Crise energética: atitude do governo poderia economizar R$ 17 bilhões e aliviar seu bolso
Estudo aponta que reconhecimento da crise e acionamento precoce das térmicas, combinado com outras soluções, evitaria gasto maior na geração
A crise hídrica que o País enfrenta poderia custar menos ao bolso do contribuinte e ao erário, caso o governo federal tivesse agido antecipadamente. Estudo elaborado pelo engenheiro Donato Filho, diretor da Volt Robotics e professor de pós-graduação da USP em Modelagem Computacional e Sistemas Inteligentes, apresentado durante mesa redonda com especialistas do setor, no Instituto Clima e Sociedade, aponta que o governo gasta R$ 17 bilhões a mais para acionamento das usinas termelétricas (mais caras e necessárias para suprir a demanda energética).
Os cálculos apontam que, em 2020, os reservatórios iniciaram o período seco com 55% de armazenamento, mas ainda assim a grande maioria das termoelétricas ficou desligada até setembro. Só a partir de outubro de 2020, o despacho termoelétrico foi retomado. Com as expectativas de um verão chuvoso no ano passado, a produção termoelétrica se reduziu novamente entre fevereiro e maio de 2021.
A mudança climática se impõe mais uma vez, mas não foi levada em consideração, de novo, este ano. Conforme o estudo, como o verão foi seco, com vazões equivalentes a 70% da média histórica, a partir de junho praticamente todas as termoelétricas passaram a ser despachadas, de forma atrasada, caracterizando o início do enfrentamento de mais uma seca com custos bilionários.
Da forma como foi realizado o uso das termoelétricas, o custo total de geração de maio de 2020 a agosto de 2021 foi de aproximadamente R$ 37 bilhões, segundo Donato Filho.
"Se estivéssemos considerando desde o início que a estação chuvosa seria seca, teríamos utilizado mais termoelétricas no período de maio a setembro, de modo preventivo, para evitar o esvaziamento dos reservatórios", diz ele em trecho do estudo.
Essa simples mudança temporal na estratégia para enfrentar a estação seca teria um custo total de geração de energia de aproximadamente R$ 20 bilhões para o mesmo período, de maio de 2020 a agosto
de 2021, levando-se em conta o mesmo volume de energia. "É quase a metade do valor".
"O que está muito claro é o acontecimento por conta das mudanças do clima. Pesando inclusive no nosso bolso. Essas secas, falta de água, vão acontecer com maior frequência e intensidade. O setor elétrico vai ter de se adaptar a isso", reforça Donato Filho.
Porém, o custo do acionamento antecipado, frente à possibilidade de uma mudança climática positiva para o setor energético, ou seja, um verão chuvoso, também precisa ser levado em conta para definir se valeria a pena.
"O custo desta nova estratégia é que se a estação chuvosa tivesse sido úmida, a geração termoelétrica antecipada caracterizaria um desperdício. A antecipação apresenta uma elevação de custos nos casos em que o verão se mostra chuvoso, saindo de R$ 3,3 bilhões para R$ 7,0 bilhões. Ou seja, o aumento de custos equivale a R$ 3,7 bilhões.
Para o engenheiro, esse custo valeria a pena. "Teríamos que adotar a estratégia de nos prepararmos para um verão seco e termos um verão chuvoso por pelo menos cinco anos para que o desperdício do despacho antecipado das termoelétricas superasse a economia de não utilizar as termoelétricas mais caras nos momentos de secas severas", defende.
ACIONAMENTO DAS TÉRMICAS
Especialistas do setor energético já afirmaram em audiência pública na Câmara dos Deputados que o retardo no acionamento das térmicas agravou a crise energética no País. Tanto o Ministério de Minas Energia quanto a Aneel já negaram a demora.
O País tem registrado o pior acúmulo de água nos reservatórios das principais hidrelétricas em 91 anos no último período chuvoso, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). A falta de chuva tem complicado a geração de energia num momento em que há maior flexibilização das atividades econômicas em meio à pandemia da covid-19, ou seja, maior consumo de energia.
Para tentar suprir a demanda e evitar racionamentos ou até mesmo apagões, o governo federal já acionou todas as térmicas do País. O acionamento das termelétricas mais caras custa cerca de R$ 2 mil por megawatt-hora (MWh), custo que equivale em alguns casos a mais de 10 vezes o da geração eólica, por exemplo.
Esse custo é o que encarece a tarifa, e já faz com que os consumidores paguem, por exemplo, a bandeira tarifária escassez hídrica na conta, arcando com R$ 14,20 a cada 100 kW/h, maior o que os R$ 9,49 do maior patamar até então existentes, a Bandeira Vermelha 2.