INFRAESTRUTURA

Os grandes desafios para o trecho pernambucano da Transnordestina sair do papel

O governo do Estado procura um investidor para o trecho pernambucano da Transnordestina, uma ferrovia que deveria ligar o Sertão do Nordeste aos portos de Suape e de Pecém, no Ceará

Angela Fernanda Belfort
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Angela Fernanda Belfort
Publicado em 21/08/2021 às 9:30
DIEGO NIGRO / ACERVO JC IMAGEM
Trecho da Ferrovia Transnordestina implantado em Salgueiro que tem ao fundo a "maior fábrica de dormentes da América Latina" que está fechada - FOTO: DIEGO NIGRO / ACERVO JC IMAGEM
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Depois de 15 anos de obras e R$ 6,4 bilhões empregados, os desafios do ramal pernambucano da Ferrovia Transnordestina sair do papel e chegar a Suape continuam enormes. Na segunda-feira passada (16), o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, disse ao governador Paulo Câmara (PSB) que o trecho pernambucano será retirado da concessão da empresa que está fazendo as obras desde 2006. No meio empresarial, a decisão do governo do Estado de começar a procurar por um investidor privado para terminar a obra foi elogiado, mas dois dois maiores especialistas em ferrovias do País criticaram a decisão, citando várias pedras no meio do caminho para fazer a carga que vem do Sul do Piauí chegar ao porto pernambucano. "O minério de ferro vai escoar por onde a ferrovia ficar pronta primeiro. E é este porto que vai se consolidar", diz o diretor da Agemar, Manoel Ferreira. A opinião dele é compartilhada por todos os executivos escutados nesta reportagem.

>> Entenda por que a Transnordestina é importante para o Nordeste e pode fazer diferença até no seu bolso

"O governo federal resolveu abandonar o trecho Salgueiro-Suape e prestigiar o trecho que vai para o Ceará. Isso é um indicativo de que esse país continua sem projeto de nação. Foi uma decisão política. Fizeram a maior fábrica de dormentes, em Salgueiro, para não fazer nada. A engenharia brasileira tem que ser chamada a atenção para este abandono", comenta o presidente da Frente Nacional de Volta pelas Ferrovias (Ferrofrente), o engenheiro José Manoel Ferreira Gonçalves. Ele é autor de sete livros sobre as ferrovias brasileiras. E complementa: "Não era pra fazer a Transnordestina somente pra transportar milho que vai engordar os porcos da China, mas para fazer uma geladeira chegar de trem na casa de muitos nordestinos. Esta ferrovia teria que servir a indústria".

O transporte por trem poderia provocar, em média, a redução de 30% do preço do frete, quando comparado com uma mercadoria que é transportada por caminhão. Com exceção do Norte que é cortado por grandes rios e possui a floresta amazônica, o Nordeste é a única região do País que não possui ferrovias, com exceção de um pequeno trecho que está em operação entre o Ceará e o Maranhão. E isso tem muito a ver com o grupo empresarial que está à frente da concessão para explorar as ferrovias da região. É o grupo empresarial ligado ao empresário Benjamin Steinbruck, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que adquiriu a concessão, em 1997, para explorar a antiga Malha Nordeste, que começava na cidade de Propriá, em Sergipe, e ia até São Luís, capital do Maranhão. Esta ferrovia foi totalmente desativada, a empresa não cumpriu as metas de aumento de carga propostas no contrato de concessão original. Este mesmo grupo fez outro contrato com o governo federal para a construção da Transnordestina, inacabada. Até agora, Cerca de 80% dos recursos empregados na fer até agora são públicos.

Só foram concluídos cerca de 600 km da Ferrovia Transnordestina, que tem 1752 quilômetros, se dividindo em três grandes trechos: Eliseu Martins, no Piauí, até Salgueiro, no Sertão de Pernambuco; Salgueiro-Suape e Salgueiro-Porto de Pecém, este último localizado nas imediações de Fortaleza. Cerca de 80% dos recursos empregados até agora na Transnordestina foram públicos.

O problema não é só prejudicar o desenvolvimento do Porto de Suape, um projeto defendido por todos os governadores de Pernambuco - há mais de quatro décadas - independente de partido político. "A construção de um ramal indo apenas para Pecém vai criar um monopólio da carga, colocando todo o mercado na mão de uma empresa. O interesse maior de implantação de uma ferrovia deveria ser o público e não o privado. Levar apenas para Pecém porque dizem que lá a empresa já tem um terminal privativo no porto não é justificativa", comenta o consultor na área de logística e mobilidade da empresa BF Projetos, Bernardo Figueiredo. Ele estava se referindo ao fato de que o grupo empresarial da TLSA tem um terminal privativo de movimentação de cargas no Porto de Pecém, segundo vários políticos e empresários locais.

Tanto Bernardo como José Manoel sugerem que o governo de Pernambuco deveria pedir uma espécie de ressarcimento dos recursos empregados na ferrovia a TLSA e empregar esse recursos na implantação do trecho pernambucano. Eles também defendem que os  políticos pernambucanos deveriam se unir para que o trecho pernambucano fosse feito junto com a parte cearense da ferrovia. Na prática, isso é complicado porque a concessão da TLSA é federal e nenhuma gestão da União aplicou qualquer punição na empresa, incluindo as administrações de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (sem partido). Atualmente, há uma decisão da terceira vara da Justiça Federal intimando a União e o ministro da infraestrutura, Tarcísio de Freitas, a apresentarem em 30 dias uma decisão técnica sobre a exclusão do Ramal Suape-Salgueiro da Transnordestina. A intimação ocorreu em decorrência de ação civil pública impetrada pelo deputado estadual Clodoaldo Magalhães. 

IMBRÓGLIO

Mesmo desistindo do trecho de Suape, a TLSA vai continuar sendo a concessionaria dos trechos Eliseu Martins-Salgueiro. E, para a carga chegar em Suape terá que embarcar, primeiro, no Piauí. "O Estado vai dar uma autorização para fazer uma ferrovia que vai concorrer com a Transnordestina e a empresa vai dar uma boa condição para a empresa que opte pelo trecho pernambucano ? Isso vai ter que estar no acordo que retirou o trecho de Pernambuco", defende Bernardo Figueiredo, acrescentando que todas as obrigações e o direito de passagem devem estar garantidos no contrato que vai alterar a concessão. "Ainda não há uma regulação que estabeleça isso no Brasil", afirma o consultor. 

As cargas de maior volume que podem justificar a implantação dos dois ramais da Transnordestina são os grãos cultivados no Sul do Piauí e no Sul do Maranhão e as jazidas de minério de ferro, principalmente as do Piauí. Tanto Bernardo como Manoel 

Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), Ricardo Essinger, o direito de passagem não é um problema. "A ideia seria fazer o compartilhamento dos trilhos. O setor elétrico já faz isso e quem usa os fios de outra empresa paga pela tarifa do fio, o TUSD", explica o empresário. Há uma enorme diferença entre o setor elétrico e o de transporte ferroviário: a regulação do primeiro é feita de forma rígida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)- que regula o setor ferroviário - já chegou a recomendar a caducidade do contrato da TLSA por descumprimento do contrato e o que ocorreu foi a prorrogação, pelo governo federal, do contrato de concessão por mais 30 anos. O governo federal está preparando uma MP para regular vários aspectos das ferrovias, incluindo o compartilhamento do uso dos trilhos.

INVESTIMENTO

Para concluir o trecho pernambucano, será necessário um investimento estimado em cerca de R$ 2 bilhões, levando em consideração o orçamento regulatório da ANTT, que correspondeu a 34% do orçamento pleiteado pela TLSA junto a ANTT com data base de janeiro 2019 corrigidos pelo INCC para 2021. Alguns componentes da futura ferrovia subiram muito de preço, como os trilhos, impactados pela alta do dólar. "É um empreendimento caro, vai depender da articulação do Estado. De Serro Azul pra cá, tem uma área grande que não tem nem as desapropriações. Aqui, na Fiepe vamos fazer o possível para que este projeto saia do papel", conclui Essinger.

As desapropriações citadas pelo empresário devem ser concluídas pelo governo do Estado até 2022 e se referem ao último trecho da ferrovia, que ligaria as imediações de Palmares, na Mata Sul, até o Porto de Suape. Em Pernambuco, a Fiepe foi a primeira instituição a pedir a cassação da concessão da TLSA.
"Fica mais fácil pegar um grupo que tenha interesse no mercado do que esperar por esta concessionária da Transnordestina", diz o empresário Manoel Ferreira. E complementa: "Se for pra esperar pela atual concessionária, não vai ser concluída nunca".

Os dois especialistas em ferrovia consultados nesta reportagem consideram "difícil" encontrar um investidor que banque o investimento do trecho pernambucano por causa do valor do investimento.


FUTURO

O trecho pernambucano da ferrovia será construído via uma autorização do governo estadual que já encaminhou um Proposta de Emenda Constitucional (PEC) à Assembleia Legislativa de Pernambuco para viabilizá-la. A expectativa é de que a PEC entre em votação nesta semana. Outros Estados estão fazendo iniciativas parecidas, como o Mato Grosso, que está com um chamamento público aberto para escolher uma empresa que faça uma ampliação de uma ferrovia já existente. 

Em nota, o Governo de Pernambuco informou que "não é parte no contrato de concessão do Governo Federal para construção da Ferrovia Transnordestina. Não cabendo assim pedido de indenização pela não conclusão da obra. Com relação às supostas dificuldades em encontrar interessados em um contrato de concessão para finalização do Ramal Suape da ferrovia, o governo estadual reafirma que já tem sinalizações de grupos empresariais interessados no negócio e que já encaminhou à Assembleia uma proposta de PEC para a implantação de infraestrutura ferroviária no território do estado enquanto aguarda a formalização do distrato com a TLSA, por parte do Governo Federal, para avançar nas tratativas".

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É um empreendimento caro, vai depender da articulação do Estado. Aqui, na Fiepe, vamos fazer o possível para que este projeto saia do papel", afirma Ricardo Essinger, presidente da Federação das Indústrias de Pernambuco - FOTO:FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Não era pra fazer a Transnordestina somente pra transportar milho que vai engordar os porcos da China, mas para fazer uma geladeira chegar de trem na casa de muitos nordestinos", diz o engenheiro José Manoel Ferreira - FOTO:DIVULGAÇÃO

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