O câmbio teve uma quinta-feira (23) movimentada, com o dólar renovando sucessivas máximas, levando o Banco Central a fazer duas intervenções não previstas, ofertando ao todo US$ 1 bilhão em swap. Mesmo assim, o dólar fechou em novo nível recorde, influenciado por fatores externos, por conta do dia de fortalecimento generalizado da moeda americana no exterior, e também locais, principalmente o temor de piora fiscal do Brasil e os rumores de saída do ministro da Justiça, Sergio Moro. O dólar à vista fechou em alta de 2,22%, cotado em R$ 5,5287 e já acumula valorização de 38% em 2020.
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No final da tarde, com o mercado à vista já fechado, o BC anunciou o terceiro leilão de swap do dia, de US$ 500 milhões. Antes do leilão, o dólar futuro para maio havia batido em R$ 5,56 e, com o anúncio, desacelerou o ritmo de valorização, fechando em R$ 5,53, em alta de 1,35%.
Hoje, assim como já havia ocorrido ontem, o real foi uma das moedas que mais se depreciou ante o dólar, considerando uma cesta de 34 divisas internacionais.
O analista em Toronto do Canadian Imperial Bank of Commerce (CIBC), Luis Hurtado, acredita que, mesmo neste nível, não há muito espaço para apreciação do real, diante da tendência de piora do crescimento econômico, das contas fiscais e de juros menores no Brasil. A tendência é que o dólar continue na casa dos R$ 5,00 a R$ 5,25. "A situação no Brasil é particularmente frágil, na medida em que uma rápida desaceleração no crescimento está pondo em risco o processo de ajuste fiscal, com possibilidade de um desvio em relação ao teto de gastos." Hurtado vê ainda o risco de que, na medida em que a economia piore, o apoio às reformas estruturais diminua.
"Acho que o teto de gastos terá que ser abandonado, ao menos temporariamente", afirma o economista sênior para a América Latina da consultoria internacional Pantheon Macroeconomics, Andres Abadia. "Mas acho que o governo vai tentar trazer as contas fiscais de volta ao controle tão logo a crise atual comece a se dissipar", disse ele, alertando para o risco de piora dos mercados, da dificuldade de manter juros baixos e também de retomar o crescimento da atividade caso o ajuste fiscal não prossiga.
Em meio à crise, os economistas no Brasil do banco UBS, Tony Volpon e Fabio Ramos, tentaram traçar cenários para o câmbio. No pessimista, o dólar terminaria este ano em R$ 5,75 e ao final de 2021 chegaria a R$ 7,30. Já no otimista, a moeda americana fica, respectivamente, em R$ 4,45 e R$ 4,30. Qual dos cenários tende a prevalecer no câmbio, ressaltam, depende das respostas de política econômica do governo. No cenário-base, o dólar fica em R$ 4,95 ao final deste ano e em R$ 4,60 no próximo.
Bolsa fecha em baixa de 1,26%, aos 79.673,30 pontos, com foco em Moro
O Ibovespa perdia fôlego desde o começo da tarde desta quinta-feira, 23 em linha com Nova York e em meio à escalada do dólar à vista, mas o movimento nas ações se acentuou notavelmente no meio da tarde, com a notícia de que o presidente Jair Bolsonaro comunicou ao ministro da Justiça, Sergio Moro, a decisão de substituir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, homem de confiança do ministro e com o qual atuou durante a Operação Lava Jato. Ao ser comunicado, Moro teria dito não estar de acordo com a decisão e que reavaliaria sua permanência no governo.
A iniciativa ocorre pouco depois de Bolsonaro ter enviado carta ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, em que condenou protesto em defesa do fechamento do STF e do Congresso ocorrido no último domingo, do qual o presidente tomou parte em Brasília. A manifestação, contrária à Constituição, está sendo apurada pelo Ministério Público Federal. Em outra derrota política para a família Bolsonaro, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), assegurou tempo para que a CPMI das Fake News chegue à conclusão, uma vez que sejam retomadas as sessões após a normalização dos trabalhos no Congresso.
Na mínima do dia, após a divulgação da notícia pela "Folha de S. Paulo", o Ibovespa chegou a 78.621,92 pontos, mas conseguiu limitar as perdas e encerrar a sessão em baixa de 1,26%, aos 79 673,30 pontos, saindo de 81.933,50 pontos na máxima, no que foi seu maior nível intradia desde 16 de março, quando atingiu 82 564,88 durante aquela sessão. O giro de hoje totalizou R$ 24,7 bilhões e, com o desempenho negativo desta quinta-feira, os ganhos da semana foram limitados agora a 0,86%. No mês, o Ibovespa sobe 9,11%, mas cede 31,11% no ano.
Após ter chegado a limitar as perdas, recuperando a linha de 80 mil pontos - que tem se mostrado resistência importante -, o índice não conseguiu sustentá-la no fechamento. Entre as blue chips, destaque negativo para as ações de bancos, com perdas entre 1,22% (Santander) e 2,88% (Bradesco ON) no fechamento da sessão, enquanto o desempenho favorável de Petrobras e Vale contribuiu para mitigar a correção do dia - Petrobras ON e PN fecharam respectivamente em alta de 1,11% e 1,19%, enquanto Vale ON subiu 1,42%. Na ponta de alta do Ibovespa, Suzano ganhou 3,83%, beneficiada por dólar a R$ 5,5287 (+2,22%) no fechamento, dando fôlego às exportadoras. No lado oposto, IRB cedeu 8,50% na sessão.
"A eventual saída do Moro significaria isolamento maior do Bolsonaro, a perda de uma figura muito popular e no momento em que começa a dar sinais de caminhar para o Centrão. E isso vem logo depois de os militares do Palácio anunciarem um plano de investimentos sem a presença do Guedes", observa Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, ressaltando que tais iniciativas ocorrem no momento em que a economia está "rateando" e da qual se espera recuperação "muito gradual". "A agenda eleitoral está sendo antecipada, como visto no embate entre Bolsonaro e os governadores. O que se teme é uma guinada em direção a resultados não fiscalistas, em que se perderão conquistas que já tivemos, como a Previdência", acrescenta.
Nesta penúltima sessão da semana, "o dia até começou bem, com o bom humor lá fora, mas já na passagem para a tarde as coisas ensaiaram azedar quando veio a notícia do fracasso do tratamento experimental que vinha sendo testado (para o novo coronavírus)", diz Marcel Zambello, analista da Necton, referindo-se à notícia divulgada pelo diário britânico "Financial Times" de que o Gilead teria fracassado em primeiro teste clínico com a droga Remdesivir contra o coronavírus, de acordo com documento vazado. "Para piorar, depois veio a história do Moro, uma saída que, caso venha a se confirmar, ocorreria em momento de enfraquecimento da popularidade do presidente, após a demissão do Mandetta (ex-ministro da Saúde) e o desgaste na relação com os governadores e o Congresso", observa.
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