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Construção teme esvaziamento do programa habitacional Casa Verde e Amarela

Com alta dos insumos e freio na demanda de renda mais baixa, equilíbrio do caixa é desafio para construtoras manterem contratos do programa lançado em 2020 pelo governo federal

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Lucas Moraes

Publicado em 22/02/2021 às 15:57 | Atualizado em 22/02/2021 às 18:52
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Lançado há cerca de seis meses pelo governo federal, em substituição ao programa Minha Casa Minha Vida, o Casa Verde e Amarela é alvo de preocupação do setor da construção neste ano de 2021. Com alta da matéria-prima e menor margem de lucro para as construtoras e incorporadoras, o setor teme uma redução do número de empresas atuando no programa, impactando como um todo os resultados da construção neste ano. Menos lançamentos e defasagem dos contratos firmados ainda no Minha Casa Minha Vida podem impactar até mesmo a geração de empregos, de acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). 

Mesmo que o setor acredite no potencial de repetir os bons resultados apresentados no segundo semestre de 2020, a construção civil vive a sua maior incerteza quanto ao impacto que o preço dos insumos vai continuar trazendo às obras, estejam elas em andamento ou ainda a serem iniciadas. Esse problema deve continuar afetando todos os segmentos do setor, incluindo aí as classes de renda mais baixas, que é onde há uma preocupação maior em virtude do programa Casa Verde e Amarela.

“Temos um ponto que não é só preocupante, é extremamente preocupante: O aumento (dos insumos) e falta de abastecimento de muitos dos materiais. Quando uma obra foi contratada no ano de 2020, ela pressupunha determinado comportamento dos insumos. Só que isso deu um boom nos últimos meses e tem permanecido. Aquilo que houve previsão, tornou-se um prejuízo. Isso faz com que o setor tenha medo até de fazer lançamentos. O problema é principalmente no Casa Verde e Amarela, porque há uma margem muito menor, já que nesse caso se ganha pelo volume da construção”, avalia o presidente da Cbic, José Carlos Martins.

Compare os programas:

 

MCMV
Faixa * renda * modalidade * juros

1 * até R$ 1,8 mil * subsidiada *

1,5 *até R$ 2,6 mil * financiada * 4,5% cotista e 5% não cotista

2 * até R$ 4 mil * financiada * 5% a 6,5% cotista e 5,5% a 7% não cotista

3 * R$ 4 mil a R$ 7 mil * financiada * 7,66% cotista e 8,16% não cotista


CASA VERDE E AMARELA
Faixa * renda * modalidade * juros

Grupo 1 * até R$ 2 mil * financiada, regularização fundiária e melhoria habitacional * 4,50% a 4,75% cotista e 4,75% a 5% não cotista

Grupo 2 * R$ 2 mil a R$ 4 mil * financiada e regularização fundiária (até R$ 5 mil) * 4,75% a 6,5% cotista e 5,25% a 7% não cotista

Grupo 3 * R$ 4 mil a R$ 7 mil * financiada e regularização fundiária (até R$ 5 mil) *7,66% cotista e 8,16% não cotista

Fonte: MDR

 

No ano de 2020, segundo dados do INCC-M (Índice Nacional de Custo da Construção–M), medido pela FGV, os materiais de construção acumulam inflação de 9,39% nos 12 meses encerrados em janeiro. PVC, cimento e aço são alguns dos itens que ainda preocupam construtores em todo o País e dificultam o fechamento de uma conta no azul.

De acordo com a consultoria de negócios imobiliários Brain, já há inclusive um movimento de construtores que estão migrando para outros nichos de mercado. “Nós já vemos uma série de empresas que eram especialistas (em Minha Casa Minha Vida) fazendo anúncios de migração fortes para o (mercado atendido com recursos do) SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), criando novas marcas, inclusive, justamente pela preocupação e risco no Casa Verde e Amarela. Esse movimento já está acontecendo e pode se intensificar”, alerta o sócio-diretor da consultoria, Fábio Tadeu Araújo.

Redução da fatia do mercado

Pelos números da Cbic, no ano passado, houve um crescimento de 10% do mercado imobiliário como um todo, mas uma redução de 5% do financiamento via FGTS (que suporta o Casa Verde e Amarela), ao passo que o acréscimo de financiamento na parte de SBPE foi de 58%.

“Empresários começam a pensar se dentro daquele produto vai caber um orçamento, sem expectativa de que haja aumento dos insumos ou desabastecimento de material. Não temos exatamente preocupação com falta de recursos. Os recursos do FGTS são limitados, mas temos R$ 56 bilhões este ano, ano passado foram R$ 53 bilhões. A grande preocupação é se as empresas que trabalham com Casa Verde e Amarela vão continuar com apetite para lançamentos”, reforça o presidente da Comissão de Indústria Imobiliária da Cbic, Celso Petrucci.

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No ano passado, em comparação com 2019, as vendas de imóveis cresceram 9,8% em todo o País. Os lançamentos, por sua vez, caíram 17,8% no mesmo período. No quarto trimestre daquele ano, as vendas dentro do Casa Verde e Amarela representaram 48,6% (28.150 unidades) do total vendido no mercado (57.968 unidades). Os lançamentos no programa totalizaram 28.842 unidades (47,1 %) do total de 61.274 unidades.

“Embora ainda esteja muito próximo dos 50%, a Cbic começou a divulgar há três anos Casa Verde e Amarela (ainda quando o programa era Minha Casa Minha Vida). Esta é a primeira vez que a participação fica abaixo do total. Já chegamos a ter esses números em torno de 57% tanto em lançamentos quanto em vendas no programa”, acrescenta Araújo.

Até mesmo pelo lado da demanda, o segmento atendido pelo Casa Verde e Amarelo tem sido um dos mais atingidos, conforme a Cbic. A faixa de piso entre 2,4 salários mínimos a 4,5 salários mínimos tem apresentado uma redução de quase 30% na demanda (intenção de compra).

“Iremos nos reunir com o ministério da economia e outros órgãos do governo e esperamos demonstrar o risco que isso traz para toda a economia. Existem muitas obras que paralisaram porque o governo parou de pagar a faixa 1 (ainda no Minha Casa Minha Vida). Essas obras foram recontratadas, mas elas têm um impacto do INCC que chegou aos 20% em 2020. Um empreendimento desse vai ter margem? Vamos entrar numa judicialização em massa ou alguma coisa vai ter que ser feita para diminuir esse efeito”, prevê o presidente da Cbic.

O Ministério de Desenvolvimento Regional, pasta responsável pelo programa habitacional, diz que "por meio da Secretaria Nacional de Habitação, está aberto às manifestações do setor da construção civil para avaliar soluções". 

"O objetivo da Pasta é buscar o melhor caminho para o Programa e seus beneficiários, entretanto, entende que a alta nos preços dos materiais de construção refletem um momento de instabilidade ocasionado pela pandemia do covid-19", informa o MDR em nota.

Até o início de dezembro, conforme dados do próprio ministério, desde a publicação do Casa Verde e Amarela, houve o total de 88.936 operações contratadas nas modalidades de financiamento, consolidando um valor contratado de R$ 10,97 bilhões. No Nordeste, foram 16.227 operações, representando um volume de R$ 1,84 bilhão. 

Em relação ao total de unidades habitacionais entregues no ano 2020, que se refere aos empreendimentos contratados anteriormente, foram entregues 40.527 unidades habitacionais, restando ainda o total de 266.565 unidades a serem entregues. 

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