PANDEMIA

Demanda por material de construção gera escassez de produtos e eleva preços

Mais tempo em casa, entrada de recursos via auxílio emergencial e saque do FGTS levou população a priorizar obras e reformas

Lucas Moraes e Marcelo Aprígio
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Lucas Moraes e Marcelo Aprígio
Publicado em 14/08/2020 às 1:00
Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
O varejo da construção foi um dos primeiros segmentos comerciais a reabrirem as portas em Pernambuco - FOTO: Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem

Quando soube que, durante a pandemia, o governo federal iria liberar o saque de até R$1.045 do saldo das contas do FGTS, a técnica em administração Laura Lira, 25 anos, não teve dúvidas quanto ao destino do dinheiro. “Esse tempo em casa impulsionou a necessidade de fazer alguns reparos. Quando soubemos que poderíamos sacar o FGTS, logo nos planejamos para aproveitar o dinheiro extra e dar uma melhorada na casa", conta. A soma dos saldos dela e do marido fora o suficiente para dar uma repaginada no local onde vivem. A reforma foi pequena mas, em consonância com os milhares de brasileiros que puderam passar mais tempo em casa e tiveram acesso a um rendimento extra como o auxílio emergencial e o saque emergencial do FGTS, trouxe um efeito transformador no mercado da construção, da indústria ao comércio varejista.

De tijolo em tijolo, o setor viu de uma hora para outra crescer a demanda. Agora, na indústria, a corrida é contra o tempo para retomar a capacidade das fábricas até então reduzidas em função da pandemia. O comércio, por sua vez, busca equilíbrio dos preços em meio à menor oferta e maior demanda, já que os clientes continuam em busca dos materiais de base e acabamento para melhorar a moradia.

Assim como outros setores, a construção civil se viu imersa em dúvidas por conta do avanço do coronavírus. Em Pernambuco, a despeito do que acontecia na maior parte do País, o segmento imobiliário chegou a ter canteiros de obra paralisados. Na retomada, foi um dos primeiros a serem liberados, assim como a manutenção das atividades de comércio do material de construção.

“O que tem se sentido no Nordeste é uma verdade para todas as regiões. Houve influência no setor pela entrada do saque do FGTS e voucher do coronavírus (auxílio emergencial). Isso injetou dinheiro na economia, mas também tem a questão de que as pessoas ficaram mais tempo em casa, que pôde ficar, e isso significou maior desgaste da residência, incorrendo necessidade de pequenos reparos. Além do mais, o setor de construção civl como um todo foi considerado serviço essencial pelo governo federal, tanto obras, fabricação e comercialização”, enumera o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (ABRAMAT), Rodrigo Navarro.

Reformas e construção


Com boa parte da população passando mais tempo em casa, as reformas e construções passaram a ganhar prioridade no orçamento. Injeção do Auxílio Emergencial e FGTS fez muita gente ir às compras de material de construção

Só de auxílio emergencial, foram injetados mais de R$ 42 bilhões no Nordeste e R$ 7 bilhões em Pernambuco

A venda de materiais de construção em Pernambuco teve crescimento de 30% no comparativo entre os meses de junho deste ano e de 2019

O faturamento da indústria de construção cresceu 8,3% (deflacionado) entre os meses de junho e julho deste ano. Materiais de base cresceram 11,2%. O faturamento com a produção de acabamentos, 5,3%

De 50 empresas, representando 22 setores da indústria de material de construção e 440 fábricas, 63% esperam vendas boas ou muito boas neste mês de agosto e 59% têm pretensão de investimentos nos próximos 12 meses

Só a indústria brasileira do cimento é responsável por mais de 70 mil empregos, gerando uma renda de R$ 26,4 bilhões ao ano e uma arrecadação líquida anual de R$ 3 bilhões em tributos

Fontes: Abramat/Caixa/Abcp

Já descontada a inflação, o faturamento das indústrias de material de construção teve aumento médio de 8,3% entre os meses de junho e julho. Desagregados, os números do setor mostram sobretudo um crescimento do faturamento dos materiais de base, como cimento, pedras e tijolos, que subiu 11,2%. A indústria de acabamento, por sua vez, teve alta de 5,3%. “Temos três canais de venda. O varejo vem mantendo o aquecimento e representa pelo menos 50%. O mercado imobiliário vinha apresentando uma recuperação antes da pandemia e, agora, com os juros baixos continuam representando cerca de 30%, a compra das construtoras. Temos também as grandes obras de infraestrutura, que acreditamos numa retomada”, resume Navarro.

Só de cimento, a autoconstrução (residencial e comercial) e a continuidade de obras do setor imobiliário respondem por 80% da demanda, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Cimento. As vendas de cimento no mercado interno atingiram em julho 5,9 milhões de toneladas, um crescimento de 18,9 % em relação ao mesmo mês de 2019. O Nordeste teve um crescimento de 31% no mesmo período.

Demanda e oferta

Tanta demanda, em contraponto à oferta, tem contribuído para cenários de escassez pontual de alguns produtos e, consequentemente, elevação dos preços. "A indústria não está dando conta da demanda. Geralmente, esse período é de baixo movimento, mas a pandemia mudou tudo. a demanda cresceu muito e está fazendo uma pressão sobre as fábricas, que estão com dificuldades para atender essa demanda. O consumidor ainda não sente esse peso 100%, porque estamos retardando o repasse para a ponta. Mas é provável que se o preço de fábrica não cair, ainda neste mês o consumidor já sinta a alta”, pondera o empresário à frente do Armazém Coral, Domingos Moreira Filho.

 

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Pedreiro Johnny Fagundes precisou reduzir o preço que cobra pela mão de obra para compensar gasto dos clientes com material de construção - Cortesia

O efeito prático da regra de oferta e demanda já tem sido sentido no bolso do pedreiro Johnny Fagundes (@johnny_construtor_reforma), que trabalha com construções e reparos em bairros no subúrbio do Grande Recife. “A demanda deu uma crescida com esse (pagamento) do auxílio. Aconteceu que o material começou a subir muito. As carreiras de tijolos que em média eram R$ 300 já chegam a R$ 700 em alguns locais. O cimento, de R$18 está a R$ 35. Eu consegui agendar mais obras agora na pandemia, mas como o material subiu, muita gente acabou segurando a obra”, lamenta Fagundes.

Por conta da elevação dos preços de material, o pedreiro precisou em alguns casos reduzir até o custo da mão de obra. “Já cheguei a ir de R$ 250 o m² a R$ 200. O que tem ocorrido é o pessoal procurar, fazer o orçamento e quando chega no armazém desistir. Eu mesmo resolvia a compra de tudo em um ou dois locais. Agora tenho de pesquisar em até 10 estabelecimentos diferentes para economizar”, detalha.

De acordo com o presidente do Sinduscon-PE, Érico Furtado, a falta de produtos não tem atrapalhado o andamento das obras, mas o aumento de preços ainda nesse momento de pandemia é o que mais preocupa. “O que nos preocupa são os aumentos de determinados materiais na casa de dois dígitos, como o cimento e o aço. Eles estão tendo constantes aumentos mensais. Para o momento da economia que vivemos, o pessoal passar um aumento na ordem que está sendo é bastante preocupante para nós. Claro que cada um sabe onde o calo aperta, mas a gente pede que o pessoal tenha responsabilidade na hora de repassar aumento, considerando o momento que estamos vivendo”, analisa.

Pressionada, a indústria diz estar retomando a produção. Conforme a Abramat, a capacidade instalada das indústrias, historicamente em 70%, caiu para 53% em maio, e está subindo aos poucos. “O pessoal segurou o pedido, agora que aqueceu tá todo mundo pedindo ao mesmo tempo. Entregar com gap na produção pode demorar. As fábricas estão funcionando. Como são indústrias bem distintas, há um prazo de ajuste da produção, mas que está sendo feito”, justifica o presidente da Abramat.

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Pedreiro Johnny Fagundes precisou reduzir o preço que cobra pela mão de obra para compensar gasto dos clientes com material de construção - FOTO:Cortesia
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Rodrigo Navarro, presidente da Abramat - FOTO:Divulgação
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Johnny Fagundes, pedreiro - FOTO:Cortesia

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