CRISE

"Há um recorrente fracasso de todas as iniciativas em política econômica no Brasil", diz ex-secretário da Receita Federal do governo FHC

O consultor tributário Everardo Maciel concedeu entrevista ao Passando a Limpo, da Rádio Jornal, nesta sexta-feira (22)

Vanessa Moura
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Vanessa Moura
Publicado em 22/10/2021 às 13:45
MARCOS CORRÊA/PR
Presidente Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes - FOTO: MARCOS CORRÊA/PR
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Com informações da Rádio Jornal

Quatro secretários da equipe de Paulo Guedes pediram demissão na última quinta-feira (21) por conta de manobras do governo para driblar o teto de gastos. Com isso, a situação do ministro da Economia, e do país, parece cada vez mais delicada. Nesta sexta-feira (22), Everardo Maciel, que é consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal do governo de Fernando Henrique Cardoso, falou sobre o atual cenário da economia brasileira durante o Passando à Limpo, da Rádio Jornal. Confira a entrevista na íntegra:

A saída daqueles quatro secretários da equipe do ministro Paulo Guedes é um sinal de que o chefe da economia está sozinho na equipe?

Não é mais um sinal. Porque esse não são os primeiros. Quer dizer, há um um afastamento generalizado das pessoas que compunham a equipe original. Porque a rigor há um recorrente fracasso de todas as iniciativas em política econômica entre os quais destaca exatamente essa questão de como financiar a Bolsa Família e como pagar os precatórios que efetivamente cresceram bastante para próximo exercício.

O que é o teto de gastos e qual é a importância desse teto de gastos?

Eu vou tentar dizer da maneira mais mais clara possível. O teto de gastos é uma regra que foi instituída em virtude de uma emenda constitucional. E o que disse essa emenda? Que os gastos feitos, algumas exceções que não vem ao caso destacar aqui, que os gastos do Poder Executivo, Poder Judiciário e do Poder Legislativo só poderiam crescer no limite do que fosse a inflação. Ou seja, tomava o gasto 2016, você aplica a inflação para o exercício do período e você tem um teto pra gastar. Isto objetivamente é isso. Então não pode ultrapassar esse teto. Qualquer coisa diferente disso nós estamos diante de algo que pode envolver um crime de responsabilidade.

Só pra pra complementar, nesse caso quando a gente ultrapassa esse teto, qual é a consequência pra economia? Porque a gente tá vivendo já um momento de inflação, sobe preço de combustível, no supermercado tá tudo mais caro, a gente tem uma preocupação com o desemprego e aí o Governo começa a gastar além ou ou tenta gastar além do teto pra poder entregar benefício social, que é importante, é necessário, mas tem que ser feito com responsabilidade. Qual é a consequência? Pode piorar a inflação, pode aumentar os preços?

Sem dúvida sem dúvida. Veja, nas relações da economia do país um ponto crucial é a confiança. São expectativas que são construídas. Quer dizer, o governo se financia com impostos e com dívida, se eu vejo que ele está gastando mais do que devia, eu passo a por em dúvida sua capacidade de honrar suas dívidas especialmente quando nós estamos falando de está se tentando contornar um outro tipo de dívida, que são os precatórios dóvodas que resultam de processos que transitaram em julgado e que resultam portanto de requisições feita pela justiça.

Então tudo isso é um sinal que incomoda o mercado e faz com que as expectativas fiquem negativas. Isso faz com que resulte queda em bolsa de valores, o dólar sobe, o valor das ações das empresas brasileiras no exterior caem. Por conta dessas trapalhadas nesta semana, a as ações brasileiras negociadas no exterior caíram entre 5% e 6%. É uma queda monumental.

Há uma perda de valor das empresas brasileiras por conta disso. Porque as expectativas ficam negativas. Quer dizer, será que ele vai pagar a dívida? E se não vai pagar a dívida, como acontece? Se você é um bom pagador, consegue empréstimos com bons juros. Um mal pagador consegue empréstimo com juros elevados. Essa é a regra do mercado financeiro aqui em qualquer lugar do mundo. 

Ministro, e essas coisas feitas, no varejo, quando de repente o presidente entra num discurso e fala para os caminhoneiros que vai dar dinheiro a eles, sem explicar direito de onde vem o dinheiro. Tudo isso tem consequência?

Sem dúvida é uma combinação inacreditável, de improviso com incompetência e com agenda oculta. Por exemplo, tem essa história dos precatórios, me consultaram e perguntaram "como é que trataria isso?". Tem solução? Tem. Sem violar nada. Mas na verdade há uma agenda oculta. Há uma coisa que não se diz.

Olha, o objetivo na verdade que se quer é abrir espaço no conjunto de despesas alcançadas pelo teto de gastos. Pra quê? Pra duas razões. Uma, que é pra expandir o auxílio nas transferências de renda para os mais pobres. O que é muito razoável. E a segunda, que não se fala, é pra aumentar as emendas parlamentares, que como os sites já estão mostrando aqui, se converteu num mercado de emendas. Tão negociando, vendendo emendas. Isso é uma coisa assustadora. Mas isso não é dito. Eles usam o discurso de 'vamos aumentar as transferências para os pobres'. Isso é muito bom, mas esse discurso é falso.

Atrás disso tem também a chamada emenda de relator, que é algo que não existia. Isso foi criado em 2019. É uma emenda que ninguém sabe pra quem vai, como é que vai, quem dá e quem não dá. Uma coisa absolutamente deplorável. Agora, tem como fazer esse aumento sem violar o teto, com responsabilidade social? Tem, isso é perfeitamente possível, mas pra isso é preciso ter competência, responsabilidade e determinação.

No entendimento do senhor qual seria o caminho adequado pra fazer esse auxílio Brasil dentro das regras e se era possível fazer agora ou se havia necessidade de um planejamento anterior?

Veja bem, se eu tenho precatóros, que são dívidas do estado, no caso do governo federal, é bom lembrar que dos quase noventa bilhões de reais previsto pra orçamento do próximo ano, cerca de dezesseis bilhões os titulares dos precatórios são estados, nomeadamente quatro estados. Bahia, com alguma metade disso.  Pernambuco, com dois bilhões e alguma coisa. Ceará, com algo semelhante, e o estado do Amazonas.

Então, titulares são os estados. E mais outra coisa, como se refere a verba do FUNDEB, significa dizer que são recursos destinados obrigatoriamente a financiamento da educação. Agora, se existem precatórias, do outro lado existem dívidas de particulares para com a fazenda pública, que se chama dívida ativa. Ora, a dívida ativa da União são mais de dois trilhões de reais, e esses precatórios do próximo ano são noventa bilhões, vê a diferença entre uma coisa e outra?

Primeira providência a ser tomada: por que não fazer um encontro de contas? Por que não permitir que precatórios próprios ou adquiridos por terceiros sejam utilizados como moeda para liquidar créditos de dívida ativa? Por que não fazer com que os precatórios funcionassem também como moeda nos processos de privatização ou de alienação de imóveis? Por que não fazer com que os precatórios possam também ser utilizados como pagamento nas outorgas de concessões de serviços públicos? E por aí vai.

Quer dizer, isso é dar liquidez ao precatório. Mais ainda, eu diria não só o precatório vencido, como também com aquele precatório que vai se vencer no próximo ano, eu abro espaço na despesa por essa via de compensação de pagamentos. Quer dizer, abrir espaço na despesa futura, então em lugar de adiar, postergar o pagamento de precatório, eu antecipo o pagamento precatório. Mas isso eles não raciocinam não, então vão fazendo essas trapalhadas.

Estão querendo alterar o índice de inflação, aliás, o período de apuração do índice de inflação. Isto é pedalada. Você pode chamar do nome que quiser, mas está furando o teto. Não foi o que foi acordado. E o mercado vai compreender isso. Não é só o mercado brasileiro. É o mercado do mundo inteiro. Todos percebem isso. Agora, o dólar sobe. Quando o dólar sobe, pessoas que tem investimentos no exterior em paraísos fiscais tem um aumento patrimonial indireto. Já foi feito esse esse cálculo, só em relação ao que tem o Ministro da Economia em Paraíso fiscal sem pagar impostos, com o aumento do dólar nessa semana, sem nada ele já teve um aumento patrimonial de dois milhões de reais.

O senhor falou agora de quem tem conta em paraíso fiscal e eu estava lembrando de algo que pode ter relação também. Os bolsonaristas, os grupos que apoiam nas sociais, aqueles youtubers, eles recebem em dólar também, né? Então quando o dólar aumenta, eles são monetizados em dólar. Então essas empresas elas pagam em dólar quando o dólar aumenta eles recebem bem mais dinheiro também.

É uma vergonha uma vergonha a existência de investimentos brasileiros em paraísos fiscais sem pagar um centavo de imposto.

O senhor citou também, em termos percentuais, as perdas das empresas brasileiras de 3% a 6% esta semana, e eu queria dar números absolutos em relação ao que aconteceu. Somente em três dias dessa semana foram duzentos e oitenta e quatro bilhões de reais de valor de mercado na bolsa de valores que as empresas brasileiras perderam somente em três dias dessa semana. E a respeito do dólar, enquanto alguns estão ganhando, lucrando muito com essa disparada do dólar, é bom lembrar que o povo brasileiro está sofrendo as consequências desse aumento do dólar principalmente no que diz direito ao preço dos combustíveis aqui no Brasil.

Quando eu falei na queda de 5% a 6%, falei nas empresas brasileiras, nas bolsas do exterior. O número que você citou é na bolsa brasileira.

Perfeito. Eu citei também a questão do do preço dos combustíveis, em que inclusive a Petrobras chegou a anunciar esta semana que pode não ter capacidade de atender aos postos durante o mês de novembro. Nós estamos acompanhando essa alta de preços e o dólar ontem bateu 5.66, chegou a 5.77 na máxima do dia, e isso deve refletir também nos preços do mercado interno, né?

Sem dúvida. Enfim, parte do que nós consumimos em termo de gasolina e diesel resulta de importações, portanto pagas em dólar. Se há uma combinação de aumento do preço do barril de petróleo com aumento do dólar, evidentemente é uma combinação muito perversa que termina impactando o preço do combustível consumido no país. Isso é sem dúvida nenhuma, uma grande atrapalhada. Eu tenho experiência de muitos anos, mas eu nunca vi nada igual na minha vida. É uma coisa assustadora, eu fico olhando pra saber qual é a novidade da manhã, qual foi a maluquice feita na manhã. É apenas dar lugar àquela velha frase: nada é tão ruim que não possa ficar pior.

Essas consequências que estamos vivendo agora não cessam. Nós teremos consequências pela frente? Tem muita gente que diz 'olha, não tem problema porque depois se Bolsonaro não ganhar a eleição o próximo que vier resolve isso aí', mas isso não se resolve de um dia para o outro, né?

Infelizmente nós temos um cenário que é muito pouco benigno. Nós temos aquilo que chama de tempestade perfeita. Nós estamos com problemas sociais. Nós estamos com problemas cambiais. Nós temos uma crise hídrica, nós temos uma crise energética, nós temos fome, o número de pessoas em condições de extrema pobreza no Brasil cresceu, o número de desempregados é elevadíssimo, e as perspectivas de retomada da economia são muito modestas, pra não dizer pífias. Então, aconteça o que acontecer, quem assumir a partir de 2023 vai encontrar uma difícil situação. 

MARCELO CAMARGO / AGÊNCIA BRASIL
Everardo Maciel foi secretário da Receita Federal entre 1995 e 2002 - FOTO:MARCELO CAMARGO / AGÊNCIA BRASIL

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