Indústria automotiva

Saída da Ford do Brasil terá forte impacto sobre a economia nordestina

Região já sofre com a maior taxa de desemprego do País e com fraco desempenho da indústria. Cenário nordestino poderá se agravar

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Adriana Guarda

Publicado em 11/01/2021 às 22:49 | Atualizado em 12/01/2021 às 13:28
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Era final dos anos 1990, quando a disputa pela montadora da Ford esquentou no Brasil. Na época, o empreendimento de R$ 1,9 bilhão foi cobiçado pelos Estados da Bahia, Pernambuco, São Paulo e Espírito Santo. Fernando Henrique Cardoso era o presidente da República e Marco Maciel o vice, mas foi o falecido senador baiano Antônio Carlos Magalhães quem gritou mais alto e conseguiu levar o negócio para seu Estado. Ele pressionou o governo Federal para viabilizar um regime automotivo especial para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste, concedeu benefícios fiscais e terreno a preço simbólico para atrair a Ford. Em 2001, o Complexo Industrial Ford Nordeste foi inaugurado em Camaçari, na Bahia. Quem imaginaria que, 20 anos depois, a montadora colocaria um ponto final na sua relação industrial não só com a Bahia, mas com o Brasil?

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Primeira montadora de grande porte no Nordeste foi inaugurada em 2001 pela Ford, em Camaçari, na Bahia - Divulgação

Esta retira da Ford terá forte impacto sobre as economias do município de Camaçari, dos Estados da Bahia e do Ceará, além do Nordeste como um todo. De partida serão logo 5,3 mil demissões e esses empregos vão fazer falta e inflar ainda mais as estatísticas, entre 3 mil e 3,5 mil só em Camaçari. De acordo com a última Pnad Contínua divulgada pelo IBGE com dados regionais para o trimestre terminado em setembro, a Bahia aparece com a maior taxa de desemprego do País, de 20,7%; enquanto a média nacional é de 16,4%. Dos dez Estados com maior número de desempregados no Brasil, sete são do Nordeste. 

O presidente do Sindicado dos Metalúrgicos de Pernambuco (Sindmetal-PE), Henrique Gomes, diz que acompanhou com muita tristeza e preocupação a notícia do fechamento das montadoras. "O fechamento de uma fábrica como essa desconstrói a economia de um município e principalmente porque não houve um diálogo, uma tentativa de reverter a situação para o empreendimento ficar. Serão muitos pais e mães desempregados num momento desse, em plena pandemia e em uma economia ainda em recuperação", lamenta. 

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Especialista em desenvolvimento regional, o economista e sócio da Ceplan, Paulo Guimarães, explica que impacto será relevante. "A indústria automotiva é uma atividade de cadeia produtiva muito extensa e a Ford está na Bahia há 20 anos. Isso quer dizer que durante esse período ela já adensou a cadeia, ou seja, tem muitos sistemistas e fornecedores instalados no seu entorno. Sobre os empregos, se usarmos um multiplicador de 2 a 2,5 empregos indiretos, estamos falando de 9 mil a 10 mil postos de trabalho. Logicamente alguns fornecedores são de fora do Nordeste, mas o impacto é significativo", calcula. 

No caso da Troller, que permanece em operação até o final do ano, apesar de ser uma pequena operação, ela guarda o simbolismo de ser um empreendimento regional. "É uma fábrica brasileira, nordestina, cearense, que  tinha uma marca, um projeto local, mas que foi comprada pela Ford", destaca Guimarães. A Ford adquiriu a Troller em 2007, do empresário cearense Mario Araripe. 

"É a saída de um grupo muito grande, que se confunde com a própria história da indústria. Por outro lado é preciso analisar o atual movimento da indústria automotiva, que está readequando seu modelo, buscando ser mais sustentável, apostando nos combustíveis fósseis e nos carros elétricos. A decisão de deixar o país foi baseada nessa crise inédita atual com forte queda do setor, mas existem outros pontos a serem avaliados", observa Guimarães. 

Professor do departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e consultor de empresas, Ecio Costa, compara o impacto da saída da Ford na economia regional, com o que aconteceria com uma desistência da Jeep de permanecer em Pernambuco. "Imagine se a Jeep saísse de Goiana após 20 anos consolidada, desenvolvendo toda aquela região, as indústrias satélites lá. É um impacto muito grande nesses municípios", observa. 

INDÚSTRIA 

A decisão da Ford de deixar Camaçari e Horizonte (CE) também terá reflexos sobre o setor industrial, que não vem de um bom desempenho desde a recessão de 2015 e 2016 e que se agravou com a pandemia do novo coronavírus. Responsável por 21,8% do PIB baiano, a indústria vem registrando queda ao longo de todo o ano no Estado e acumulando uma queda de 6,9% de janeiro a outubro de 2020, segundo dados do IBGE. Maior economia nordestina com um PIB de R$ 304,8 bilhões, a Bahia impacta o desempenho da indústria nordestina, que no mesmo período acumulado apresenta queda de 5%. 

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), alertaram que a saída da Ford do setor industrial brasileiro alerta para a necessidade de reduzir o custo Brasil, melhor o ambiente de negócios e aumentar a competitividade dos produtos nacionais.

"Isso não é apenas discurso. É a realidade enfrentada pelas empresas. A alta carga tributária brasileira faz diferença na hora da tomada de decisões. O custo de cada automóvel produzido aqui, por exemplo, dobra apenas por conta dos impostos - e ainda há governantes que pensam no absurdo de aumentar tributos, como no caso da inacreditável alta do ICMS em São Paulo", aponta a Fiesp.

"A desistência da Ford de é um sinal de alerta para os governos federal, de estados e municípios, além do Congresso Nacional, sobre a necessidade se aprovar, com urgência, medidas para a redução do Custo Brasil. Entre elas, a reforma tributária se apresenta como a prioritária para a redução do principal entrave à competitividade do setor industrial brasileiro", reforça a CNI.

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