'Se no Brasil existe um ferida, em Portugal existe um coma colonial', diz recifense com exposição no Porto
Oscar Malta instiga uma reflexão sobre a Exposição Colonial do Porto, realizada há exatos 90 anos: 'Os museus, junto com as igrejas e a própria academia, foram esteiras dos processos colonialistas'
Doutorando na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, o cineasta e fotógrafo recifense Oscar Malta tem buscando entender o nascimento da ideia colonial em suas pesquisas - as "imagens anticoloniais" são um dos principais temas de seu interesse.
Essa reflexão está presente na sua recente mostra, "Não Visite A Exposição", em cartaz no Centro Comercial de Cedofeita, no Porto. O trabalho está localizado especificamente no Lote 67, espaço que historicamente abriga trabalhos mais alternativos, sendo gerenciado pelo artista português Silvestre Pestana.
"Não Visite A Exposição" instiga uma reflexão sobre a Exposição Colonial do Porto, realizada há exatos 90 anos, em 1934. Nesse tipo de exposição, que existia nas potências da Europa no século 20, pessoas trazidas de colônias eram expostas ao público - configurando uma humilhante situação.
Nesta mostra, Malta segue o seu estilo de sobrepor fotografias, elementos gráficos e recortes de arquivos. As colagens ficam em uma vidraça, questionando a Exposição Colonial e o próprio espaço expositivo. Assim, o artista desafia o visitante a imergir nas complexas camadas desta narrativa.
Arquivos coloniais como 'imagens de guerra'
"Até 1952, existiam esses zoológicos humanos, chamados de 'exposições coloniais'. Em 1934, ocorreu a primeira exposição desse tipo em Portugal, que foi a Exposição Colonial do Porto. O Brasil já não fazia parte das colônias, mas eles trouxeram pessoas de Moçambique, da Angola e da Guiné para ficarem expostas no Palácio de Cristal do Porto", explica Oscar Malta, ao JC.
"Em 1931, em Paris, surrealistas liderados por André Breton resolveram fazer um evento político para protestar contra esse tipo de exposição. Foi a mostra 'Não Visite a Exposição Colonial', instigada pelo protesto de um estudante vietnamita", continua, justificando o título do atual trabalho.
Aproveitando os 90 anos dessa "atrocidade colonial", Oscar Malta mergulhou no acervo fotográfico de Domingos Alvão (ligado do Estado Novo de Portugal) para jogar luz nesses arquivos como "imagens de guerra".
'Não existe pós-colonial'
"Escolhi Portugal para o doutorado justamente para entender o nascimento dessa ideia do colonizador. Essa exposição questiona exatamente a pós-colonialidade. Não existe o pós-colonial quando a maior fronteira do Brasil é com a França (Guiana Francesa). A França ainda imprime dinheiro de oito países da África", diz Malta, que prefere usar o temo "anticolonial".
O artista segue uma linha de pensamento em que a noção de "pós-colonialismo" pode ser interpretada como uma tentativa de "esconder" a continuidade da opressão colonial, evitando uma verdadeira responsabilidade pelos danos causados durante o período.
"Faço uma provocação em Portugal, um país que hoje trata Madeira e Açores enquanto 'territórios ultramar'. A xenofobia tem crescido aqui. Você só descobre isso quando vem viver e sentir. Eu digo que se no Brasil existe uma ferida colonial, aqui existe um coma colonial."
Sobre o formato experimental, Malta aponta um questionamento sobre o próprio espaço expositivo. "Acredito que os museus, junto com as igrejas e a própria academia, foram esteiras dos processos colonialistas. Eu não consigo desassociar a modernidade da colonialidade. Assim, o conceito de pós-colonialidade é uma ideia europeia também."
"Está ocorrendo uma revolução"
Oscar Malta afirma que a discussão sobre os malefícios do colonialismo segue sendo um tabu em Portugal. "Existe um problema grave em aceitar. Ao mesmo tempo, acho que os brasileiros estão fazendo um trabalho forte e importante, inclusive dentro da academia", opina.
"Está ocorrendo uma revolução. No meu caso, ao invés de guilhotina, uso tesouras, papéis, imagens e fotografia", finaliza.
SERVIÇO
"Não Visite A Exposição"
Onde: Lote 67, Centro Comercial de Cedofeita, Porto
Quando: até 6 de fevereiro de 2024
Visitação: de segunda a sábado, das 10h às 20h