FIG 2022

FIG 2022: Cachês defasados desestimulam artistas locais, que ficam de fora da programação

Artistas alegam que participação no FIG se tornou inviável por valores de cachês que não compensam impostos, transporte, estadia e alimentação

Emannuel Bento
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Emannuel Bento
Publicado em 18/07/2022 às 16:12 | Atualizado em 20/07/2022 às 10:46
FELIPE SOUTO MAIOR/SECULT-PE FUNDARPE
FIG 2022 Comemorando 30 anos, depois de duas edições canceladas, festival acontece até o dia 31, somando cerca de 800 atrações, de linguagens artísticas diversas, em 25 polos - FOTO: FELIPE SOUTO MAIOR/SECULT-PE FUNDARPE
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O Festival de Inverno de Garanhuns de 2022 começou no último final de semana sob grande expectativa do público, que passou dois anos sem o evento. A perspectiva de retorno, no entanto, não é unânime entre os músicos pernambucanos.

Artistas alegam que a participação no festival se tornou inviável pelo fato de que os cachês oferecidos não conseguem mais comportar custos como impostos, transporte, estadia e alimentação, nada sobrando de lucro. Esses custos existem sobretudo para quem não mora no Agreste.

Após tanto tempo sem eventos, muitos não possuem dinheiro em caixa para cobrir essas despesas. E é preciso considerar que os pagamentos dos cachês são feitos depois do festival. A inflação, que cresceu consideravelmente nos últimos anos, é o principal fator agravante dessa realidade. O aumento dos preços desvalorizou os cachês estimados na pré-pandemia.

Como é estimado o cachê no FIG?

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FIG 2022 Artistas criticam cachês e sistema de contratação do Festival de Inverno de Garanhuns - PIXABAY

O artista que deseja se apresentar no FIG deve se inscrever no edital e dar uma proposta de valor que deve ser comprovada com, ao menos, três notas fiscais - sendo no mínimo duas notas de contratantes públicos. O inscrito vai aguardar a avaliação da comissão do mérito artístico-cultural, que irá propor um valor.

Quem não tiver comprovantes deverá ser pago com um valor estipulado por uma comissão interna, a partir de critérios como "consagração, mérito artístico e valor cultural", explica a Secult-PE-Fundarpe.

A Fundarpe afirmou para a reportagem que não existe um piso de cachê, mas as fontes ouvidas (artistas e produtores) dizem que os menores valores oferecidos costumam girar em torno de R$ 3 mil.

Cachês defasados desestimulam artistas locais

A cantora pernambucana Marília Parente, que também integra o projeto Avoada (com Juvenil Silva, Feiticeiro Julião e Marcelo Cavalcante), publicou um desabafo sobre o sistema de contratação e cachês do FIG ainda durante as inscrições para o edital.

Ao JC, ela disse que foi aprovada, mas não recebeu o convite. "Não sei se eu teria ido. A primeira questão é que não aceitam um MEI (micro empreendedor individual) na inscrição para tocar com banda. Na inscrição como pessoa física, o Estado fica com parte do cachê. Esse desconto tem um tamanho que nem vale a pena fazer o show, pois o dinheiro pago não cobre deslocamento, comida."

Marília ressalta que muitos artistas independentes também não possuem notas fiscais, já que muitas vezes tocam em eventos com contratações informais, a exemplo de "noites de voz e violão". Também existem músicos experientes que estão com projetos novos, que ainda não possuem comprovações. "Acho que isso tudo elitiza a música", resume.

Foto: divulgação
Música faz parte de álbum previsto para 2019. - Foto: divulgação

"No PSB, temos um problema grande de cachê e de se pagar o cachê depois dos eventos. O que deixo para reflexão, para sensibilização, é que as pessoas entendam que o FIG é um festival que só existe por causa da classe artística local: todo o esforço de pré-produção sai do bolso do artista local”, diz.

"Tem artistas de música que estão indo pro FIG no zero a zero, pois pensam na lógica de que a 'banda precisa' ser divulgada pelo FIG. O Governo acaba se apoiando nessas mazelas para justificar as coisas. Mas, na verdade, nós somos o FIG. O FIG não é de um Governo, pois a gestão muda. O festival segue existindo.”

O músico, compositor e produtor musical Yuri Rabid, integrante da Academia da Berlinda, diz que a banda até foi habilitada no edital, porém argumentaram que não poderia ser com o cachê proposto. Ele comenta que a banda está com o cachê defasado desde 2015, mas que o grupo já tem comprovações de cachês com o dobro do valor oferecido - além de shows lotados por várias capitais do país.

Divulgação/Bruna Valença
PERNAMBUCO Banda Academia da Berlinda - Divulgação/Bruna Valença

"Nos ofereceram um horário nobre no último sábado do festival pelo mesmo cachê de 2015. Sabemos que se oferecem um bom dia e horário dentro da grade do festival é porque sabem que a banda agrada uma boa parte do público, por outro lado há uma nítida falta de valorização", diz Yuri.

"Tocamos em 2017, lançando disco, no palco principal com o cachê mais baixo de todas as atrações. Para se ter uma ideia, a segunda atração com o valor mais baixo desse mesmo palco era o dobro do nosso cachê. Não podíamos fazer muita coisa, pois na época não tínhamos comprovações públicas maiores que viabilizassem perante os requisitos solicitados", diz.

O músico reforça a inviabilidade da ida até Garanhuns com o projeto, que tem sete músicos, equipe com roadies, técnicos e produção, somando 13 pessoas. "Todos os artistas e grupos, pelo menos os locais, recebem o cachê somente meses depois e precisam custear todos esses valores com recursos próprios."

O artista também alega sentir falta de comunicação com a gestão. "Na verdade, não existe uma discussão neste sentido entre artistas e festival. As condições são colocadas e não existe um espaço para o tipo de questionamento", diz. "A desvalorização dos artistas locais já se tornou uma cultura dentro da própria gestão cultural. Um paradoxo proporcional a clara falta de interesse dos gestores em mudar este cenário."

Artistas desistem de edital do FIG

Logo quando a programação do FIG foi publicada, a cantora e multi-instrumentista pernambucana Bia Villa-Chan publicou um vídeo para explicar aos seguidores que não se inscreveu no edital pela questão de cachê.

De acordo com ela, a sua referência de cachê na Fundarpe era de um valor pago pela fundação para um pocket show (show reduzido) no final de 2021. Esse mesmo cachê seria oferecido para o FIG, então ela tentou entrar na programação como artista convidada (como ocorre com muitos nomes de fora do Estado), o que não foi possível.

"Somos a classe mais atingida pela pandemia. Após dois anos, deveria existir um olhar mais sensível por parte dos governantes, do poder público e da gestão cultural. Um olhar mais empático. Mas isso não existe no momento em que se pensa, por exemplo, em cancelar o São João. Estamos sofrendo há quase três anos", diz Bia Villa-Chan.

Marcelo Silva
O vídeo da música inédita foi gravado no Hotel Central e propõe um carnaval vertical, respeitando o distanciamento social, mas com uma mensagem de esperança. - Marcelo Silva

A cantora também opina que enxerga o sistema de contratação do festival como uma "incógnita". "A curadoria é uma caixa de surpresas. Não vemos critérios objetivos, por mais que o artista tenha relevância artística, cultural e exposição na mídia, ele pode não tocar por esbarrar em burocracia de três notas fiscais. Já outros artistas repetem suas apresentações anos após anos", diz Bia.

"Sempre se impõe muito empecilho e burocracia. É preciso desburocratizar a cultura, pois as pessoas desistem de fazer cultura por conta isso. É mais fácil não fazer", pede.

O músico Fred Caiçara também desistiu do edital neste ano. "Não me inscrevi, pois não conseguiria fazer o show se mantivessem meu valor de cachê de 2015, além do desconto de imposto", diz o artista.

HEBERT C. SILVA/DIVULGAÇÃO
MÚSICA Cantor e compositor pernambucano Fred Caiçara - HEBERT C. SILVA/DIVULGAÇÃO

"A primeira coisa que dificultou foi não aceitarem o MEI, pois quando toquei em 2015 aceitavam. Ter que pagar 26% de imposto ou procurar uma empresa para ser contratado é totalmente excludente. Isso não cabe", reclamar

"Já em relação aos valores, é uma questão clara e simples. Todo ano estamos sofrendo sob efeito de inflação. Por outro lado, temos as grandes contrações. Para a galera daqui, não ficam tão claras essas questões. Para mim, é excludente", continua.

O que diz a Fundarpe sobre os cachês

Questionada se existe alguma discussão sobre aumento de cachês, a Fundarpe informou que uma "portaria interna foi publicada em junho passado para reajustar em 33,65% os cachês dos grupos e artistas da cultura popular. Esse aumento contempla as atrações do FIG 2022".

"O que define o valor do cachê é o mercado: o artista ou grupo apresenta uma proposta com comprovação de, ao menos, três notas fiscais, sendo no mínimo duas notas de contratantes públicos (prefeituras, órgãos estaduais ou federais...), podendo ser a terceira de empresa privada. Como órgão público, a Fundarpe usa como valor de referência os cachês pagos por entidades públicas", explica, sobre as contratações.

Sobre a impossibilidade da contratação como MEI, a gestão diz que "para artistas individuais, é permitida a contratação como Microempreendedor Individual (MEI)". "Mas como o próprio nome diz, o MEI é individual, não contemplando grupos ou coletivos, visto que essa modalidade de empresa restringe a representação de qualquer um que não seja ele/ela mesmo/mesma".

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