'Existe pop em Pernambuco, e não é um pop preguiçoso', diz Uana, que lança primeiro álbum
Em 'Megalomania', cantora usa a música urbana como 'guarda-chuva' para trabalhar ritmos pernambucanos: 'Brega-funk é uma música eletrônica brasileira'
A "megalomania" é um traço da identidade recifense já bastante antigo e cada vez mais difundido nacionalmente através da cultura digital. Também está presente na ambição da cantora recifense Uana, que migrou do alternativo para o pop em busca de espaço no mainstream, ainda pouco ocupado pelos artistas pernambucanos da nova geração.
Por isso, "Megalomania" também é título de seu primeiro álbum, lançado nesta quinta-feira (26) nas plataformas de streaming. "Queremos, sim, estar nesse lugar porque isso remunera e dá estabilidade para as nossas carreiras", diz Uana, ao JC.
Em 13 faixas (sendo 12 inéditas), a cantora dá continuidade à estética que vem explorando desde os lançamentos de seus diversos singles. A música urbana torna-se um guarda-chuva para agregar ritmos pernambucanos, sobretudo o brega e o brega-funk, flertando com afrobeat, house e funk paulista.
"Com esse álbum, quero transmitir que existe um pop em Pernambuco, e não é um pop preguiçoso. Nós aprendemos a sintetizar a cultura local. O brega tem muito do pop. Conseguimos fazer um pop que tem cara de pop brasileiro. O brega pode ser muito regional, mas soa como uma música do Brasil. O brega-funk é uma música eletrônica brasileira", continua.
"Temos esse desejo de grandeza, desde o manguebeat, onde mesclamos pop com rock, até a inclusão de trechos em inglês na música. O título é muito por conta disso. Eu sinto que está muito encaminhado também."
'Célula do brega'
Os produtores do disco são Barro e Guilherme Assis, já conhecidos por um "pop tropical" - Barro já trabalhou com a baiana Rachel Reis, por exemplo. Outros produtores pernambucanos foram convidados WR no Beat e Marley no Beat, conhecidos pela larga experiência no brega-funk, além de Eutymio, Tom BC (do Estesia) e BJ3.
Entre eles, um paulista: Mu540 (SP). "Ele não tinha uma relação com o brega-funk, mas pensou como poderia trazer as suas referências do funk paulista, com outros moldes. Foi massa porque pude encontrar os produtores. Também fizemos um house, um brega rave para a pista. Até para os meninos, foi uma forma de sair um pouco da zona de conforto. O Marley, mesmo sendo próximo do brega, produziu um afrobeat", diz Uana. Outras participações são Rachel Reis e Mago de Tarso (PE).
"Escolhi passear por caminhos diferentes no álbum, mas sempre conectado pelo brega, se não em todas, em quase todas as faixas. Vejo muita gente fazendo pagodão, com sons que estão se repetindo nitidamente. Eu queria muito que a célula do brega estivesse na música. Às vezes, os produtores vinham com uma abordagem mais baiana, e eu dizia: vamos para o pernambucano, vamos para o brega. Não vemos muito o brega inserido nacionalmente. É difícil saber onde as músicas vão tocar em termos de playlists. Temos um super gênero aqui, com um potencial pop muito grande."
'O que fortalece o pop são as festas da cidade'
Se Uana vive o desafio de levar a sonoridade brega para o âmbito nacional, o próprio trabalho na cena local constitui um outro desafio: o Recife não tem uma cena pop consolidada. "Aqui, não sou brega, sou do pop alternativo", diz.
"Temos artistas incríveis, mas poucos espaços e um mercado saturado, com cancelamentos recentes de eventos. Se pensar nos principais festivais, já toquei em todos (Coquetel Molotov, Wehoo, Guaiamum Treloso). Aqui não tem muito onde circular”, conta.
"Algo que fortalece muito quem faz pop aqui são as festas da cidade. Eu devo tudo à galera que move a cena da noite, pois vim desse lugar, produzindo a festa Batekoo Recife no passado. Temos uma programação restrita de ciclos festivos, como o carnaval. Não temos muitas casas de shows e não é fácil fazer as pessoas pagarem por ingressos. É bem desafiador, mas busco quebrar essa fronteira."
Atualmente Uana é uma das artistas do casting Alerta Experimente, dos canais BIS e Multishow (Globosat), que visa acelerar a carreira de artistas em destaque na cena independente. O nome da pernambucana figura ao lado de outras quatro artistas (uma de cada região do País). Todas elas possuem clipes exibidos nos intervalos dos canais, além de participações em programas, como TVZ. "Ajudou muito porque não pago jabá na rádio. No streaming, todo meu crescimento foi orgânico."
'Estamos vivendo uma expansão da música pernambucana'
Desde que Uana iniciou a atual fase de sua trajetória, em 2021, com "Mapa Astral", diversos outros artistas também vinham surgindo como sonoridades que buscavam mesclar o local e o global. "Barbarize, Jáder, Sofia Malta, Joyce Alane, Bela Maria, Bela Kahun e o próprio Mago de Tarso, que colaborou no álbum e está em um local mainstream, colaborando com o Xand Avião. Acho que está rolando algo, sim, como uma expansão da música", reconhece Uana.
"Nos últimos três ou quatro anos, muitas carreiras surgiram, também de DJs. Muitas festas, coletivos de música eletrônica e urbana. O brega-funk é música eletrônica, temos uma dificuldade de enxergar isso porque é muito acessível, sendo possível produzir beats com um computador simples. Vi gente falando que a música 'Dono da Porsche', do MC Reino, estava no tom errado, mas a música bombou. Temos um movimento de música urbana aqui na cidade."
Com "Megalomania", Uana espera que o público sinta essa pulsão que emanava do Recife de alguma forma. "Não sei que as pessoas vão achar, mas espero que elas sintam um desejo de dançar, de sentir, de viver. Algo que me move muito é a dança. Eu gosto de estar nos rolês, fiz músicas pensando nessas pessoas. Vivemos a noite, gostamos de ouvir música."