Manguebeat: 30 anos do movimento é comemorado com exposição, livro e documentário
Trinta anos do manifesto "Caranguejos com Cérebro", marco inicial do movimento, será celebrado com eventos e lançamentos no Recife
Como mostrar ao mundo que uma cena cultural existe? Há 30 anos, sem as redes sociais, os integrantes do manguebeat optaram por um manifesto. A publicação do texto "Caranguejos com Cérebro", em julho de 1992, é considerado um dos marcos iniciais do movimento, ao lado do lançamento do álbum "Da Lama ao Caos" (1994), de Chico Science & Nação Zumbi.
Escrito pelo músico e jornalista Fred Zero Quatro, da Mundo Livre S/A, o "Caranguejos com Cérebro” trouxe pela primeira vez termos como "manguetown" e "mangueboy", ainda tão usado por jovens nas redes, e toda a carga ideológica do movimento.
Muitos trechos seguem atuais, sobretudo aqueles que se referem ao Recife: "Nos últimos trinta anos, a síndrome da estagnação, aliada à permanência do mito da metrópole só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano", diz uma passagem.
A efeméride não passará em branco, pois vários eventos e lançamentos coincidiram com o aniversário. A exposição "Mangue 30", com curadoria do produtor cultural Paulo André Moraes Pires, deverá ser inaugurada no Museu Cais do Sertão em maio. No encerramento da mostra, Pires ainda lançará pela Cepe Editora o livro "Memórias de um Motorista de Turnês", trazendo, entre várias lembranças, sua experiência como empresário da Chico Science e Nação Zumbi nos anos 1990.
O documentário "Manguebit", do cineasta Jura Capela, será exibido pela primeira vez no Recife em sessão no Cinema do Porto, no Bairro do Recife, nesta quinta-feira (31), às 18h40. O longa reúne acervos e entrevistas que remontam à história da criação do movimento.
Solenidades
Em Pernambuco, a celebração pelos 30 anos do manguebeat começou em 13 de março com a reabertura do Memorial Chico Science, equipamento municipal localizado no Pátio de São Pedro, Centro do Recife. Ricardo Mello, secretário de cultura do Recife, pretende fazer uma agenda no Pátio de São Pedro. Também existem conversas com o Itaú Cultural, que recentemente fez a "Ocupação Chico Science", para compartilhamento do acervo.
Já nesta quarta-feira (30), foi realizada a solenidade que marcou a mudança do nome do Teatro Guararapes, que integra o complexo do Centro de Convenções de Pernambuco e passou a se chamar Teatro Guararapes Chico Science. Participaram secretários municipais e estaduais, artistas, além do irmão de Chico, Jefferson França.
Não estavam presentes, no entanto, membros da banda Nação Zumbi. No Twitter, o grupo se posicionou com críticas pela falta de convites. "Troca de nome do teatro [...] sem a presença de ninguém da banda e sem a presença de Tainá (filha de Chico ). Não dá, né?! Sem legitimidade", diz uma das publicações sobre o tema.
Documentário tem vasto acervo
"Manguebit" já foi exibido no Festival Internacional do Rio (RJ) e na Mostra de Cinema de Tiradentes (MG). O filme vem sendo montado por Jura Capela desde 2015. Ele integrou os coletivos artísticos Canal 03 e Telephone Colorido, tendo vivido a efervescência do mangue e feito registros de vários eventos. Muitos dos arquivos do documentário são inéditos.
"O filme tem um lado social importantíssimo, pois começou no Daruê Malungo. Fomos da cultura popular até o momento em que as bandas começaram a fechar contrato com as gravadoras. Temos Siba, Karina Buhr, Fábio Trummer, da Banda Eddie. Passamos pelo bar Soparia, onde Roger de Renor era um mestre que reunia todo mundo. Também trazemos o olhar da MTV, que tinha acabado de chegar no Brasil. A MTV foi uma peça bem importante na divulgação do manguebeat no Brasil", diz Jura Capela.
O diretor conta que as exibições nos festivais foram "avassaladoras". "As pessoas que viram ficaram impactadas, muitas delas falaram que era um filme para ver dançando. Acho que trazemos essa memória do que foi a cidade do Recife."
No Cinema do Porto, a conversa contará com Fred Zero Quatro, Dengue, baixista da Nação Zumbi; Paulo André Pires, produtor do Abril Pro Rock e empresário da Chico Science e Nação Zumbi nos anos 90; e também a jornalista Débora Nascimento.
Exposição vai relembrar os anos 90
A exposição "Mangue 30" vem sendo pensada desde antes da pandemia, mas o seu lançamento acabou coincidindo com a celebração. A mostra reunirá diversos objetos que revelam uma "memorabilia" das bandas de Pernambuco nos anos 1990. São cartazes, fitas cassete de bandas, flyers, fanzines, CDs demo que não chegam ao público, coletâneas gringas que agregam músicas do mangue. "Quem visitar, terá ideia de como a música era consumida nos anos 1990", diz o curador Paulo André.
"Também tem a parte de artes visuais. São quadros, esculturas e desenhos de artistas que foram visivelmente inspirados pela cena mangue. Temos, por exemplo, o cartaz do Abril Pro Rock feito pela Juliana Notari, desenhos de Enilton, dos Devotos, e esculturas do Jacaré, que trabalha com material reciclado. Desse último, temos uma escultura em tamanho real de um guitarrista todo de lata, com uma guitarra e fotos três por quatro de Roger de Renor e Chico", continua.
Por conta do Abril Pro Rock, que nos anos 1990 foi um dos principais eventos da música independente no Brasil, Paulo André recebia fitas de diversas bandas. A vontade do curador é espalhá-las pela exposição numa espécie de mapa do Brasil.
Memórias de um produtor-motorista
Paulo André Moraes Pires ainda lançará "Memórias de um Motorista de Turnês", que teve projeto aceito no edital Recife Virado, da Prefeitura do Recife. "A ideia veio durante a pandemia. Em 2020 e 2021 foram os aniversários de 25 anos das turnês internacionais do Da Lama ao Caos e Afrociberdelia, respectivamente. Por conta das datas redondas, me debrucei no meu acervo inteiro", conta.
"A princípio, eu achava que conseguiria escrever o dia a dia da turnê. Na pandemia, com a saúde mental abalada e o baixo astral generalizado, não deu. Mas consegui escrever muita coisa. O livro começa na época em que morei na região de San Francisco, na Califórnia, entre 1986 e 1989. Vi de perto algumas cenas musicais", continua.
Ativo no Instagram, Moraes Pires diz que existe um interesse dos mais jovens com fotos de viagens, pôsters de shows gringos e demais arquivos. "Noto que eles querem saber do que vivemos quando falo das turnês, dos lugares que passamos. Há um interesse muito grande. Foi por isso que acabei trazendo esse direcionamento para o livro", continua.
Nas turnês internacionais da Nação Zumbi, Morais Pires foi produtor, tradutor e motorista. "Não havia dinheiro para contratar motorista, pois a mão de obra nos EUA é valorizada. Daí veio o título do livro."