Parque de Exposições do Cordeiro, juntamente com Magníficos, Caviar com Rapadura, Banda Brucelose e Mastruz com Leite.
Em novembro de 2021, a Limão gravou um grande show no Classic Hall, no Recife, com participação da própria Paulinha Abelha, junto com a Calcinha Preta. O evento também contou com Gusttavo Lima, Wesley Safadão, Xand Avião, Bruno e Marrone e Tarcísio do Acordeon. As faixas estão sendo lançadas aos poucos, a exemplo de "Vivendo na Solidão", com Nattan, e "Fantasias", com Tarcísio do Acordeon. A próxima será uma homenagem à Paulinha: "Te Querer Eu Já Não Quero Mais/Minha Vida sem Você", com a Calcinha Preta.
"Nos shows, todos os nossos fãs e os fãs das outras bandas cantam como se fossem músicas atuais. Entendo que não estamos vivendo só a nossa história, mas também a de grandes amigos e de fãs. Acredito que existe esse apelo porque a música romântica é infinita, ela jamais vai morrer. E o nosso forró eletrônico aderiu ao romantismo" continua Edson. "Temos um grande fã clube, em todas as gerações e todas as idades. No meu Instagram, a maioria dos meus seguidores tem de 20 a 25 anos".
'Só muda de nome'
Batista Lima, irmão de Edson que assumiu os vocais da Limão com Mel em 2001, costuma dizer: "Quando nos chamam de forró das antigas, até aceitamos. Mas como é que é a música das antigas se continuamos tocando até hoje?". A frase é repetida pelo atual vocalista, para exemplificar a questão.
Se nos anos 1990 a ideia de tecnologia estava atrelada à independência da produção, na atualidade mais uma vez o forró se mostra contemporâneo dos hábitos culturais. Mesmo durante a pandemia, que impossibilitou os shows, a atualização por meio das redes sociais trouxe o piseiro.
"Só muda de nome", opina Edson. "É forró, forró eletrônico ou estilizado, piseiro… Novas batidas, mas o forró continua em alta, representando o nosso Nordeste. Às vezes ficamos tristes com algumas músicas de duplo sentido, que não terão durabilidade, mas temos de respeitar porque a tecnologia vem trazendo isso. A juventude está vivendo o seu momento. Tivemos a nossa geração, e temos que respeitar a gestão deles. Todos os forrozeiros têm de tirar o chapéu para essa geração, pois a internet nos leva pro mundo inteiro".
A pesquisadora Maria Érica de Oliveira Lima finaliza afirmando que o Nordeste tem uma cultura muito rica e pode estar sempre mostrando o seu lugar e o seu papel. "Por conta dessa cultura tão forte, dessa identidade tão nossa, o Nordeste é um potencial. Pelo turismo, identidades culturais, religiosidade, cultura popular e a cultura de massa também, sem dúvida, é uma potência. Quem diz que não é, tem um recorte que passa pelo desconhecimento, pela ignorância e até pelo preconceito."