A chegada do Carnaval de 2023, o primeiro desde 2020, voltou a expor os desafios que o Governo de Pernambuco terá para continuar garantindo o caráter democrático e popular da festa.
O Governo investirá R$ 24 milhões no Carnaval, sendo R$ 10 milhões na contratação de artistas para os períodos carnavalesco e pré-carnavalesco através da Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur) e Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe).
O apoio ocorre para manifestações tradicionais como maracatus, caboclinhos, cavalos-marinhos, agremiações de frevo e outros. Oitenta cidades receberão apresentações, com mais de 500 apresentações contratadas. De acordo com o Governo, os artistas contratados terão um aumento de 34% em seus cachês, tendo como base valor pago em 2018.
Mas para além do aumento de cachês, pauta constante da classe, muitos artistas e produtores têm questionado a forma da seleção realizada.
Atualmente, o Governo de Pernambuco, por meio da Secretaria de Cultura/Fundarpe, lança a Convocatória de Carnaval 2023 com o objetivo de habilitar propostas de artistas, grupos, orquestras e agremiações tradicionais para compor a programação.
No entanto, as contratações acabam sendo finalizadas pela prefeituras. A gestão de cada município atua junto ao Governo para garantir um determinado valor de recursos para a festa. A Fundarpe também oferece os artistas aprovados e a própria Prefeitura irá selecionar quais deseja.
"Assim, o artista precisa fazer um movimento duplo, pois precisa garantir a contratação junto ao Governo e também fazer um lobby junto às prefeituras. Ele acaba sendo mais prejudicado. Muitos artistas acabam se inscrevendo em dois editais, fazendo pressão dos dois lados para serem convidados. Isso vai gerando um problema bem grande”, diz o produtor cultural e pesquisador Rafael Moura.
Para ele, a atuação do Governo do Estado nos ciclos festivos têm um aspecto “particularmente desafiador”, pois a política atual “transforma a festa em balcão de negócio entre o Estado e os Municípios”.
"Os artistas são mera moeda de troca. É uma política pública desenhada não para afetar diretamente o setor produtivo da cultura, mas para contemplar negociações político partidárias que estão além da nossa observação mais direta. O modelo está saturado e não contempla as necessidades dos trabalhadores da cultura. É preciso encontrar alternativas. E isso só será possível escutando os trabalhadores."
Jadion Helena, produtora e articuladora cultural que integra o ACORDE - Levante Pela Musica PE, ressalta que a autonomia da Fundarpe como executora de política culturais é um dos maiores desafios para o Governo.
"A Fundarpe lança um edital e quem faz as programações são as cidades. Isso é um modelo antigo e ruim, porque a gestão estadual pode até reconhecer a importância de um maracatu de baque solto, de um afoxé, de um determinado artista, mas as cidades não vão pensar dessa mandeira", diz Jadion.
"Isso prejudica a qualidade e a acessibilidade das programações. Tem gente que se inscreve por vários anos, se habilita e não entra na seleção. Se a Fundarpe tivesse mais autonomia, teríamos mais diversidade da cultura do Estado. Mas, se deixarmos isso na mão dos prefeitos, surgem outros problemas. Eu já ouvi gestões dizerem que não contratam coco. Quando você olha a programação, existe um destaque para o que é comercial, que é o que eles entendem que é bom para a cidade."
Em 2022, uma portaria atualizou em 33,65% os valores de apoios praticados pela Secult/Fundarpe para contratações artísticas das expressões pernambucanas reconhecidas como cultura popular e tradicional, das artes circenses e dos patrimônios imateriais registrados no estado de Pernambuco.
Até 2022, artistas e bandas de música recebiam sempre os valores das três últimas notas para o Governo do Estado, sem qualquer reajuste num país em que o custo de vida tem aumentado. Em novembro, após a vitória de Lyra, Paulo Câmara (PSB) concedeu um aumento de 33,65% nos valores das notas. A implementação dessa mudança ficou para o governo de Raquel Lyra.
Logo que assumiu o cargo, o secretário Silvério Pessoa afirmou que a questão dos cachês seria prioridade. "Como artista, eu convivo com essas demandas. A gente precisa rever essa questão do pagamento, mas não é apenas uma atribuição só nossa. É uma atribuição coletiva, entrando no planejamento, orçamento”, disse, ao JC, em janeiro.
"Após a publicação dessa mudança no Diário Oficial, nenhum dos artistas recebeu o aumento de imediato. A valorização dos cachês da cultura popular foi efetivada, mas os da música ainda demorou", diz Jadion Helena.
Para Rafael Moura, valores e atrasos são problemas importantes. "Mas acho que a gente fica preso nisso, em grande medida por causa da inépcia da gestão em resolver essa questão, e acaba deixando de lado questões mais profundas e relevantes."
"A compreensão de cultura que será utilizada pela gestão (se cultura como "produto e mercado" ou como "processo e cidadania") vai ter um desdobramento mais profundo na política desenvolvida do que esses problemas burocráticos como o valor do cachê, os atrasos no pagamento e as formas de comprovação. Novamente: os cachês são problemas que precisam ser enfrentados, mas não devem ser a principal bandeira da gestão", opina.