Paulo Gustavo pelo olhar de quem esteve com ele no Santuário de Dulce
Ator ajudou a construir unidade oncológica nas Osid onde um dos pedreiros foi atendido anos depois
Uma saia preta e uma blusa de onça: Consuelo Vidal, 47 anos, lembra exatamente da roupa que estava usando no dia em que o ator Paulo Gustavo visitou as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), em 29 de junho de 2017. “Foi um dia muito especial”, justifica a coordenadora de compras da instituição. “Segui ele por toda a Osid, a pessoa simples que ele é. Não tenho palavras para explicar”, completa a fã declarada.
O ator, que morreu em decorrência de complicações da covid-19, nesta terça-feira (4), após passar quase dois meses numa longa batalha contra a doença, financiou há quase quatro anos a construção de uma unidade de oncologia das Osid. Ele doou R$ 600 mil e, no dia em que começou a construção do espaço, fez uma visita.
Ao lado da superintendente das Osid e sobrinha de Santa Dulce, Maria Rita, Consuelo recebeu Paulo Gustavo pelas dependências da instituição que, no total, foi beneficiada com cerca de R$ 1,5 milhão em doação do ator.
Durante cerca de uma hora e meia de passeio, Paulo Gustavo era “sempre muito simpático” com os funcionários e voluntários, tirava foto com todos que pediam, sorria e “sempre tinha uma piada, fazia as pessoas rirem de alguma forma”, lembra Consuelo. Em um dos momentos, fez até “um videozinho tirando terra do local onde foi construída a unidade como se tivesse iniciando a obra”, recorda, rindo.
Encarregado de serviços do setor de manutenção patrimonial das Osid e um dos pedreiros envolvidos na construção da unidade, Marival da Silva Santos, 39, não imaginava que um dia precisaria ser atendido na unidade que Paulo Gustavo ajudou a erguer. Anos depois, com uma crise de dor aguda, Marival foi levado às pressas para as Osid onde identificou um cálculo renal.
“Me marcou, né? Foi uma ajuda grande. Não vou esquecer! Sou muito grato às Obras e a Paulo. Me emociono quando falo”, conta Marival, que trabalha há 21 anos nas Osid. Feliz de ter conhecido o ator pessoalmente, ele recorda com alegria a experiência. “Um artista com aquela simplicidade de pegar na pá pra fazer o serviço pesado, pra construir uma unidade que a gente estava precisando, marcou muito a instituição”, reforça.
“Positivo”, “pessoa do bem”, “animado mesmo” é como Marival descreve Paulo Gustavo. “Dava pra ver que era uma pessoa muito humilde também e atenciosa, dava mesmo atenção. Antes de tudo isso acontecer, ele mandava mensagem tanto pra funcionário como paciente falando para se cuidar, usar máscara. É uma pessoa que a gente sente mesmo, que faz falta”, lamenta.
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Pequena Dulce
Paulo Gustavo conheceu o hospital, o setor de atenção aos pacientes com deficiência e o Memorial Irmã Dulce, que foi criado em 1993, um ano depois da morte da freira baiana. O humorista também visitou o Santuário Santa Dulce e a Capela das Relíquias, onde fica o túmulo que guarda os restos mortais da primeira santa brasileira. Esse, inclusive, foi um dos momentos mais marcantes para Consuelo.
“Me tocou muito. Quando a gente foi para a Capela das Relíquias, que fica no Santuário, ele e Maria Rita ficaram ali durante um tempo, conversando baixinho, e ele tocando no túmulo. Foi muito emocionante, porque senti algo. E o local é muito significativo pra gente. Foi um momento de muita fé”, recorda. Outra emoção narrada por Consuelo foi ver sua filha de dez anos vestida de Irmã Dulce para receber o ilustre visitante.
Beatriz Bouzas Caria, hoje com 14 anos, confessa que morreu de vergonha no dia em que se vestiu de Anjo Bom para acolher o ator. “Para ser sincera, eu não queria me vestir de Santa Dulce, porque achei meio embaraçoso. Pensei em desistir: o que Paulo Gustavo vai pensar?”, questionou, na época. Nervosa, se vestiu às pressas e se escondeu atrás da mãe.
“Fui toda tímida falar com ele, porque sempre fui uma garota muito tímida. Me lembro até hoje que ele postou nos stories e eu apareci! De cabeça baixa... A primeira coisa que fiz foi tirar um print e mandar para minhas amigas: ‘Apareci nos stories de Paulo Gustavo passando vergonha’”, conta Beatriz, rindo. Apesar do embaraço, “aquela visita foi uma das coisas mais generosas” que já viu.
A Dulce mirim lembra que o ator escutou com atenção o que Maria Rita disse naquele dia “e isso foi muito generoso”. “É uma das provas de que ele é uma pessoa boa, muito carinhosa. Ele é inspirador”, elogia Beatriz, que nunca imaginou ver Paulo Gustavo nas Osid. “Nunca passou pela minha cabeça. E quando minha mãe falou que ele ia doar, fiquei sem palavras. Foi um choque muito grande. Fiquei emocionada”, conta.
Preconceito
Beatriz, que em 2018 fez um desenho para Paulo Gustavo e entregou nas mãos do ator no camarim da Concha Acústica, onde ele apresentou Minha Mãe é Uma Peça, destacou que o ator era “uma pessoa muito forte”. “Ele sofria muito preconceito por ser casado com um homem. Admiro isso”, completa. Sua mãe concorda e diz que o “mundo precisa de pessoas como Paulo Gustavo, não só para fazer as pessoas sorrirem”.
Dona Hermínia conquistou o Brasil, é fato, mas Consuelo enaltece a pessoa além da personagem. “Ele fez o bem para muitas famílias. De uma forma muito leve, fez com que as pessoas aceitassem a homossexualidade em suas casas, em seus círculos. Para quem não achava normal um casal gay ter uma família, ele mudou isso”, diz, sobre o ator que era casado com o dermatologista Thales Bretas e tinha dois filhos, Gael e Romeu.
“E vou ser bem sincera com você: ele me ajudou também, porque venho de uma família tradicional. Me ajudou a vencer preconceitos. O ser humano é um eterno aprendiz. Olho pra família dele e penso: Como alguém deslegitima esse amor?”, questiona. “Não só como humorista, mas como humano, Paulo Gustavo é muito especial não só pra mim, mas para o Brasil. Acho que é um filho querido de Santa Dulce”, conclui.
Paulo Gustavo estava internado no Copa Star, em Copacabana, no Rio de Janeiro, e não resistiu às complicações da covid-19 após ficar mais de um mês intubado. Ele chegou a ser submetido a tratamento com ECMO, uma espécie de pulmão artificial, e chegou a apresentar melhora na tarde de domingo, quando chegou a acordar e interagir com a equipe médica e o marido, o também médico Thales Bretas. Na noite de domingo, no entanto, ele teve uma piora súbita e veio a falecer nesta terça, deixando dois filhos, os gêmeos Romeu e Gael.