RELAÇÕES TRABALHISTAS

Com possibilidade de ter contrato suspenso durante a crise do coronavírus, domésticos vivem drama

Como contrapartida, o Governo Federal deve garantir o seguro desemprego para esses profissionais

Marcelo Aprígio
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Marcelo Aprígio
Publicado em 30/03/2020 às 17:45 | Atualizado em 31/03/2020 às 18:48
MARCELO APRÍGIO/JC
Trabalhadores domésticos enfrentam dificuldades para se manter em isolamento social a fim de evitar contaminação pela covid-19 - FOTO: MARCELO APRÍGIO/JC

O Governo Federal deve adotar uma série de medidas para tentar frear os efeitos da pandemia do novo coronavírus (covid-19) na economia. Entre elas, está a edição de uma Medida Provisória (MP) que autoriza a suspensão temporária dos contratos de trabalho e redução de jornada e de salário em até 70%, durante a crise causada pelo avanço da doença. Como contrapartida, a União deve garantir o seguro desemprego para quem for afetado pela norma. A suspensão contrato poderá ser de dois meses e a redução de jornada e salário, de até três meses.

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Após a sinalização do governo pela nova MP, sindicatos que representam empregadores e trabalhadores domésticos afirmaram que foram surpreendidos com a medida. Segundo o vice-presidente do Sindicato dos Empregadores Domésticos de Pernambuco (Sedope), Vinicius Macedo, a surpresa, no entanto, foi positiva. Para ele, com esta MP, a União demonstra disposição para manter o emprego no Brasil, beneficiando patrões e empregados. “Essa é uma medida necessária para o enfrentamento da crise”, afirma Macedo, ressaltando que, apesar de importante, a norma do jeito que foi divulgada não traria segurança jurídica, visto que a Constituição Federal veda a redução salarial sem que haja acordo por convenção coletiva, e que a nova MP não pode se sobrepor à Carta Magna.

Do lado trabalhadores domésticos, a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), a pernambucana Luiza Batista, acredita a “inesperada” sinalização do Governo Federal em permitir a redução de salários e suspensão temporário de contratos para trabalhadores domésticos “é uma coisa absurda”. “Essa é mais uma medida que garante direitos para a classe patronal, mas para os trabalhadores é aquela história do 'salve-se quem puder'”, diz ela, apontando ainda que a antecipação do seguro desemprego para os trabalhadores nesse momento não é um ponto positivo. “Se, quando voltar, o empregado for demitido, ele já não terá mais direito ao benefício, porque já tirou antecipadamente”, pontua.

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Apesar da disposição do governo em flexibilizar as relações trabalhistas durante a crise, a advogada e professora universitária Gabriela Nascimento, reforça que a Constituição Federal determina que reduções de jornadas e salários só podem ser feitas mediante acordo coletivo. “Diante disso, você acredita que essa nova MP está cercada de insegurança jurídica e pode ser questionada no STF”, declara ela, lembrando, porém, que a Suprema Corte pode ter um entendimento que reconhece este momento como inédito e que, eventualmente, a MP seja declara constitucional.

As intervenções econômicas do Governo Federal surgem após a doença fazer com que governos estaduais e municipais adotassem uma série de medidas de isolamento social como forma de tentar conter o avanço do vírus, como fechamento de comércios considerados não essenciais e a redução na oferta de transporte público. Essa situação começou a mostrar a realidade dos trabalhadores domésticos, que, ao contrário de seus empregadores, não podem “se isolar” e, portanto, precisam continuar no local de serviço.

Para essa categoria profissional, não há a possibilidade de desempenhar suas funções usando o chamado “home office”. No caso das diaristas, a situação se agrava ainda mais. Desamparadas pelas leis trabalhistas, não têm sequer coragem de pedir para ficar em casa. “É uma decisão difícil, porque temos que escolher entre colocar a comida na mesa ou ficar em casa para se proteger da doença”, conta a diarista Liliane Silva (nome fictício), 36 anos, ressaltando não ter outra escolha a não ser correr o risco de ser infectada pelo novo coronavírus.

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Ao saber, pela reportagem do Jornal do Commercio, que o Senado Federal aprovou, na segunda-feira (30), o pagamento de um auxílio emergencial por três meses, no valor de R$ 600, destinado aos trabalhadores autônomos, informais e sem renda fixa, devido à pandemia do novo coronavírus, Liliane demonstrou alívio. Para ela, apesar de o valor não se aproximar da sua renda mensal média, o dinheiro a ajudará a se manter. “Agora vou poder ficar em casa com minha família e sem passar fome”, diz ela.

Assim como Liliane, a cuidadora de idosos Maria Célia Vides, 48, tem que, todos os dias, sair de seu lar para trabalhar. Responsável por cuidar de um casal de idosos com 75 e 80 anos, desde 2018, a profissional afirma que redobrou os cuidados com sua higienização. Equipamentos de proteção individual, como luvas, máscara e álcool gel agora são indispensáveis no cotidiano de Maria Célia. “Eu deixei de usar transporte público e vou caminhando até a casa para evitar que eles fiquem doentes”, diz ela, lembrando que, quando chega à casa da família para quem trabalhar, lava as mãos, deixa os calçados perto da porta de entrada, troca de roupas, coloca os equipamentos e começa a trabalhar.

De acordo com ela, a chamada ‘nova MP Trabalhista’ não deve ter grande impacto em seu emprego, pois a condição de saúde dos idosos que assiste é bastante delicada e a família para qual trabalha já havia informado que não haveria possibilidade de dispensa. “Se houver alguma mudança será no tempo em que fico com eles”, diz ela, se referindo à redução da jornada de trabalho.

Liliane e Maria Célia estão entre os mais de 6 milhões de profissionais de trabalhadores domésticos brasileiros, uma atividade de alto risco de contágio pelo novo coronavírus. Pelo menos é o que apontam alguns exemplos, como o do funcionário de um empresário que fugiu da quarentena em São Paulo e acabou sendo contaminado quando trabalhava na casa dele, em Porto Seguro, na Bahia. Além dessa, há ainda o da doméstica de Feira de Santana (BA) que contraiu a covid-19 da empregadora recém-chegada da Itália; e o da morte da trabalhadora de 63 anos, que foi infectada após entrar em contato com sua patroa, que mora no Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, e havia voltado da Itália há pouco tempo.

Segundo a Fenatrad, mesmo após uma campanha iniciada pela entidade logo após a morte da primeira empregada, empregadores ainda optam por manter os profissionais em serviço. "Estamos em campanha pela dispensa sem prejuízo do pagamento integral dos salários, mas por enquanto a adesão é de menos de 20%", conta a Secretária Geral da Fenatrad, Creuza Maria Oliveira, afirmando que com a MP as negociações devem ser prejudicadas.

Sindicatos e MPT dão orientações

Em Pernambuco, ainda não há dados sobre quantos empregados domésticos estão trabalhando e quantos já foram dispensados. Apesar disso, para minimizar os impactos nesta categoria, o Sedope e o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Pernambuco (Sindoméstica-PE) emitiram notas técnicas para orientar patrões e funcionários sobre que decisões tomar enquanto durar a pandemia da covid-19. De acordo com as entidades, algumas das soluções possíveis incluem a antecipação de férias ou oferecer licença remunerada, especialmente se o pedido de afastamento partir do empregador.

As orientações são semelhantes às do Ministério Público do Trabalho (MPT) que, por meio de uma nota técnica, defendeu que as ausências ao trabalho sejam estendidas aos trabalhadores domésticos. A recomendação para que procuradores atuem para garantir que trabalhadores domésticos sejam dispensados com remuneração assegurada durante o período de quarentena ou isolamento. Da mesma forma, que seja estabelecida uma política de flexibilidade de jornada.

Segundo o vice-presidente do Sedope, Vinicius Macedo, o sindicato que representa tem aconselhado às famílias que optem por permitir que os trabalhadores domésticos possam ficar em suas residências e não se deslocarem ao trabalho a fim de tentar conter a propagação do novo coronavírus. "Temos orientado que os empregadores dispensem os trabalhadores e mantenham, na medida do possível, os postos e salários", diz Macedo, frisando que a maioria dos patrões não têm condições financeiras de agir assim.

Na ausência de sensibilidade do patronato para estabelecer acordos razoáveis para ambas as partes, a única alternativa, segundo a presidente da Fenatrad, a pernambucana Luiza Batista, é levar as denúncias de abusos ao sindicato, e posteriormente à Justiça. "A nossa orientação tem sido a mesma desde o início dessa pandemia, o diálogo, porém se não houver acordo, o trabalhador pode acionar o Poder Judiciário", garante ela, afirmando que a saúde deve ser prioridade e há casos nos quais é melhor perder o emprego.

O advogado Maurício Lima, especialista em direito trabalhista, afirma que o profissional que não comparecer ao seu local de trabalho por estar de quarentena, por suspeita de contaminação ou infecção efetiva, não pode ter as faltas descontadas. “Se o empregado não conseguir chegar ao trabalho ou tiver medo de se contaminar, ele está protegido pela lei de combate à covid-19”, afirma ele, explicando que, por esse motivo, não pode haver desconto salarial.

A lei a que se refere o jurista é a 13.979/2020 sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em fevereiro deste ano. O entendimento também deve ser aplicado caso o trabalhador não consiga chegar ao local por dificuldade de transporte após a decretação de algumas medidas pelo governador Paulo Câmara (PSB), ou seja, a falta não pode ser descontada.

Questionado sobre a MP, Lima pediu cautela na hora de aplicá-la e reforçou a tese da advogada Gabriela Nascimento de que a medida pode ser questionada no STF. “Não muito dificilmente, entidades de classe e partidos de oposição devem recorrer ao Supremo, que pode derrubar a MP e trazer mais insegurança jurídica sobre essas relações”, pontua.

Ainda segundo o advogado, no caso da antecipação de férias, o prazo de dez dias de antecedência para comunicar ao empregado não precisará ser observado, por se tratar de medida extraordinária. “O funcionário deverá tirar no mínimo 14 dias”, declara Lima, ressaltando que, posteriormente, se for preciso, o patrão poderá estender o recesso.

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