A pandemia do novo coronavírus evidenciou os desafios da indústria farmacêutica no País. Dependência de insumos importados, queda dos investimentos públicos em pesquisas e a necessidade de desenvolver medicamentos para acompanhar o surgimento e a evolução de doenças. De acordo com a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), o Brasil é o sétimo mercado farmacêutico mundial, atrás apenas de grandes economias como Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, França e Itália.
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O faturamento nacional do setor está na casa dos R$ 76,2 bilhões ao ano. Apesar de produzir mais de 70% dos medicamentos consumidos no País, o setor precisa importar 90% das matérias-primas. Em 2019, o déficit na balança comercial foi de US$ 2,1 bilhões.
Quando a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, não foram só os respiradores pulmonares, EPIs e outros equipamentos que escassearam. Com o isolamento social na China e na Índia, despencou a produção dos insumos farmacêuticos, que também são disputados pelos Estados Unidos e pela Europa. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi), os principais fornecedores de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) do País são China (63%), Índia, Alemanha, Suíça, México, França e Japão.
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A covid-19 chamou a atenção do governo federal e das empresas privadas do setor para os perigos da dependência internacional dos insumos. Pelo lado do poder público, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) está coordenando um projeto junto com associações da cadeia produtiva da indústria farmacêutica para elaborar propostas que diminuam a necessidade das importações.
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O Grupo FarmaBrasil (GFB), criado para representar os interesses das farmacêuticas nacionais e fazer a interlocução entre o setor e o governo, será responsável por articular propostas e encaminhar ao MCTI. “O setor está articulando propostas para apresentar ao governo. Nesse primeiro momento, são sugestões de uso de mecanismos já existentes e que podem mitigar essa dependência. Uma das soluções propostas é o governo usar as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) para a produção de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs). Um exemplo é o mecanismo das encomendas tecnológicas, um modelo de compra pública em que o governo pode contratar um serviço de pesquisa, desenvolvimento e inovação para solução de problema técnico. Isso já existe e pode ser usado”, destaca o presidente-executivo do GFB, Reginaldo Arcuri.
O projeto das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) foi criado pelo Ministério da Saúde desde 2008, mas vem encolhendo. A ideia era fomentar a tecnologia de ponta em laboratórios públicos e privados para estimular a produção de matéria-prima para a fabricação de medicamentos. As compras por PDP, que ficavam numa média de R$ 2,6 bilhões por ano, em 2019 não passou de R$ 1,6 bilhão. Também em 2019, 22% das PDPs foram suspensas.
FINANCIAMENTOS
Além da dependência dos insumos, os financiamentos para o setor vêm oscilando nos últimos anos. Em 2019, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), desembolsou R$ 219,2 milhões para o setor de fármacos e medicamentos, valor inferior aos R$ 230,8 milhões do ano anterior. De janeiro a junho de 2020, os financiamentos somam apenas R$ 80 milhões. “No período de 2015 a 2020, foram contratados mais de R$ 1,4 bilhão de operações para a área de saúde pela Finep, dos quais cerca 77% foram destinados à indústria farmacêutica. No mesmo período, os desembolsos da Finep para produção e pesquisa farmacêutica chegaram perto de R$ 1 bilhão”, diz o diretor de Inovação da Finep, Alberto Dantas.
Para o enfrentamento à covid-19, a Finep informa que o governo federal destinou cerca de R$ 330 milhões de recursos não reembolsáveis e R$ 600 milhões em recursos reembolsáveis, com juros subsidiados, para empresas no combate à pandemia. “Estão sendo aplicados R$ 141 milhões para encomendas de projetos de pesquisa diretamente aos Institutos de Ciência e Tecnologia (ICT), Fundações e Universidades para desenvolver ensaios clínicos, kits de diagnósticos inovadores, protocolos de diagnósticos, tratamentos e até o desenvolvimento de uma vacina contra a covid-19. Para empresas, a Finep acabou de finalizar uma chamada pública para o desenvolvimento de Equipamentos de Proteção Individual e Coletiva onde foram aprovadas 10 empresas, que estão em fase de contratação”, detalha Dantas.
EMPRESAS
O Aché Laboratórios Farmacêuticos, que inaugurou uma fábrica em Pernambuco no final do ano passado, é uma das empresas nacionais que investem em pesquisa e desenvolvimento no País. Em 2018, a companhia lançou 18 produtos, e expandiu esse número para 30 no ano passado. Com um portfólio de 357 marcas distribuídas em 899 apresentações, o Aché não escapa à dependência das importações de insumos, assim como as demais farmacêuticas do País. A escolha do Porto de Suape para instalar a fábrica se explica em boa parte pela localização estratégica, que vai permitir receber matérias-primas importadas da China, Índia e Europa, principalmente.
No apoio à pesquisa para combater a covid-19, o Aché doou 2.500 ampolas do medicamento Decadron (dexametasona) para que o Hospital Sírio-Libanês, um dos hospitais referência e também membro da Coalizão Covid Brasil, inicie uma pesquisa em pacientes graves. A intenção é verificar se a dexametasona, assim como outros corticoides, que já ajudam na retirada de pacientes dos ventiladores mecânicos mais rapidamente, agem da mesma forma com os pacientes graves. As ampolas já foram doadas à Coalizão Covid Brasil, e os testes se iniciarão nos próximos dias. A empresa está investindo R$ 5 milhões nessa e em outras ações de combate ao novo coronavírus.
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