Há 20 anos, grupo independente impulsiona teatro negro no Recife

Coletivo O Poste vem se destacando com montagens de espetáculos, pesquisas teatrais, oficinas e cursos realizados em sua sede, na Boa Vista

Publicado em 19/11/2024 às 16:22 | Atualizado em 19/11/2024 às 21:49
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Há 20 anos, nasceu no Recife uma iniciativa que trouxe novas perspectivas para se pensar o teatro negro e antropológico em Pernambuco: o grupo independente O Poste Soluções Luminosas.

Desde sua fundação, em 18 de novembro de 2004, o coletivo vem se destacando com montagens de espetáculos, pesquisas teatrais, oficinas e cursos realizados em sua sede, na Rua do Riachuelo, 641, Boa Vista.

O nome do grupo nasceu da ideia inicial de focar na luz cênica teatral, mas sua trajetória logo iluminou outros caminhos. O primeiro espetáculo, "Cordel do Amor Sem Fim" (2009), trouxe à cena um texto de Claudia Barral.

MARCELO LYRA/DIVULGAÇÃO
Imagem do espetáculo 'Cordel do Amor Sem Fim', do grupo O Poste Soluções Luminosas - MARCELO LYRA/DIVULGAÇÃO

Desde então, vieram montagens marcantes como "Ombela" (2014, de Manoel Rui), "A Receita" (2014, de Samuel Santos) e o musical "O Irôko, a Pedra e o Sol" (2022), com elenco e músicos negros.

"O teatro negro nasce da necessidade. Os grupos se juntam, se olham entre si, se reconhecem como pessoas pretas e começam a se questionar sobre o tipo de teatro que fazemos", diz Naná Sodré, fundadora ao lado de Agrinez Melo e Samuel Santos, em entrevista ao JC.

Repensando o conceito de teatro

FANNY FRANÇA/DIVULGAÇÃO
Samuel Santos, Naná Sodré e Agrinez Melo, fundadores do grupo O Poste Soluções Luminosas - FANNY FRANÇA/DIVULGAÇÃO

Para Naná Sodré, a missão do grupo vai além do palco. Trata-se de ampliar o entendimento sobre o que é teatro e como ele pode dialogar com tradições negras e populares.

Ela destaca ainda a importância de romper com o eurocentrismo que domina o ensino artístico. "Até pouco tempo atrás, a Europa estava no centro de tudo e ainda ocupa esse lugar, especialmente nas academias. É fundamental deslocar esse olhar, porque existe arte em todos os cantos do planeta."

O corpo ancestral como ferramenta cênica

Entre as iniciativas de maior impacto do grupo está a pesquisa "O Corpo Ancestral dentro da Cena Contemporânea".

Essa investigação mergulhou nos arquétipos dos Orixás e entidades do Candomblé, Umbanda e Jurema para criar exercícios cênicos que conectam atores e atrizes às suas ancestralidades.

"Nós visitamos dois terreiros na Zona Norte do Recife, conversamos com os donos da casa e, com muito respeito, observamos os rituais. Queríamos entender como o corpo dos Orixás se manifesta, os pontos energéticos de cada movimento", explica Sodré.

LUCAS EMANUEL/DIVULGAÇÃO
Espetáculo 'Ombela', do grupo O Poste Soluções Luminosas - LUCAS EMANUEL/DIVULGAÇÃO

Esse estudo também busca preencher lacunas deixadas pelo teatro antropológico tradicional, que muitas vezes prioriza referências estrangeiras, como o teatro indiano, em detrimento das manifestações locais negras.

"Nós compartilhamos um movimento intracolonial, no qual conseguimos deslocar o mapa do centro e trazer uma dinâmica onde o presente, o passado e o futuro coexistem. Tudo isso inserido dentro de uma filosofia africana, de um modo de ver e viver africano-afro-brasileiro", pontua a fundadora.

Celebração e novos horizontes

Em 2024, o grupo comemora duas décadas de existência com a Ocupação Espaço O Poste, projeto incentivado pelo Programa Funarte de Apoio a Ações Continuadas 2023 - Espaços Artísticos.

Entre os destaques da celebração está o espetáculo Àwn Irúgbin (sementes, em iorubá), que será apresentado pelo núcleo jovem O Postinho nos dias 22 e 23 de novembro, às 19h.

Formado por jovens negros do Recife, O Postinho promove um processo formativo contínuo há quase dois anos, com aulas gratuitas de interpretação teatral, produção cultural e letramento étnico-racial.

DUDU SILVA/DIVULGAÇÃO
Núcleo O Postinho apresenta 'Àwon Irúgbin' - DUDU SILVA/DIVULGAÇÃO

"Nesse momento, mais do que nunca, é fundamental ir além, porque o racismo está presente em todas as esferas. Invisibilizar o teatro negro também é uma manifestação do racismo. Nossa escola é aberta a todos, negros e não-negros, e acolhe a diversidade de gênero e origens", reforça Sodré.

Para ela, o trabalho do grupo é uma ferramenta de transformação cultural e social. "É gratificante ver pessoas interessadas em entender o que está acontecendo na cena negra. Isso reflete um posicionamento antirracista e fortalece a formação de artistas que também são educadores."

SERVIÇO
Ocupação Espaço O Poste - Novembro 2024
Onde: Espaço O Poste (Rua do Riachuelo, 641, Boa Vista - Recife/PE)

Espetáculo "Àwn Irúgbin", do Núcleo O Postinho
Quando: Sexta e sábado, 22 e 23/11, às 19h
Quanto: R$ 30, R$ 15 (meia), à venda no Sympla

Estreia do espetáculo "O Corpo esculpe o ar, anelos da ancestralidade", da Escola O Poste de Antropologia Teatral 2024
Quando: Sábado, 30/11, às 19h
Quanto: R$ 10 (preço único), à venda no Sympla

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