O produtor José Vaz Salgado, conhecido por Jeová, começa a carregar a caminhonete com as flores que produz na Zona Rural de Gravatá, no Agreste pernambucano, por volta de 2h da madrugada. Às 3h já está na BR-232 rumo ao Ceasa, no Bairro do Curado, no Recife. Ele viaja os quase 100 km na companhia de um primo, também produtor de flores no Agreste, com quem divide as despesas com o combustível. “Venho para a feira do Recife três vezes por semana só para não perder o costume. Mas não está valendo a pena esse esforço, não”, reclama. Ele diz que chegou a demitir trabalhadores que o ajudavam na plantação e hoje trabalha praticamente sozinho. “Hoje o apurado é muito menor. Eu vendo 10% do que vendia”, calcula o comerciante.
José Honorato é outro produtor de flores do Agreste que vem para a feira do Ceasa às terças, quintas e sábados. “Antes eu vinha de caminhão. Trazia 300, 400 pacotes de crisântemos. Hoje venho nessa picapezinha. Trouxe 50 pacotes e só vendi 25”, diz José Honorato. “Pacotes” é como são chamados os feixes com cerca de 1,5 kg de flores. José Honorato lembra que, nesta época já estaria se preparando para o melhor momento do ano para quem é o do ramo. O Dia das Mães. “No mês passado eu até tinha feito uma encomenda de flores para os produtores de São Paulo para reforçar meu estoque, mas cancelei tudo. Lá na plantação, eu e outros produtores estamos é jogando flor no lixo, ou passando na máquina para moer tudo”, ele diz sem esperança que a proximidade do Dia das Mães, que este ano cai no próximo dia 10, possa mudar algo. “Pode melhorar uma coisinha. Mas com o comércio todo fechado, acho difícil”, afirmou.
A Reciflor, como é conhecido o espaço ao lado do centro de abastecimento, é o principal ponto de venda dos produtores de flores em Pernambuco. A feira acontece entre 5h e 7h da manhã. Nos bons tempos, antes da declaração da quarentena por conta do coronavírus, a área coberta de 600 m² abrigava cerca de 100 produtores que revendiam diretamente seus crisântemos, rosas, monsenhores e girassóis a donos de floriculturas, funerárias e buffets de eventos. A movimentação mensal chegava a 90 toneladas de flores e o faturamento era de R$ 800 mil, segundo dados do Ceasa. Depois da pandemia, com as floriculturas fechadas, sem a realização de casamentos, formaturas, missas e até velórios, por conta da necessidade do isolamento social, o cenário na Reciflor mudou completamente.
Na última terça-feira (28), quando a reportagem do JC esteve na Reciflor, era possível contar nos dedos de uma mão, o número de produtores que tentavam vender sua produção no local. Eram apenas seis. Já compradores não passavam de três. Quem ainda vende alguma coisa, acha que o lucro não compensa. Um pacote de monsenhor (um tipo de crisântemo) que era vendido por até R$ 15, hoje pode ser comprado por R$ 10 ou até mesmo R$ 5. Um buquê com 20 rosas saía por R$ 20. Agora é possível encontrar por R$ 15 ou R$ 10.
Pedro Ferreira Brito é antigo no ramo. Tem três floriculturas no Recife, uma delas completamente fechada e as outras duas “tentando sobreviver”, como ele define a situação atual. “Estou há 40 anos no mercado e nunca vi nada parecido. Antes, eu vinha para essa feira e comprava R$ 2 mil em flores. Hoje não gasto mais que R$ 100, R$ 150”, resume. O comerciante diz que vendia facilmente dez pacotes de flores por dia. “Hoje eu peno para vender um pacote a cada três dias”, lamenta Pedro Ferreira. Atendendo por Delivery, ele diz que o que falta mesmo é clientela. “Tinha restaurante que me comprava R$ 1 mil em flores. Tinha também os cultos e missas nas igrejas. Hoje, com tudo isso proibido, o único comprador que aparece é aquele cara apaixonado que quer presentear a namorada. Mas esse compra muito pouco. O ramo da flor se acabou”, afirmou.
A situação do mercado de flores ???? em Gravatá é crítica. Por conta da pouca demanda, produtores tiveram que destruir o que foi plantado ???? Leia mais https://t.co/2kJV0Fj6sy pic.twitter.com/7XV9SXxHcG
— Jornal do Commercio (@jc_pe) May 1, 2020
ALTERNATIVA
No sentido contrário do pessimismo, a comerciante Maria Lopes, dona de uma floricultura no bairro do Parnamirim, no Recife, acredita que este Dia das Mães será melhor do que no ano passado. Tanto entusiasmo se justifica. Em plena crise, dona Maria Lopes incrementou as vendas por delivery em 30%. “A venda com entrega em domicílio respondia por 50% do nosso movimento. Hoje representa 80% e continua crescendo”, afirmou. O caminho foi investir nas redes sociais. “Nós já tínhamos um site para venda on line mas a venda presencial, claro, era muito mais forte. Quando precisamos fechar a loja por conta da pandemia eu vi que a procura pelo site não aumentou”. A comerciante contratou uma profissional de marketing para pensar em uma nova estratégia. E a reposta veio pelo relacionamento virtual . “80% dos novos clientes nos conheceram pelas redes sociais”. Maria Lopes comemora as encomendas já feitas para o Dia das Mães e o fato de não ter precisado dispensar nenhum funcionário. “Pelo contrário, acabamos contratando mais serviços de entregadores”. Ela também disse que não precisou apelar para descontos. “Temos uma variedade grande de produtos e preços. vai de botões de rosa a partir de R$ 4 a orquídeas de R$150”, exemplifica. Embora ela sinta falta dos grandes contratos para decoração de ambientes, atrair o pequeno comprador permitiu manter a loja e projetar um crescimento real de faturamento quando tudo voltar ao normal, espera a comerciante.
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