MÚSICA

Aos 80 anos, Chico Buarque continua a inspirar e provocar

Homenageado pelo Prêmio Camões, novo octogenário incorporou a imagem de um cancioneiro contemporâneo que se confunde com a ideia de MPB

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Emannuel Bento

Publicado em 19/06/2024 às 12:49 | Atualizado em 19/06/2024 às 12:49
Notícia

Sentado com violão, entoando composições de crescente riqueza poética e engajamento político, Chico Buarque converteu-se em uma espécie de cânone brasileiro. A sua imagem do cancioneiro contemporâneo é a que surge no imaginário coletivo logo quando se pensa em MPB - movimento cuja criação teve o artista no "olho do furacão".

Chico completa 80 anos neste 18 de junho, entrando para o rol de medalhões octogenários junto a Gilberto Gil, Milton Nascimento e Caetano Veloso. O conjunto da sua obra permanece importante para entender o Brasil em perspectivas culturais e históricas - visões que partem do seu lugar social e político, claro.

Thiago Lucas/ Design SJCC
Chico, 80 anos - Thiago Lucas/ Design SJCC

De acordo com o Ecad, Buarque tem 537 obras musicais e 1.302 gravações cadastradas na gestão coletiva da música - em tempo, "Iolanda" (sua parceria com o cubano Pablo Milanés) é a canção mais executada. Além da música, sua produção se desdobra ainda em trilhas de filmes, teatro e balés, peças teatrais e literatura, dominadas, todas, com reconhecida desenvoltura.

Elogiado desde o princípio

"Lindo, tímido e triste". Assim Clarice Lispector descreveu Buarque em seus primeiros anos em evidência nacional, quando conquistou reconhecimento de crítica e público logo quando lançou os primeiros trabalhos. Catapultado no contexto dos festivais de música popular, foi acolhido pela geração de Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Elizeth Cardoso.

Essa primeira fase, no começo da ditadura militar, é marcada por composições "nostálgicas" na busca por um tempo de paz e liberdade que se perdeu e não retorna; a exemplo da própria composição "A Banda", com Nara Leão, de 1966.

Nas manifestações populares descritas nas canções dessa fase, há um significado de quebra do silêncio das pessoas injustiçadas por um regime que estabelece as condutas, embora ainda não fosse tão evidente.

Cunho político

Com o acirramento da repressão e da censura do regime militar, começa a "segunda fase" da carreira de Chico, a partir da década de 1970. Nessa época, revela um contundente senso crítico, que buscava acessar o que havia de mais íntimo do cotidiano,

Chico buscou compreender o da a dia daqueles que o poeta considerava como excluídos do sistema que prometia, a todos, participação no desenvolvimento econômico do país. O fruto direto desse pensamento é "Construção" (1971), um dos maiores discos da música brasileira. A faixa-título tem uma poética quase matemática.

A verve política também esteve no teatro: a peça "Roda Viva" de 1968, foi um grande marco na mudança de visão do poeta. O espetáculo representou uma denúncia da opressão imposta pelo regime, a partir do AI-5. A "agressividade" do espetáculo serviu como crítica às imagens manipuladas pela indústria cultural, tanto da realidade brasileira, quanto do próprio Chico Buarque - até então retratado pela mídia como o eterno "bom moço".

A peça "Calabar" (1973), que escreveu com o cineasta Ruy Guerra, foi proibida na íntegra, e discos como "Chico Canta" (1973) e "Sinal Fechado" (1974) chegaram às lojas com cortes. Suas aparições e gravações eram sempre aguardadas com ansiedade, pois, para muitos, era praticamente a única forma de se poder "falar" pela voz do compositor.

Pós-ditadura

Com o alvorecer a redemocratização, que também trouxe diversos desafios ao País, Chico gravou trilhas-sonoras para o cinema e muitos discos ao vivo. Ele enfatizou, inclusive, sua produção literária, publicando os romances Estorvo (1991) e Benjamim (1995), depois transformados em filmes. Os álbuns inéditos também estão lá, mas nada tão emblemático como nas duas primeiras fases.

Consumido por um nicho mais atento à técnica e poética, ele prezou por essas duas questões no que veio a seguir, incluindo no seu disco de estúdio mais recente, "Caravanas" (2017). Na faixa-título, se reinventa ao dialogar com o funk, com uma letra que denuncia a segregação racial ainda vigente: "a gente ordeira e virtuosa que apela / pra polícia despachar de volta / o populacho pra favela / ou pra Benguela, ou pra Guiné".

Em 2023, recebeu o Prêmio Camões, o mais importante do mundo literário lusófono. Chico segue criando, e até revisando o que fez no passado, a exemplo da alteração da letra original de "Beatriz" - Ao invés de "será que é divina a vida da atriz", ele pede para que agora se cante "será que é divina a sina da atriz". Chico continua a nos inspirar e provocar, mantendo sua obra relevante e vital.

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