Com a crise econômica provocada pela pandemia de covid-19, os brasileiros precisaram contar ainda mais com o apoio do crédito para manter as finanças em dia ou até mesmo expandir seus negócios.
No entanto, o cenário de incerteza fez com que muitas operadoras financeiras tornassem os critérios para a solicitação ainda mais rígidos, dificultando o acesso às classes C e D.
Além disso, a alta da taxa básica de juros (Selic), em 6,25% ao ano, e o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), anunciado pelo governo federal para tentar bancar o Auxílio Brasil, têm deixado empréstimos e operações de crédito ainda mais caros, o que prejudica a inclusão financeira de parte da sociedade.
De olho nesse vácuo, uma prática não tão recente ganhou força e novos adeptos nas ruas do Grande Recife e de inúmeras cidades pelo Brasil. “Troque o limite do seu cartão de crédito por dinheiro.” “Pegue dinheiro na hora, com empréstimo no cartão”.
É com frases como essas que cartazes espalhados pelas ruas da Região Metropolitana aguçam o interesse de quem passa, mas nem sempre despertam desconfiança.
“Muita gente recorre a estas ofertas porque vêem nelas a única solução para conseguir algum dinheiro para manter sua sobrevivência. Se as coisas estavam complicadas antes, agora, estão mais ainda.Desde que a pandemia chegou, tudo piora”, diz o economista e professor da Unit-PE Werson Kaval.
Uma rápida andada pelo Centro da capital pernambucana é suficiente para encontrar diversos divulgadores entregando panfletos que prometem empréstimos a juros menores que os praticados pelos bancos — o que não é verdade —, necessitando apenas de um cartão de crédito.
Embaladas pela popularização das maquininhas de cartão de crédito, empresas, mesmo sem autorização legal, cobram taxas que variam entre 18% e 40% do valor do empréstimo, que pode ser parcelado em mais de 18 vezes.
“Você só precisa ter cartão de crédito. Aceitamos todas as bandeiras, dividimos em até 12 vezes e a cada parcela acrescentamos 5% de comissão. A pessoa vem aqui na loja ou gente marca um lugar e levo a máquina. Aprovou, faço logo um Pix”, explicou um operador, identificado apenas como Evandro, responsável por uma empresa chamada Blue Cred.
Tentamos falar com outros operadores, mas se a maior parte se negou a falar com a reportagem.
Prática é considerada crime
A oferta do serviço, porém, incorre em crime contra a economia popular e contra o sistema financeiro nacional, segundo o advogado Josemar de Andrade, especialista em direito do consumidor.
“Isso é, sem dúvidas, uma agiotagem moderna. Vislumbro ainda a possibilidade de isso se enquadrar em crime de sonegação de impostos, que é crime federal”, diz Andrade.
"As instituições autorizadas a promoverem empréstimos, sendo elas bancos, financeiras e cooperativas de crédito, precisam declarar imposto de renda e cumprir determinadas obrigações fiscais, que certamente são ignoradas por essas empresas clandestinas", completa.
Sem autorização do Banco Central para realizar atividades financeiras, contribuem para agravar a situação de um País onde há mais de 14 milhões de desempregados e 74% das famílias têm dívidas em atraso, de acordo com os dados de setembro da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Por causa disso, o economista Werson Kaval afirma que esta é uma forma perigosa e cara para quem precisa de dinheiro.
“Isso é considerado uma agiotagem disfarçada, que só prejudica o tomador de empréstimo. Essas empresas, além dos juros, aplicam taxas fora da realidade, como tentativa de tirar a maior quantidade de dinheiro possível de quem procura seus serviços”, pontua o especialista
A transação é feita mediante a cobrança de uma taxa sobre o valor total que será emprestado. Por exemplo: para receber R$ 1 mil, a pessoa interessada irá parcelar, na verdade, R$ 1.200 em 12 vezes no cartão de crédito.
Os R$ 200 a mais serão embolsados pelas empresas, que têm garantia total do negócio, já que, se houver atraso no pagamento das parcelas, o cliente será cobrado diretamente pela operadora do cartão de crédito.
Nesse caso, além dos 20% de tarifa paga à empresa, o tomador do empréstimo ainda estará sujeito aos juros do cartão de crédito, que em agosto chegaram a 336,1% ao ano e é um dos produtos mais caros do mercado.
O JC entrou em contato com vários números divulgados nos anúncios. A prática é semelhante: marca-se um local para o encontro, que pode ser em um endereço usado como loja da empresa, lá, um funcionário usa maquininha e faz a transação.
Em todos os contatos feitos, no entanto, a promessa é que o dinheiro não será pago em espécie, apenas por transferência bancária via Pix, realizada imediatamente após o parcelamento.
Pelo WhatsApp ou chamada telefônica, pessoas, que se apresentam como responsáveis pelas empresas, frisaram que a transação é legal, além de ser feita com frequência. O Banco Central, porém, afirma que se trata de um crime financeiro.
“É ato ilícito administrativo (Lei nº 4.595/1964) e criminal (Lei nº 7.492/1986) a prática, por empresa não autorizada pelo Banco Central, de operações privativas de instituição financeira previstas no artigo 17 da Lei nº 4.595, de 1964. O tratamento dessas situações deve ser conduzido perante as autoridades policiais”, afirmou o BC em nota enviada ao JC. A lei citada prevê de um a quatro anos de reclusão, a depender do modo como a prática seja realizada.
Procon já fechou 13 empresas
Na mesma linha, o secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Pedro Eurico, afirmou que a prática é abusiva e se assemelha a crimes como estelionato.
“Essas empresas têm um volume de dinheiro muito grande circulando, além de taxas de juros abusivas. Enquanto o empréstimo legal a taxa é da ordem de 3% a 3,5%, nessas empresas a taxa passa de 20%, o que caracteriza tentativa de usura, extorsão e estelionato”, disse o secretário.
“Eles prometem menos burocracia, mas não esclarecem sobre o limite do cartão que está sendo tomado nem informam sobre a elevada taxa de juros que é aplicada.
Então, a população, precisando de dinheiro para enfrentar as dificuldades que estamos vivendo, vai e pega o dinheiro por causa do desespero”, emenda Pedro Eurico, informando que desde 2020, pelo menos, 13 dessas empresas foram fechadas e seus responsáveis presos.
Ainda de acordo com o gestor, quem se sentir lesado por essas empresas podem procurar a A Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor de Pernambuco (Procon-PE).
O órgão conta com um núcleo de assistência e orientação financeira que está à disposição da população. O espaço fica na sede do órgão estadual de defesa do consumidor, na Avenida Floriano Peixoto, 141, bairro de São José, no Centro do Recife.
Para mais informações, o consumidor pode acessar o site www.procon.pe.gov.br ou enviar mensagem via WhatsApp para o número (81) 3181-7000, bem como ligar para o 0800-282-1512.
Comentários