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Maria Bethânia sobre 'Noturno', disco gravado na pandemia: 'Sou intérprete do meu povo'

Cantora fala sobre a ausência de shows, importância da vacinação e os 50 anos de 'Rosa dos Ventos'

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Márcio Bastos

Publicado em 30/07/2021 às 6:00
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Quando clamou por vacina, respeito, verdade e misericórdia na live que realizou no dia 13 de fevereiro, Maria Bethânia dava voz, como fez ao longo das últimas cinco décadas, aos desejos e angústias de milhões de brasileiros. Em meio a uma pandemia que, diante da má gestão governamental, fez com que mais de 550 mil cidadãos perdessem suas vidas, a cantora baiana recorreu mais uma vez à música, seu dom maior, para se conectar com o público e uma ideia de Brasil (vivo, alegre, generoso, carnavalesco) que resiste apesar de tudo. Essa pulsão criativa da artista está condensada em Noturno, seu novo disco, disponível a partir desta sexta-feira (29) nas plataformas digitais e em versão física.

Gravado entre setembro e outubro de 2020, o trabalho, seu primeiro de inéditas desde Meus Quintais (2014), nasceu da inquietação de Bethânia diante do contexto do Brasil, de suas questões internas e do seu afastamento do palco desde março de 2020 — o maior período sem contato com o público desde o início de sua carreira.

"Como artista inquieta, fico recebendo as vibrações. Sou intérprete do meu povo, do povo do Brasil, então essa situação [da pandemia] é gravíssima. Consegui fazer o disco em duas semanas e meia, em outubro de 2020, no auge do auge — se bem que nunca saímos do auge. Estou recolhida dentro da minha casa desde 13 de março de 2020, quando estava em São Paulo para fazer show, foi cancelado, e não voltei mais. Saí para fazer live, gravar o disco e fazer uma participação no disco de um amigo. Coisas muito pequenas e com muito excesso de proteção e protocolos, porque eu tenho juízo, graças a deus, não sou louca. E me respeito e respeito os outros. Minha inquietação me levou a fazer o disco, senão eu iria ficar transbordando de ideias, de vontades, de cantos, de canções chegando e nada acontecer", afirmou.

No álbum, Bethânia volta a gravar artistas como Adriana Calcanhotto (uma delas sobre a trágica morte do menino Miguel no Recife), Chico César e Nora Ney, além de nomes como Zeca Veloso, Xande de Pilares, Serginho Meriti e Tim Bernardes. Com poucos músicos na banda (entre eles, o pianista pernambucano Zé Manoel), a ênfase está mais uma vez em sua interpretação vigorosa.

"[O disco] Começa noturno, na noite, no escuro, e chega à luminosidade e ao poema do português Jorge de Sena, falando de uma luz que não é nem bonitinha, do sol se pondo ou nascendo; é uma luz nascendo, no meio de nós, corajosa", reforçou.

A capa do disco, completamente branca e sem elementos visuais, com exceção de seu nome e do disco, dá dimensão dos sentimentos da cantora em relação ao momento atual. No encarte, aparecem bordados feitos por ela, inclusive o de uma lona de circo fechada, que carrega um simbolismo importante para a artista.

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"Para mim, o circo é o lugar do alumbramento, da profunda e real alegria da vida. Junto com as procissões de Nossa Senhora, o circo tem a mesma importância para mim, e eu sinto que o circo está fechado. Sinto não, fecharam. E isso para mim é um sinal muito feio, triste, melancólico", disse.

Sem perspectiva de volta aos palcos, Bethânia enfatizou a importância da vacinação de todos e saudou os manifestantes que têm ido às ruas protestar contra a morosidade do governo em imunizar a população.

"Vacinação é imprescindível, mas tem que vacinar todo mundo. Ainda bem que o povo brasileiro tem juízo e está na rua gritando 'Eu quero vacina!'", pontuou. Tenho tido notícias muito tristes de lugares onde cantei e fui muito feliz, com grande público, muito afeto dividido, virando supermercado. Isso é uma barbaridade para a minha cabeça e meu coração. Mas é a realidade. E não tenho esperança de que 'agora vai'. Para mim, ainda está longe."

Marco

2021 marca os 50 anos do show Rosa dos Ventos, um marco na carreira de Maria Bethânia. Sob a direção de Fauzi Arap, ela integrou de vez a dramaturgia às suas apresentações, permeando as canções com textos.

"Foi o show da minha libertação, do meu encontro comigo, com o jeito de me expressar, com o caminho que seria definido, definitivo, escolhido e indicado por deus e entendido pelos mestres e me trouxeram e me trazem até hoje graças ao aplauso de vocês todos que me conduzem até aqui", enfatizou

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